17 Julho 2018
"No momento em que o pais vive talvez sua mais grave crise social, política, econômica, ambiental e moral, a SOTER, seus membros e participantes deste Congresso Internacional conclamam publicamente o povo, as instituições científicas, as comunidades de fé, os movimentos sociais, as igrejas, os sindicatos, as entidades civis, as associações e as cooperativas a levantarem sua voz em defesa dos direitos e garantias fundamentais".
O comentário é publicado em carta pela diretoria do 31º Congresso Internacional da SOTER.
“Será que Deus se enganou ao criar-nos assim, negros,
como somos?”
Paulina Chiziane
Cidadãs e cidadãos brasileiros:
Sob o impacto das conferências que ouvimos no 31º Congresso Internacional da SOTER, realizado em Belo Horizonte, de 10 a 13 de julho de 2018, a partir do tema “Religião, Ética e Política”, do testemunho profético da escritora moçambicana Paulina Chiziane, e dos debates entre os mais de 550 participantes do evento, tomamos a liberdade de nos manifestar à sociedade brasileira porque o momento vivido no país é da maior gravidade. Como intelectuais e estudiosos das mais diversas expressões religiosas e dos dramas vividos por nosso povo, não podemos nos calar, muito menos como pessoas de fé que pautam suas vidas pela coerência na luta pela justiça, pela democracia e pela dignidade humana.
Como observadores atentos da conjuntura atual brasileira, denunciamos o processo iníquo de desconstrução da frágil democracia que vimos construindo duramente depois de mais de 20 anos de ditadura civil-militar. Percebemos que há um claro intento, em curso, de quebra do Estado Democrático de Direito, com a não garantia plena dos direitos e garantias fundamentais contidas na Constituição Federal de 1988, a relativização desses direitos em nome da racionalidade do mercado, que não está mais sob o controle do Estado Democrático de Direito.
Constatamos a precarização das conquistas sociais e dos direitos da classe trabalhadora; o recrudescimento de distintas formas de violência que atingem particularmente os mais pobres e vulneráveis, os povos indígenas, os quilombolas e as populações tradicionais, além da violência crescente contra movimentos sociais e suas lideranças.
Assistimos, indignados, ao aumento do feminicídio e da impunidade, ao desrespeito aos direitos humanos, à onda de intolerância religiosa e à disseminação do ódio social nas mídias abertas e redes sociais, situação que vem chegando às raias do crime contra a pessoa em número inédito neste país.
Parece-nos, igualmente, um equívoco a militarização do combate ao crime organizado e a imposição da ordem social pela força em detrimento da liberdade de ir e vir e de um plano de segurança debatido amplamente pela sociedade.
Diante deste quadro dramático, como Sociedade de Teologia e Ciências da Religião, reivindicamos publicamente as seguintes medidas que podem ajudar o país a retomar o caminho da democracia e da paz social:
1. Resgate da Democracia, do Estado Democrático de Direito e da Soberania Nacional;
2. Recuperação dos serviços públicos de saúde para toda a população, com a sustentação prioritária do SUS;
3. Revogação das leis antipopulares como a Reforma Trabalhista e a Lei do engessamento do Orçamento Nacional por 20 anos;
4. Recuperação da Educação pública, gratuita e universal em todos os níveis e a garantia da continuidade da pesquisa nacional autônoma;
5. Demarcação dos territórios indígenas, das terras quilombolas, das terras dos povos originários, sobretudo na Amazônia;
6. Reforma Agrária com apoio creditício e técnico à agricultura familiar, à agroecologia e à agricultura orgânica; retomada do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos pelo governo federal e instituições públicas de ensino; a redução do uso de agrotóxicos;
7. Combate à impunidade e ao feminicídio, com garantia da vida de mulheres ameaçadas;
8. Garantia de liberdade de culto para todas as expressões religiosas sem interferência do Estado;
9. Garantia plena do direito de opinião, de exercício do pensamento crítico e do debate público nas escolas em todos os níveis;
10. Resgate da ética na política com participação popular, garantia plena do voto popular e do direito às candidaturas de todas as pessoas;
11. Resgate do direito pleno à presunção de inocência, cf. o artigo 5º da CF 1988;
12. Resgate da dignidade de isenção do Poder Judiciário;
13. Democratização das mídias abertas e controle dos monopólios da informação;
14. Defesa irrestrita da vida das pessoas, do meio ambiente e resgate do instituto da precaução, sobretudo na agricultura de exportação e da monocultura;
15. Promoção da dignidade de todas as pessoas e dos direitos humanos conforme os Planos Nacionais de Direitos Humanos.
No momento em que o pais vive talvez sua mais grave crise social, política, econômica, ambiental e moral, a SOTER, seus membros e participantes deste Congresso Internacional conclamam publicamente o povo, as instituições científicas, as comunidades de fé, os movimentos sociais, as igrejas, os sindicatos, as entidades civis, as associações e as cooperativas a levantarem sua voz em defesa dos direitos e garantias fundamentais, e a buscar com organização e criatividade caminhos para o resgate da Democracia participativa e transformadora, única forma de evitar o caos social, o abuso do poder estabelecido e a violência sem tréguas.
Inspirados pelo Espírito da Vida que sopra dos quatro ventos da terra, afirmamos nossa esperança de novos céus e nova terra, com cidadania, justiça e paz.
Belo Horizonte, 13 de julho de 2018.
A Diretoria
Cesar Kuzma – Presidente da SOTER
Maria Clara L. Bingemer
Paulo Fernando C. de Andrade
Solange Maria do Carmo
Alex Villas Boas Mariano
Participantes do 31º Congresso Internacional da SOTER 2018
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O quadro dramático do Brasil é denunciado pela Sociedade de Teologia e Ciências da Religião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU