Por: Lucas Schardong | 29 Março 2018
Às vésperas do Dia Internacional da Checagem de Fatos (2 de abril), especialistas ouvidos pela Beta Redação ensinam como identificar boatos e “fake news”
Desconfie! Em uma sociedade em que as fontes de conhecimento podem ser alcançadas com o simples clique de um mouse ou o apertar de uma tela de smartphone, a propagação de informações falsas vem crescendo com uma frequência cada vez mais alarmante. As ditas fake news voltaram a ganhar os holofotes com a onda de mentiras espalhadas sobre a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro na noite de 14 de março, e já causam preocupação sobre como impactar nas eleições de 2018.
A reportagem é de Lucas Schardong, publicada por Beta Redação, 27-03-2018.
Mas, como advertido no início deste texto, é preciso se preocupar com a veracidade do que está sendo compartilhado em todos os assuntos, pois a desinformação pode aparecer até em casos que desafiam conclusões científicas consolidadas há anos ou mesmo séculos, como a volta da crença de que a “Terra é plana” e a negação de que o vírus HIV é causador da AIDS — algo que impactou diretamente a política de prevenção da doença na África do Sul, por exemplo. Além disso, as notícias falsas podem afetar diretamente a vida de pessoas, como ocorreu no Caso Escola Base, que destruiu a reputação dos envolvidos em um escândalo sexual inexistente, em 1994.
A tônica da desconfiança é algo em comum entre aqueles que fazem da checagem de fatos o seu trabalho e motivação. Isso aconteceu com Gilmar Lopes, que há quase 16 anos decidiu se tornar um seguidor desse mantra e, a partir das pesquisas que realizava na internet, criou o site E-Farsas.
Entusiasta da internet desde 1999, ele conta que sempre repassava as correntes que, na época, chegavam por e-mail, mas um dia decidiu averiguar a procedência da história. “Recebi um pedido de ajuda de uma menina que estava com câncer e, para cada e-mail repassado, ela iria ganhar US$ 0,05 de duas empresas para ajudar em seu tratamento. Ao invés de repassar essa corrente adiante, resolvi pesquisar e descobri que a história era falsa”, revela.
Site E-Farsas abordou as fake news sobre Marielle Franco (Reprodução: E-Farsas)
Depois de avisar aos amigos, Gilmar começou a receber pedidos para checar as correntes e histórias que se espalhavam pela internet. Ele juntou diversos casos e criou um site para desmentir as informações falsas. “A ideia do site sempre foi a de usar a própria internet como ferramenta para desmentir ou confirmar as histórias que circulam por ela”, conta. O criador do E-Farsas também recorre a livros e especialistas quando julga necessário, mas prefere manter suas pesquisas pela web para provar que qualquer pessoa pode checar as informações antes de compartilhar.
Criado no dia 1º de abril de 2002, mundialmente conhecido como “Dia da Mentira”, o E-Farsas já acompanhou e desvendou centenas de boatos criados na internet. Para identificar uma fake news, Gilmar começa procurando notícias relacionadas às pessoas envolvidas no caso. Ele faz a checagem de sites onde eles aparecem, filtrando portais com credibilidade daqueles que são conhecidos por espalhar boatos. A partir dessa busca primária ele cruza informações de vários outros sites para determinar se é verdade ou não.
O criador do site cita o caso da morte de Fabiane Maria como um dos piores que acompanhou, quando ela foi morta ao ser confundida como uma bruxa em Guarujá, São Paulo. Na ocasião, uma página de Facebook, gerenciada por moradores do bairro, espalhou um retrato falado de uma mulher que supostamente estaria praticando rituais de magia com crianças. As pessoas confundiram essa mulher com Fabiane e a lincharam na rua até sua morte.
Atualmente Gilmar também apresenta o quadro “Verdadeiro ou Farsa?” na Rádio Bandeirantes, onde responde às dúvidas dos ouvintes a respeito de alguma história que circulou na web durante a semana anterior. Ele também alerta para as pessoas ficarem atentas sobre como descobrir uma fake news e “desconfiarem de tudo, até mesmo do próprio E-Farsas”, brinca.
“Um bom boato digital cita nomes de pessoas ou de instituições para conseguir mais credibilidade. Quem inventa uma fake news usa nomes de pessoas inexistentes com cargos de nomes pomposos e/ou de instituições que não existem”, revela Gilmar.
Pensando na importância da checagem de informações, uma instituição especializada em jornalismo, o Poynter Institute, com sede na Flórida, criou uma unidade chamada International Fact-Checking Network — IFCN (Rede Internacional de Checagem de Fatos). O objetivo é reunir as agências e profissionais da checagem de fatos de todo o planeta para debater o assunto e trocar experiências.
Composta por 52 organizações de todo o mundo, todas signatárias do Código de Princípios da Rede, é uma série de padrões de transparência para as organizações contribuírem com um ambiente transparente para a mídia. No Brasil temos a Agência Lupa, a Aos Fatos e a Truco, da Agência Pública, como participantes da International Fact-Checking Network.
Conforme a jornalista e gerente de projetos da IFCN, Dulce Ramos, a Rede tem como missão treinar, informar e advogar pela checagem de fatos. Ela acredita que a imprensa tem papel fundamental na luta contra as fake news. Para ela, se os jornalistas esquecerem de trabalhar com o contraponto e apenas reproduzirem as falas de políticos, por exemplo, a confiança na mídia começará a se corroer. “Se adicionarmos isso em um ambiente de desinformação e conteúdos enganosos que são rapidamente difundidos, é fácil cair no caos em que as audiências não reconhecem mais o que é verdade e o que é mentira e em quais fontes podem confiar ou não”, explica.
Ela ressalta que, para os profissionais da comunicação, é preciso realizar a verificação e a checagem dos fatos com precisão. “É fundamental, não apenas para elevar a qualidade do discurso público e evitar que políticos e entidades públicas compartilhem informações que não estejam alinhadas com a realidade, mas também para que as audiências tenham confiança no trabalho dos jornalistas”, explica.
Para espalhar o conceito e alertar a população da relevância da checagem de fatos e do combate às fake news, a International Fact-Checking Network promoveu pela primeira vez, em 2017, o “Dia Internacional da Checagem de Fatos”. A data foi comemorada no dia 2 de abril, para entrar em contrapartida ao dia da mentira. Para este ano, a IFCN planejou um site próprio para a celebração, que terá plano de ensino para professores do mundo todo, quiz com notícias falsas, curso online para estudantes e uma história em quadrinhos sobre como identificar conteúdo falso na web.
As principais dicas que Dulce dá para não cair em fake news é ter cuidado com impostores, pois algumas vezes o conteúdo enganoso é distribuído por páginas que possuem endereços de sites parecidos com os portais originais. Ela também alerta para checar as fontes e os links dos artigos que as pessoas estão lendo, além de observar a linguagem usada (excesso de adjetivos, por exemplo, indica menor credibilidade).
No Rio Grande do Sul a especialização em checagem de fatos ainda está em processo de construção. Desde 2016, o criador da ONG de jornalismo e direitos humanos Pensamento.org, Tiago Lobo, queria ter um braço para averiguação de informações falsas dentro do seu site. Quando ele conheceu a jornalista e doutoranda em Comunicação na UFRGS Taís Seibt e descobriu que ela tinha o desejo de transformar o objeto de pesquisa dela em algo prático, eles deram vida ao Filtro, o primeiro projeto exclusivo de checagens do Rio Grande do Sul.
Ainda em processo de busca de financiamento coletivo através do Catarse, o projeto irá monitorar as declarações dos candidatos ao governo do Rio Grande do Sul durante a campanha eleitoral. De acordo com Taís, agora editora do Filtro, eles verificarão as fontes que podem ou não dar veracidade ao que dizem os candidatos em suas campanhas. O objetivo é fazer com que os eleitores tenham mais clareza e confiança na hora de votar.
Equipe do Filtro Fact-Checking prevê o início das suas atividades para as eleições de 2018 (Foto: Divulgação/Filtro)
“Nosso trabalho é baseado em estatísticas, documentos, enfim, ‘provas’ que permitam identificar a confiabilidade de fatos e dados dessas declarações, assim como de conteúdos de posts de Facebook e correntes de WhatsApp que possam influenciar o debate público nesse período”, explica Taís.
Perguntada sobre o constante compartilhamento de notícias falsas, mesmo com o acesso à informação facilitado, Taís explica que, conforme pesquisas recentes, esse fenômeno se deve ao apelo emocional das fake news. “Quando a pessoa depara com um conteúdo que lhe provoca surpresa, revolta, raiva ou que confirma uma convicção, isso diminui a capacidade de crítica. Até porque, especialmente em se tratando de redes sociais, o tempo de fruição das informações é curto”, acrescenta. A editora do site Filtro também cita o caso de Marielle para ressaltar a importância da checagem.
“Uma desembargadora e um deputado propagaram informações sem fundamentação, o que mostra como o ambiente midiático contemporâneo está contaminado por informações falsas ou distorcidas a tal ponto de até mesmo pessoas consideradas ‘formadoras de opinião’ ajudarem a disseminar mentiras.”
Taís afirma que um dos meios que utiliza para se imunizar das fakes news é o pensar antes de compartilhar alguma notícia. Ela acredita que fazer o auto-questionamento de perguntas como “De onde vem essa informação? Por que esta pessoa ou página teria esta informação? Mais gente está falando sobre isso?”, entre outras, ajudaria a evitar que as pessoas compartilhassem informações falsas.
“Grande parte das notícias fabricadas pode ser desmascarada se tentarmos responder perguntas como essas”, revela. Ela também afirma que pesquisar o assunto em outras fontes, principalmente veículos consolidados ou plataformas de checagem de fatos, colabora para evitar a disseminação de fake news.
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