18 Novembro 2016
"É bem verdade que as novas tecnologias da informação têm poder de disseminação muito diferente de tudo o que conhecíamos antes. Mas, antes de cunhar com tanta certeza a verdade sobre a “pós-verdade”, é preciso olhar para os fatos com calma. Senão, corremos o risco de nos deixar levar pelas emoções e deixar de lado o que está mostrando a realidade objetiva – e o passado".
A advertência é de Diogo Antonio Rodriguez, jornalista e editor do meexplica.com, em coluna publicada por Motherboard, 17-11-2016.
Eis o artigo.
No último dia 15, o Dicionário Oxford, um dos mais respeitados do idioma inglês, anunciou que sua palavra do ano de 2016 é “pós-verdade”. Desde 2004, a publicação escolhe uma expressão ou palavra que tenha “chamado muito a atenção nos últimos 12 meses” e concede o título. Segundo a editora, embora a expressão eleita este ano não seja nova, ela ganhou notoriedade recentemente. O uso de “pós-verdade” aumentou 2.000% entre 2015 e 2016. Dois dos grandes responsáveis foram, segundo a Oxford, as eleições americanas e o referendo do Brexit. Mas o que raios esta expressão quer dizer? E o que ela tem a ver com o famigerado ano de 2016?
Não dá para dizer que existe um consenso sobre seu significado, mas, em geral, usa-se a expressão para sugerir que as pessoas estão tomando decisões com base mais em suas emoções e visões de mundo do que olhando para os fatos. O Oxford diz: “é um adjetivo definido como ‘relativo ou que denota circunstâncias nas quais fatos objetivos são menos influentes em influenciar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais’”.
E o que Donald Trump e Brexit têm a ver com isso? Bom, está se tornando um chavão dizer que ambos os episódios só aconteceram porque hoje se faz “política da pós-verdade”. Estaríamos vivendo num mundo onde não é necessário fazer campanhas baseadas em dados, números, propostas e coisas concretas de maneira geral. Basta apertar os botões certos e emocionar (ou criar ódio) nos eleitores. A eleição de Trump seria um exemplo, já que o republicano usou dados falsos para fazer afirmações ou exagerou problemas que existem de fato. O mesmo mecanismo teria sido usado pelos partidários da saída do Reino Unido da União Europeia.
Se você está pensando que isso sempre aconteceu em campanhas políticas, bem, você não está sozinho. Mas muita gente defende que este é um fenômeno novo e com alcance inédito na história. Por exemplo, Donald Trump demorou anos para admitir que o presidente Barack Obama é, de fato, cidadão americano. Uma teoria conspiratória popular nas redes da direita norte-americana diz que Obama teria nascido no Quênia, terra natal de seu pai, o que o tornaria inabilitado para ser comandante-chefe. Trump cavalgou nesta história o quanto pôde, usando a raiva de uma parte do eleitorado para arregimentar apoio. Trata-se de apenas um exemplo. Há uma extensa lista de mentiras que o milionário contou e usou como propaganda política e subsídios para debates. Mesmo assim, Trump conseguiu ser eleito.
Uma das principais novidades nesta história seriam as redes sociais e a famigerada crise do jornalismo. Os veículos tradicionais perderam leitores, poder, credibilidade e espaço; canais no Facebook, Twitter e etc. preencheram o vácuo com conteúdos cujo único objetivo seria o de confirmar as crenças das pessoas de ambos os lados. Outro responsável pela “pós-verdade” seria a tal “bolha”, que permite que uma falsidade circule por um determinado grupo sem nunca ser questionada.
Houve outros momentos, porém, em que as pessoas foram levadas a acreditar em coisas que não eram verdade. Na Alemanha nazista, por exemplo, a eugenia era tratada como verdade científica apesar de não se basear em dados, apenas em preconceitos, racismo e antissemitismo. A caça às bruxas nos Estados Unidos dos anos 50, marcado pelo macartismo, mandou muito inocentes para a prisão sob a acusação de serem “espiões comunistas”. O comunismo é, aliás, é até hoje um bicho-papão universal, que serve para acusar qualquer política minimamente progressista de ser stalinista e totalitária.
Mas será que a “pós-verdade” existe? A “pós-verdade” é verdade? Não há dúvida de que a expressão está na moda (e no dicionário). Mas, como todo modismo, pode ser coisa passageira. É bem verdade que as novas tecnologias da informação têm poder de disseminação muito diferente de tudo o que conhecíamos antes. Mas, antes de cunhar com tanta certeza a verdade sobre a “pós-verdade”, é preciso olhar para os fatos com calma. Senão, corremos o risco de nos deixar levar pelas emoções e deixar de lado o que está mostrando a realidade objetiva – e o passado.
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O que é a tal 'pós-verdade'? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU