27 Março 2018
Apesar de muita gente considerar que o Natal seria o momento culminante do cristianismo, na verdade é a Semana Santa o auge deste caminho de seguimento do Mestre. Nela, está condensado todo o mistério sobre quem somos, a entrega de nosso Mestre aos pobres e a um Reino de Justiça e Paz. Os franciscanos que, na prática, assumiram nos últimos tempos a liderança espiritual da Igreja Católica no Brasil, prepararam um roteiro para meditar, rezar, pensar a Semana e a Páscoa: cada um(a) de nós diante das interrogações, angústias, alegrias e convocações que a vida nos apresenta. Nos textos, um questionamento aos que fazem do cristianismo terreno para o ódio, a exclusão e recompensa às “pessoas de bem”.
A reportagem é de Mauro Lopes, publicada no blog Caminha Pra Casa, 24-03-2018.
Eis o artigo.
Os franciscanos brasileiros assumiram corajosamente a liderança espiritual da Igreja no Brasil, assumindo o convite de um Francisco que se fez Papa, de uma “Igreja em saída”, como um “hospital de campanha” em vez de fortaleza inexpugnável, abrigo dos mais fracos e oprimidos e não mansão dos ricos e poderosos. Tornam-se, neste momento, herdeiros no Brasil da tradição da teologia latino-americana, sucessores dos profetas que marcaram a Igreja brasileira, como dom Paulo Evaristo Arns (ele mesmo um franciscano), dom Hélder Câmara, dom Luciano Mendes de Almeida (jesuíta como o papa), irmã Dorothy Stang, Margarida Maria Alves e tanta gente mais. Eles estão divididos em vários ramos e comunidade, organizados na Conferência da Família Franciscana do Brasil. Um destes segmentos preparou um roteiro de oração/meditação para a Semana Santa e a Páscoa, a Província Franciscana da Imaculada Conceição, que reúne em torno de si centenas de homens e mulheres, ordenados ou leigos (e leigas), nos Estados de São Paulo, Rio, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina.
É um conjunto de textos valiosos, que ajudam a mergulhar no mistério, e está aberto a todas as pessoas, católicos e católicas, cristãos de outras denominações, pessoas das religiões de matriz afro-brasileira, espíritas, budistas, hinduístas, ateus, quem quiser.
No texto preparado por frei Gustavo Medella, um dos líderes da Província, para este Domingo de Ramos (25), que abre a Semana (leia a íntegra abaixo), ele “costura” reflexões sobre o sentido esvaziado dos gritos de “Hosana” e “Crucifica-o!” que a assembleia proclama na celebração da Paixão de Cristo.
Na primeira reflexão sobre o grito “Hosana”, Medella escreve: “Gritar ‘Hosana’ hoje significa: 1) Considerar Deus como promotor do luxo e do sucesso daqueles que nele confiam e que investem recursos materiais para recebê-los de volta multiplicados em forma de bênçãos. É o discurso da chamada Teologia da Prosperidade. Reduzir o Criador a mero “banqueiro” que honra os valores colocados sob seus cuidados é uma caricatura capitalista apresentada por quem se utiliza do nome de Deus para garantir lucro financeiro.
Na primeira reflexão sobre o grito “Crucifica-o”, Medella indica: “Gritar ‘Crucifica-o’ hoje significa: 1) Assumir em nome da religião um discurso de ódio, injustiça, violência e exclusão.”
Eis o roteiro preparado pelos franciscanos:
I – “Semana Santa, o ponto central da vida cristã”, de Frei Gustavo Medella
II – Via Sacra Franciscana (Devocionário)
III – Liturgia para o Domingo de Ramos
IV – Liturgia para a Quinta-feira Santa
V – Liturgia para a Sexta-feira Santa
VI – Liturgia para a Vigília Pascal
VII – Liturgia para o Domingo de Páscoa
VIII – OFÍCIO DA PAIXÃO DE NOSSO SENHOR – ESCRITOS DE SÃO FRANCISCO
IX – ” VIVER O ANO LITÚRGICO”, textos de Frei Alberto Beckhäuser
2. Celebração Popular da Semana Santa
3. Domingos de Ramos e da Paixão do Senhor
4. Quinta-feira Santa – Celebração Profética da Páscoa
5. Sexta-feira Santa – Celebração da Paixão do Senhor
6. A Páscoa de Cristo e dos Cristãos
8. Páscoa – Os Sacramentos Pascais
Leia a seguir a íntegra de frei Medella (aqui no site dos franciscanos), voltado para este Domingo de Ramos, cuja Liturgia da Palavra apresenta uma antecipação da paixão de Jesus Cristo, da prisão à morte:
Seguir o Mestre entre “hosanas” e condenações
Domingo de Ramos. Domingo dos extremos. Num primeiro momento, a euforia daqueles que desejar ditar os Caminhos de Deus, colocando-se arrogantemente como “senhores do Senhor”. Sonhavam com um Messias que viesse com força e poder. Ao verem-se frustrados em suas expectativas, mudam de atitude e passam a vociferar com ódio mortal contra Jesus: “Crucifica-o”.
Para iluminar o percurso que iniciamos neste Domingo de Ramos, cinco atitudes que atualizam as duas posturas: os gritos de “Hosana” que expressam uma euforia sem fundamento, e os gritos de “Crucifica-o” que manifestam a frustração de quem não assimilou a proposta de Jesus:
Gritar “Hosana” hoje significa:
1) Considerar Deus como promotor do luxo e do sucesso daqueles que nele confiam e que investem recursos materiais para recebê-los de volta multiplicados em forma de bençãos. É o discurso da chamada Teologia da Prosperidade. Reduzir o Criador a mero “banqueiro” que honra os valores colocados sob seus cuidados é uma caricatura capitalista apresentada por quem se utiliza do nome de Deus para garantir lucro financeiro.
2) Apostar num contexto de cristandade, numa religião que se mostra poderosa e imponente. Atuar como fiscal da fé, reduzindo a vivência profunda do mistério a uma dimensão desencarnada, que assume o culto a partir do ritualismo e a tradição, pautada num dogmatismo distante da realidade e num moralismo dualista, que promove a acepção entre bons e maus.
3) Considerar-se merecedor e proprietário da salvação que Deus oferece de maneira gratuita e indistinta a todos.
4) Investir num espiritualismo individualista e desencarnado, mostrando total indiferença no que diz respeito ao compromisso cristão de transformar concretamente a realidade.
5) Assumir um trabalho na comunidade com espírito de posse e exercício de poder. Abandonar a dimensão do serviço que é a base do seguimento de Cristo.
Gritar “Crucifica-o” hoje significa:
1) Assumir em nome da religião um discurso de ódio, injustiça, violência e exclusão.
2) Desprezar os pobres e necessitados, rotulando-os de maneira cruel e antifraterna.
3) Pensar apenas nos próprios interesses e colocar todo empenho unicamente na aquisição e acumulação de bens materiais.
4) Colocar-se de forma insensível e descomprometida diante do drama daqueles que sofrem.
5) Omitir-se diante das injustiças por conveniência ou comodismo.
Diante de gritos que podem nos confundir, o melhor é fixar os olhos e os ouvidos em Jesus e seguir o Mestre com coragem, assumindo em seu nome os sofrimentos inerentes à missão. Com Cristo, mais uma vez, renovemos nossa disposição para o serviço do lava-pés, nossa generosidade para a entrega na cruz e nossa união para, juntos, revivermos a esperança da Ressurreição.
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Um convite: Semana Santa e Páscoa com os franciscanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU