03 Outubro 2017
"Você não me entende". O casal, no restaurante, está sentado atrás da gente, a voz é bastante aguda, e é impossível não ouvir, mesmo sem querer. A resposta é imediata: "Você é que nunca me entendeu...”. Em ambas as frases, a voz é impregnada de amargura e ressentimento, fundida com uma mistura de presunçosa satisfação. Cada um deles está ferido, mas sente-se ainda mais gratificado por ser e se sentir incompreendido. Não só porque sofrer ou considerar que se sofreu uma injustiça garante uma posição de vantagem frente o adversário, mas também porque permite colocar-se do lado da acusação e não do acusado.
O artigo é de Claudio Magris, escritor italiano, ex-senador da Itália, ex-professor das universidade de Turim e de Trieste, e prêmio Príncipe de Astúrias de Letras de 2004. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 30-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ao ouvido do inoportuno embora involuntário ouvinte chega, no zumbido de ambas as vozes, o eco de um ácido prazer, a abusiva convicção e ostentação de se sentir vítima, uma alma sensível e, portanto, mais fraca, ferida por uma mais forte e, consequentemente, prepotente.
Uma pequena cena do grande teatro do mundo que espetaculariza a conspiração dos falsos, embora sinceros e convictos, fracos para se impor aos fortes ou a quem tenta agir como tal, suando sob o esforço de viver, mas sem mostrar o suor para ganhar a comiseração e o aplauso do público – na família, no trabalho, na surda guerra diária de todos contra todos. A fraqueza alardeada se torna uma arma, um movimento para jogar o peso da vida sobre quem não se queixa e talvez por isso seja considerado menos sensível, justamente destinado a suportar a carga sem nem mesmo receber a gratidão.
A conspiração dos fracos, dizia Nietzsche, que não ignorava certamente a violência que recai sobre os verdadeiros indefesos, o cruel "impulso aniquilador" da História, como ele o chamava, ou mesmo aquele do cocheiro que chicoteia impiedosamente seu cavalo exausto, como naquela rua de Turim, onde a visão de tamanha crueldade e sofrimento o arrastou para um colapso nervoso, que também era um rasgar-se do seu coração. Por conspiração dos fracos, ele entendia talvez a ostentação, a ideologia, a exploração da própria fraqueza que se torna o centro do mundo exigindo que o façam também os outros, talvez não menos sofredores e abusados.
Existem, ao contrário, muitas pessoas que declaram ser demasiado sensíveis para suportar a visão da dor e, dizia Bernanos, esmagam um pequeno animal doente para não vê-lo sofrer. O fraco vive sua própria fraqueza como a única ou a mais importante, e gostaria que assim o pensassem também os outros, sobre os quais não liga a mínima. Os dois, atrás da gente, deixaram a mesa e já estão bem longe; escutam-se as suas vozes, mas não as suas palavras. O tom daquelas vozes sugere que cada um dos dois está apresentando a conta para o outro, sem que a ele ou a ela passe pela cabeça pagar, pelo menos, por sua própria parte.
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A conspiração dos fracos: uma armadilha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU