29 Fevereiro 2012
Não podemos viver sem distinguir entre o que – ao menos para nós – é relativo e o que – ao menos para nós – é absoluto. Todo pensamento, religioso ou não, que pretenda se apropriar da verdade é uma retórica mentirosa que facilmente degenera em dogmatismo persecutório. Mas toda filosofia que renuncie a ser busca da verdade e do significado da vida se reduz a um mero protocolo de um balanço empresarial, talvez fraudulentamente falsificado.
A opinião é do escritor italiano Claudio Magris, ex-senador da Itália, ex-professor das universidade de Turim e de Trieste, e prêmio Príncipe de Astúrias de Letras de 2004. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 23-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Um fantasma ronda a Europa. Não é, como escrevia Marx em 1848, o comunismo, que agora só alguns embusteiros tentam tirar do armário do passado e agitam como um bicho-papão para as crianças. Hoje, os fantasmas que pulam para fora das trevas, como no túnel do terror dos parques de diversões, para assustar os visitantes e gratificá-los com os calafrios do susto, são os inimigos do relativismo, todos aqueles que têm o descaramento de ainda usar a palavra "verdade". Relativismo, palavra maleável e adaptável a gosto como uma goma de mascar, parece ser o sinônimo de liberdade, tolerância, civilidade; um distintivo que todo bem pensante deve portar ao alcance dos olhos, para evitar equívocos.
No coro retórico e midiático, o relativismo – assim como os conceitos a ele contíguos ou opostos, como tolerância e verdade – é muitas vezes distorcido radicalmente no seu sentido mais alto e profundo. O relativismo, corretamente entendido, não é a negação da verdade, muito menos do significado e da necessidade da sua busca. Ele é um sal indispensável, não um petisco; é um corretivo irrenunciável na busca da verdade, que impede que nos acreditemos como possuidores definitivos dela, como alguém que chegou a um pleno e indiscutível conhecimento da verdade e autorizados a impô-la aos outros. Esse relativismo – dirigido a todos os dogmatismos, a todas as palavras de ordem e a todas as opiniões dominantes do momento, sobretudo às próprias convicções – é a base da tolerância e da liberdade.
Mas há um outro relativismo que hoje dita leis como um dogma vulgar, renunciando a priori a buscar – certamente às apalpadelas, porque, na existência humana, não é possível de outra forma – uma verdade qualquer; renunciando a afirmar qualquer valor, ponto todas as escolhas morais no mesmo plano, como em um menu em que cada um escolhe segundo os seus gostos e as reações das suas papilas gustativas.
Quem se recusa a considerar a ética como um supermercado é rotulado, com intolerância, como retrógrado e reacionário. Esse relativismo é o oposto daquela dúvida crítica reivindicada, no caderno Lettura do dia 5 de fevereiro, por Giulio Giorello como elemento constitutivo da liberdade e da busca.
É justo e necessário, ao invés, contestar o relativismo como um opcional universal aplicado às escolhas morais. Não é preciso pensar em Bento XVI, alvo obrigatório no estande de tiro ao alvo de tiro do Circo midiático. Foram alguns filósofos totalmente estranhos à Igreja e a toda igreja que desmascararam esse falso, papagaiesco e intolerante relativismo, verdadeiro lobo em pele de cordeiro; por exemplo (mas certamente não é o único) Tito Perlini, figura de destaque da esquerda minoritária e crítica italiana, uma das cabeças pensantes da nossa cultura que entendeu mais a fundo as transformações epocais das últimas décadas.
Todo pensamento, religioso ou não, que pretenda se apropriar da verdade assim como nos apropriamos de um objeto ou da fórmula de um experimento é uma retórica mentirosa que facilmente degenera em dogmatismo persecutório, como a Inquisição e todos os fundamentalismos de todos os tipos. Mas toda filosofia que renuncie a ser busca da verdade e do significado da vida se reduz a um mero protocolo de um balanço empresarial, talvez – em nome da rejeição da verdade – fraudulentamente falsificado.
Não podemos viver sem distinguir entre o que – ao menos para nós – é relativo e o que – ao menos para nós – é absoluto. Práticas religiosas, morais sexuais, hábitos dos mais variados tipos, tradições até profundamente experimentadas e enraizadas são relativos, e relativos são os deveres e as proibições que eles proclamam. Matar uma criança ou escravizá-la em um trabalho brutal, mandar os judeus para Auschwitz não são escolhas relativas, justificáveis ou não, dependendo do contexto social e cultural, mas são – ou ao menos devemos assim considerá-las – um mal absoluto. Provavelmente para a natureza, para a força de gravidade e para o movimento dos astros, os campos de concentração e os Gulag não contam mais do que a extinção dos dinossauros, mas, para nós, sim.
A crescente mistura de culturas, costumes, religiões e civilizações, com os seus valores diversos, deve nos induzir a fazer o máximo esforço possível para pôr em discussão a nós mesmos e os nossos valores, prontos para abandoná-los se outros se revelem mais críveis; prontos para considerar relativo o que estávamos acostumados a considerar e a sentir como imutável, justamente porque, como foi dito, sempre haverá, infelizmente, esquimós prontos para criticar os negros do Congo por andar por aí pouco vestidos.
Mas – afirma Todorov, outro pensador iluminista que não tem nada a dividir com as Igrejas – devemos estabelecer alguns, pouquíssimos, valores não mais discutíveis, por exemplo a igualdade de direitos e a igual dignidade de cada pessoa, independentemente da sua identidade política, étnica, religiosa, sexual. Esse valor, por exemplo, para nós, não é "relativo", vivemo-lo como uma verdade existencial e moral. Pouco importa se alguns o consideram dado por um Deus sobre uma montanha ou elaborado pela consciência humana como os dois postulados fundamentais da ética de Kant, não menos universais do que os dez mandamentos.
Sem essa consciência, o relativismo se degrada a indiferença e a arbitrariedade que, sob o pretexto de respeitar todas as opiniões, pode autorizar a barbárie mais atroz: eu penso que não é lícito exterminar os judeus, linchar os negros, pôr no manicômio os dissidentes políticos ou decapitar os homossexuais; você, ao contrário, pensa que sim; cada um tem direito à sua própria opinião, e todos somos pessoas respeitáveis. Mas é preciso dizer que quem pensa que é lícito traficar órgãos arrancados de crianças ou eliminar os deficientes não é uma pessoa respeitável; é um porco ou, na melhor das hipóteses, um imbecil condicionado por preconceitos sociais ou raciais forçados.
Todo verdadeiro liberal crê, criticamente e sem presunção, em um critério de verdade. Em um incisivo artigo no jornal Il Sole 24 Ore do dia 15 de janeiro, Massimo Teodori, polemizando com justiça contra tantas prepotências clericais, se refere em geral ao relativismo. Mas, quando cita, com um profundo consenso que eu compartilho plenamente, a proibição – vigente na Grã-Bretanha – da clonagem humana considerada como "eticamente inaceitável", ele proclama um valor que não considera relativo, como tantos outros.
Naturalmente, é difícil identificar os valores a serem julgados não mais negociáveis, mas é nesse caminho e nessa busca que se joga a mais alta aventura da consciência humana. O relativista, para quem tudo é intercambiável, ao contrário, é – escreve Perlini – intolerante a toda busca de verdade, na qual vê um perigo para a sua plana segurança, que ele se convence que é o exercício da razão, assim como troca a indiferença ética por democracia. Um liberal de 24 quilates como Dario Antiseri salientou como a autêntica fé, justamente afirma acreditar na verdade e não saber o que é a verdade, se oferece ao diálogo sem a pretensão de possuir a chave do absoluto.
A fé, além disso, ao contrário de tantas ideologias, ajuda a não elevar a absoluto qualquer realidade humana, histórica, social, política, religiosa, eclesiástica; pode ser uma defesa contra toda idolatria e, portanto, contra todo totalitarismo, que sempre se apresenta como um falso absoluto que exige obediência cega. Os fundamentalistas de todos os tipos – sobretudo, mas não apenas, os religiosos – também perseguiram sangrentamente essa liberdade e essa verdade. O bom relativismo impede que a busca da verdade se desnaturalize em tiranias espirituais e materiais.
O autêntico iluminismo, fundamento da nossa civilização, malvisto pelos fundamentalista clericais e anticlericais, é o expresso por um gênio da laicidade como Lessing, quando escrevia que não pretendia possuir a verdade, que só cabe a Deus, e reivindicava ao ser humano a busca da verdade – que jamais a alcança definitivamente, mas, mesmo assim, é sempre busca de verdade.
Certamente, a afirmação de uma verdade também pode ser instrumento da vontade de poder, como Nietzsche havia visto genialmente, e isso acontece quando se presume "ter" a verdade, como presumem os fundamentalistas de todos os tipos, triunfalmente beatos ou triunfalmente ateus, agressiva e pateticamente ímpares à vida. Não é possível ser fanáticos da verdade, que às vezes pode ser cruel e devastadora; às vezes pode ser humanamente necessário calá-la ou atenuá-la a quem pode ser dolorosamente ferido por ela, mas isso tem a ver com o amor ou ao menos com o respeito pelos outros, e não com a presunção relativista para a qual não existem o verdadeiro e o falso.
É justo criticar, por exemplo, a Igreja Católica por tantos "não" por ela pronunciados, como diz o livro de Sergio e Beda Romano, mas, em alguns casos, ensina Camus, é com um "não", com uma posição "contra" alguma coisa que começam a liberdade e a dignidade. Muitas pessoas boas estão convencidas, como eu ouvi uma vez uma senhora dizer no café, de que Einstein defendia que tudo é relativo...
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O relativismo teme a verdade? Artigo de Claudio Magris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU