18 Dezembro 2014
As guerras podem ou não ser feitas, como espera qualquer pessoa razoável. Mas não podem ser e não ser feitas ao mesmo tempo, provocando vítimas sempre trágicas e duplamente inúteis, porque não ajudam a resolver problema algum.
A opinião é do escritor italiano Claudio Magris, ex-senador da Itália, ex-professor das universidade de Turim e de Trieste, e prêmio Príncipe de Astúrias de Letras de 2004. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 17-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
É óbvio, é incontrolável, é necessário, é inútil mesmo que apaixonadamente sincero gritar todo o horror para essa inaudita bestialidade e toda a atônita compaixão pelas vítimas de tal barbárie desumana.
É mais difícil de responder à primeira pergunta de toda política, feita por muitos panfletos famosos, especialmente em uma situação anormal como esta: o que fazer? Não estamos na Terceira Guerra Mundial; esta terminou em 1989 ou em 1991, com a vitória do Ocidente sobre o mundo soviético e 45 milhões de mortes, que, para a nossa egoísta sorte, caíram em outras regiões da Terra.
Estamos em uma Quarta Guerra Mundial, em que, ao contrário das anteriores, nem sempre é bem claro quem é contra quem. Assad é um inimigo declarado quando exerce as suas repressões, mas é quase um aliado quando se pede a ele a autorização para deixar passar os aviões que se dirigem para (modestas) intervenções em outras regiões do Oriente Médio.
A guerra no Afeganistão está durando duas vezes e meia a Segunda Guerra Mundial e, evidentemente, ainda não foi vencida e não acabou, quando acontece o que aconteceu nessa terça-feira.
As guerras podem ou não ser feitas, como espera qualquer pessoa razoável. Mas não podem ser e não ser feitas ao mesmo tempo, provocando vítimas sempre trágicas e duplamente inúteis, porque não ajudam a resolver problema algum.
As guerras devem ser evitadas com todos os esforços, mas há situações em que, como disse Churchill depois da vil rendição ao nazismo em Munique em 1938, na escolha entre a desonra e a guerra, escolhe-se a desonra, sem por isso evitar pouco depois a guerra.
Hoje, hipocritamente, não se declara mais a guerra, nem mesmo quando ela é feita. Mas ou se vence ou se perde uma guerra; ela não pode ser, como é hoje, um incerto e interdito gotejamento de vidas humanas que não resolve nada e não elimina a tragédia do sofrimento e da morte.
O mundo é hoje um foco de guerras, de guerra. De quem contra quem? O progresso tecnológico permite hoje que um punhado de desesperados e bem preparados fanáticos coloquem as grandes potências em dificuldades, o que nunca aconteceu no passado.
As grandes potências – começando pela maior, pela grande potência por antonomásia, os Estados Unidos – parecem hesitantes, confusos. Não querem e talvez não podem mais exercer o papel, antes brutalmente rentável e agora ingrato, de guardiões do mundo, mas não sabem bem como renunciar a ele e nem mesmo se realmente o querem e, enquanto isso, se enredam em pântanos fatais.
A Quarta Guerra Mundial talvez seja a do Islã, ou de um certo Islã contra todos os outros? Não acredito, porque considero que o caos no mundo hoje é muito mais complexo, mas o pesadelo de tal confronto é inegável. João Paulo II tinha entendido isso genialmente, ele que se opôs à guerra contra o Iraque não por ingênuo pacifismo nem por bondade (a guerra na Iugoslávia não parece ter-lhe perturbado muito) nem certamente por simpatia por ferozes tiranos como Saddam Hussein, mas por uma extraordinária visão histórico-epocal, pela consciência de que o conflito com o mundo islâmico seria um prenúncio de mais conflitos e desequilíbrios sangrentos, e que a queda de abjetos regimes tirânicos não criaria democracias, mas outros totalitarismos, talvez mais perigosos, por serem atomizados e incontroláveis.
Uma guerra é vencida ou perdida, não pode ser prolongada em uma indefinida goteira de morte. Às vezes, vence-se dando ao adversário um bom golpe, mas que não o destrói, como a Prússia que, em 1870, derrotou a França tomando a Alsácia e a Lorena, mas sem pôr o país por terra.
Outras vezes, vence-se a guerra apenas aniquilando o inimigo, como a Alemanha nazista arrasada ao chão em 1945.
Com os talibãs ou com tantos outros de seus primos ferozmente rivais, mas também solidários, não parece possível – além de toda consideração humana e moral – nem uma nem outra solução. É como se a Quarta Guerra Mundial fosse realmente a última guerra, mas apenas porque parece que não vai acabar nunca.
E, enquanto isso, nessa cansada e febril violência perpétua, continuarão acontecendo inomináveis atrocidades como a de poucas horas atrás. É grotesco dizer, em alguns dias, "bom Natal".
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As atrocidades de uma guerra perpétua. Artigo de Claudio Magris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU