15 Setembro 2017
O Papa recebeu 114 bispos recém-nomeados: “Não se deixem aprisionar pela nostalgia de ter uma só resposta para todos os casos. Isto acalma o desejo de assistência, mas torna ‘áridas’ as vidas que necessitam da graça”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 14-09-2017. A tradução é do Cepat.
“Este é o Concílio Vaticano III?”. O Papa Francisco começou com uma brincadeira a audiência, na Sala Clementina, com os 114 bispos nomeados durante o último ano, que hoje encerram sua peregrinação em Roma. Em seguida, entre metáforas e citações (de São Paulo e de Doroteu de Gaza, de São Tomás de Aquino e de Santo Agostinho), recordou-lhes as “responsabilidades” que este ministério fundamental implica, colocando-lhes em atenção diante das tentações que afetam a “graça” de ser chamados por Deus para guiar um rebanho.
Antes de mais nada, a tentação da “imobilidade”, do “sempre se fez assim” e do “ganhemos tempo”. O “antídoto” a esta “rigidez” é um sadio discernimento, pessoal, espiritual, pastoral, porque ajuda a compreender que “as minhas soluções não são válidas em todas as partes” e que não há que “se resignar à repetição do passado”, mas, ao contrário, “ter a coragem de questionar se as propostas de ontem ainda são evangelicamente válidas”. “Não se deixem aprisionar pela nostalgia de poder ter uma só resposta a ser aplicada a todos os casos. Isto talvez acalmaria nosso desejo de auxílio, mas deixaria relegadas às margens e “áridas” as vidas que precisam ser regadas pela graça que guardamos”, advertiu Bergoglio.
Cada bispo, prosseguiu, deve “viver o próprio discernimento de pastor como membro do povo de Deus, em uma dinâmica sempre eclesial, a serviço da koinonia”. O bispo, de fato, “não é o ‘padre-padrão’”. E sua “missão” não consiste em “apresentar ideias e projetos próprios, nem soluções abstratamente pensadas por aqueles que consideram a Igreja um quintal de sua casa”, mas, ao contrário, oferecer “humildemente, sem protagonismos ou narcisismos”, o próprio testemunho concreto de “união com Deus, servindo o Evangelho que dever ser cultivado e ajudado para que cresça em uma situação específica”.
Por isso, Francisco recomendou uma “delicadeza especial com a cultura e a religiosidade do povo”, que “não são algo que é necessário tolerar, ou meros instrumentos a ser manipulados”, nem muito menos “uma ‘cinderela’ que sempre é preciso ser mantida escondida, pois é indigna de entrar no salão nobre dos concertos e das razões superiores da fé”. Ao contrário, é necessário cuidar delas e dialogar com elas, “pois além de constituírem um substrato que guarda a autocompreensão das pessoas, são um verdadeiro sujeito de evangelização, do qual o discernimento de vocês não pode abrir mão”.
Discernimento que, concretamente, se traduz em “humildade e obediência”. “Humildade em relação aos próprios projetos”, explicou Bergoglio; “obediência em relação ao Evangelho, critério último; ao Magistério, que o guarda; às normas da Igreja universal, que o servem; e à situação concreta das pessoas, para as quais não se quer nada mais que tirar do tesouro da Igreja o que for mais fecundo para o hoje de sua salvação”.
Nestes tempos, paradoxalmente marcados por um sentido de autorreferencialidade, que proclama encerrado o tempo dos mestres, o ser humano continua “na solidão”, “gritando a necessidade de ser ajudado para enfrentar as dramáticas questões que o assaltam, ser paternalmente guiado no percurso nada óbvio de seu desafio, ser iniciado no mistério da própria busca de vida e de felicidade”.
Contudo, “somente quem é guiado por Deus possui título e autoridade para ser proposto como guia para os outros”, afirmou o Pontífice. “Pode instruir e fazer crescer no discernimento somente quem tem confiança neste mestre interior que, com uma bússola, oferece os critérios para distinguir, para si e para os outros, os tempos de Deus e de sua graça”.
Por isso, o bispo “não pode dar por descontado a posse de um dom tão alto e transcendental, como se fosse um direito adquirido, sem cair em um ministério privado de fecundidade”. O primeiro passo é se apegar à oração, instaurar uma relação “íntima” com Deus: é necessário “implorá-lo constantemente”, disse o Papa, como “condição primeira para iluminar qualquer sabedoria humana, existencial, psicológica, sociológica, moral, da qual possamos nos servir na tarefa de discernir os caminhos de Deus para a salvação daqueles que nos foram encomendados”.
Francisco recordou também que “o discernimento” do bispo sempre é uma ação comunitária que não prescinde da riqueza da opinião de seus presbíteros e diáconos, do povo de Deus e de todos os que possam lhe oferecer uma contribuição útil, inclusive mediante contribuições concretas e não meramente formais”: Como dizia Doroteu de Gaza, “quando não se leva em conta o irmão e nos consideramos superiores, acabamos nos orgulhando, inclusive contra o próprio Deus”.
É por isso que é bom instaurar um “diálogo sereno”, sem o “medo de compartilhar e, às vezes modificar, o próprio discernimento com os demais”. Com os irmãos no episcopado, aos quais o bispo está unido “sacramentalmente”; com os próprios sacerdotes, dos quais “é o credor dessa unidade que não se impõe com a força, mas, ao contrário, que se tece com a paciência e a sabedoria de um artesão”; com os fiéis leigos, porque “eles conservam o “olfato” da verdadeira infalibilidade da fé que reside na Igreja”.
Este é o caminho que é necessário seguir, e a história demonstra isto mediante a experiência de grandes pastores que “souberam dialogar com tal depósito presente no coração e na consciência dos fiéis e que não raramente foram sustentados por eles”. Porque, sem esta troca, “a fé dos mais cultos pode degenerar em indiferença e a dos mais humildes em superstição”, advertiu o Papa.
Bergoglio convidou a todos a “cultivar uma atitude de escuta, crescendo, tenham a liberdade de renunciar ao próprio ponto de vista (quando se revela parcial e insuficiente), para assumir o de Deus”. E também a não “se deixar condicionar por olhos alheios”, mas, ao contrário, se comprometer “a conhecer com olhos próprios os lugares e as pessoas, a “tradição” espiritual e cultural da diocese que lhes encomendaram”.
“Recordem – disse o Papa Francisco – de que Deus já estava presente em suas dioceses quando vocês chegaram e permanecerá quando vocês se forem. E, ao final, todos seremos medidos não em relação à contabilidade de nossas obras, mas, sim, pelo crescimento da obra de Deus no coração do rebanho que guardamos em nome do “Pastor e guardião de nossas almas””.
O Pontífice concluiu exortando os bispos recém-nomeados a “crescer em um discernimento encarnado e includente”, porque “a atividade de discernir não está reservada aos sábios, aos perspicazes e aos perfeitos”, mas deve estar em diálogo “com o conhecimento dos fiéis”, pois “deve ser formada, e não substituída”, “em um processo de acompanhamento paciente e corajoso”. Transmitir a “verdade de Deus” aos fiéis não é proclamar obviedades, mas, sim, entrar “na experiência de Deus que salva, sustentando e guiando os passos possíveis que é necessário dar”, explicou o Papa.
O objetivo é fazer com que amadureça “a capacidade de cada um: fiéis, famílias, presbíteros, comunidades e sociedades”: todos são “chamados a progredir na liberdade de escolher e realizar o bem que Deus quer”, afirmou Bergoglio, em um processo “sempre aberto e necessário, que pode ser completado e enriquecido” e que “não se reduz à repetição de fórmulas”.
Mais uma vez, o Bispo de Roma pediu aos pastores que penetrem “nas dobradiças do real e a levar em conta suas tonalidades para fazer com que surja tudo o que Deus quer realizar em cada momento”. É necessário “se educar à paciência de Deus e a seus tempos, que nunca são os nossos”, recomendou. “A nós nos espera, cotidianamente, acolher de Deus a esperança que nos salva de qualquer abstração, porque nos permite descobrir a graça oculta no presente, sem perder de vista” seu “plano de amor”. Plano que é muito maior que nós.
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Evitar “uma só resposta para todos os casos”, pede Francisco aos bispos recém-nomeados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU