13 Agosto 2017
“Infelizmente, o uso pastoral que a Igreja fez (tantas vezes) da morte tem sido abusar do medo que todos temos de morrer para obter a submissão das pessoas à normativa moral e sacramental que a lei eclesiástica impõe aos fiéis. Não há necessidade de explicar isso. Todos nós sofremos e suportamos isso”, escreve José María Castillo, em artigo publicado por Religión Digital, 10-08-2017. A tradução é de André Langer.
Na primeira semana de agosto, aconteceu, na Itália, uma importante semana de estudos bíblicos sobre um tema que sempre tem a máxima atualidade e que, no entanto, nem sempre é analisado com o seu devido cuidado. Refiro-me ao tema da morte.
Não a morte dos outros, sobretudo se são vítimas da violência ou da injustiça. Neste caso, o problema da morte é analisado como um problema social, político ou jurídico, o que, sem dúvida, é uma das questões mais urgentes e mais graves que precisamos enfrentar neste momento. Este é um fato inquestionável.
Mas também é um fato que a morte pessoal – da qual ninguém escapa – é um tema que todos costumam enfrentar na sua intimidade secreta, mas no qual poucos pensam, compartilhando seu pensamento com outros, a não ser quando vão ao médico, para um problema sério, ou quando precisam ir a um velório para dar os pêsames pela morte de um parente ou de um amigo.
A semana a que me refiro – e da qual tive a sorte de participar – foi organizada pelo Centro de Estudos Bíblicos G. Vannucci, com sede em Montefano (Maccerata), não muito longe de Ancona. A semana contou com uma significativa participação, com pessoas vindas de toda a Itália, desde a Sicília até Trieste ou Gênova. Sinal indiscutível de que o problema da morte preocupa a todos. O que disse e o que diz a religião sobre este assunto?
O fundador e diretor do Centro de Estudos Bíblicos de Montefano, Alberto Maggi, esteve (pouco tempo atrás) às portas da morte durante meses. Nele, a vida foi (e é) mais forte que a morte. Fruto de sua experiência única é o belo livro L’ultima beatitudine. La morte come pienezza di vita (Garzanti, Milão).
A partir deste livro – com a valiosa ajuda do professor do Marianum, de Roma, o espanhol (de Granada), Ricardo Pérez Márquez, que tivemos a sorte de poder participar da semana de estudos e reflexões sobre a morte – pudemos pensar a fundo sobre o que foi e deve ser o fato de “ter que morrer”. E isso tanto na vida da Igreja como, sobretudo, na experiência de cada um dos fiéis na crença em Jesus, o Senhor.
Uma vez que eu estava entre os participantes, a amizade que me une aos professores da Semana Bíblica, Alberto e Ricardo, colocou-me na grata obrigação de expor (brevemente) aos ouvintes três temas relacionados à morte: o pecado original, o pecado pessoal e o inferno.
Infelizmente, o uso pastoral que a Igreja fez (tantas vezes) da morte tem sido abusar do medo que todos temos de morrer para obter a submissão das pessoas à normativa moral e sacramental que a lei eclesiástica impõe aos fiéis. Não há necessidade de explicar isso. Todos nós sofremos e suportamos isso.
Quando, na realidade, como bem disse Alberto Maggi, a morte é “a plenitude da vida”. Não é o final. Já temos a “vida eterna”, de que tanto fala o Novo Testamento, nesta vida, de acordo com a surpreendente e insistente afirmação do quarto Evangelho. A morte não pode ser o fim. É a última e a maior de todas as “bem-aventuranças” que a genial memória de Jesus nos deixou.
E vou resumir a minha modesta contribuição para a Semana:
1) “Pecado original”: não é nenhum pecado, e nem por semelhante pecado a morte entrou no mundo (Rm 5, 12). A religião não pode transformar um mito (Adão e Eva) em história e menos ainda em teologia.
2) “Pecado pessoal”: foi explicado como “culpa”, “mancha”, “ofensa” (Paul Ricoeur). Mas pode o ser humano, imanente, ofender o Transcendente? “Só se agirmos contra o nosso próprio bem” (Tomás de Aquino).
3) “Inferno”: não existe. Nem é definido como dogma de fé. Além disso, pode o absolutamente Bondoso ser, por sua vez, absolutamente castigador eternamente, ou seja, sem outra possível finalidade que fazer sofrer? Se cremos no Inferno, não podemos crer em Deus.
A morte dá a pensar. Para o crente, é uma fonte inesgotável de esperança e felicidade, já possuída e alcançada.
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“O uso pastoral que a Igreja fez da morte tem sido abusar do medo”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU