07 Julho 2017
“Mais do que com a religião, deveríamos nos preocupar com a saúde, a alimentação e as relações humanas”, escreve José María Castillo, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 06-07-2017. A tradução é de André Langer.
A teologia, que rege o pensamento da Igreja e orienta as decisões da Igreja, é mais importante que o Papa, os cardeais, os bispos, os clérigos, os teólogos, os fiéis, as leis, os ritos, os costumes e todo o resto que existe na Igreja.
A teologia, no final das contas, diz a todos nós o que Deus quer e o que Deus nos ordena. De forma que o Papa (seja quem for) diz e ordena o que a teologia lhe indica. Por isso a teologia é tão importante.
O problema está, segundo penso, em que, para um número significativo de cristãos, a teologia não importa nada. Nem, portanto, sabem muito de teologia. O que é compreensível. Porque a teologia, essa que se costuma ensinar (onde ela é ensinada), utiliza uma série de palavras, conceitos e critérios, inventados pelos gregos da Antiguidade, mas que, atualmente, a maioria das pessoas não sabe nem o que quer dizer esse vocabulário, nem para que serve.
O núcleo, o eixo, a chave da teologia cristã teria que ser não o pensamento dos sábios gregos da Antiguidade. Menos ainda os mitos religiosos anteriores ao judaísmo, que na Bíblia lemos como “Palavra de Deus”. A teologia cristã deveria ter como núcleo, eixo e chave o que é a origem e o princípio determinante do cristianismo: aquele humilde artesão galileu, que foi Jesus de Nazaré – sua forma de viver, o que fez, o que disse, o que lhe interessou e preocupou, o que viram nele as pessoas que o conheceram e a “memória perigosa” que aquele homem tão singular nos deixou.
Esta “memória perigosa” de Jesus ficou escrita no Evangelho, que foi resumida e reunida em quatro coleções de relatos, os quatro Evangelhos, ou seja, a “teologia narrativa”, resumo determinante de toda possível teologia que pretenda chamar-se “cristã”. O núcleo da teologia cristã não pode estar fora do Evangelho. Nem pode ser teologia cristã se não entranhar uma “memória perigosa”.
Pois bem, lendo e relendo a teologia narrativa que os Evangelhos nos apresentam, o que nesse conjunto de relatos fica imediatamente claro, é que as três grandes preocupações que ocuparam e monopolizaram a vida de Jesus, são:
1) a saúde dos seres humanos (relatos de curas, expressadas no “gênero literário” dos milagres);
2) a alimentação repartida (as refeições das quais tanto se fala nos Evangelhos);
3) as relações humanas (sermões e parábolas). A fé, a relação com o Pai, os sentimentos pessoais mais profundos..., tudo, na vida de Jesus gira em torno destas três preocupações.
E estas preocupações foram tão fortes que Jesus as colocou na frente das normas impostas pelos mestres da lei, das observâncias dos fariseus, da autoridade dos sumos sacerdotes... A tal ponto que isso lhe custou a vida. Jesus fez tudo isso porque alegava que quem via a ele via Deus (Jo 14, 7-9). Ou seja, identificou-se com Deus.
O núcleo central na vida de Jesus não foi a religião. Foi humanizar este mundo tão desumanizado. Não deveríamos ficar tão preocupados com o diálogo das religiões. Deveríamos nos preocupar com o que é preocupação de todos os seres humanos: a saúde, a alimentação partilhada, as melhores relações humanas. Os três pilares de toda possível religião. É o que centrou a vida de Jesus: humanizar esta vida. Nisso está o caminho da esperança que nos leva a Deus.
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“O núcleo central na vida de Jesus não foi a religião, mas a missão de humanizar este mundo”. Artigo de José María Castillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU