28 Março 2017
Embora o encontro sobre a Igreja africana, que aconteceu em Roma, de 22 a 25 de março, tenha contado com quatro cardeais e vários bispos, o principal alerta foi dado por uma leiga da Nigéria, que cobrou que os poderes não se acomodem e deixem os fiéis "perdidos na multidão" cada vez mais.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 26 -03-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Devido ao seu rápido crescimento, a Igreja na África tem sido considerada um futuro eixo do catolicismo. Estatísticas fenomenais que mostram a expansão no número de fiéis, vocações e igrejas deixam qualquer católico contente.
No entanto, uma leiga determinada do continente advertiu uma cúpula de líderes católicos em Roma que a Igreja não pode se satisfazer com conquistas do passado.
O encontro organizado pelo Centro de Cultura e Ética da Universidade de Notre Dame, que ocorreu de 22 a 25 de março, incluiu uma gama de palestrantes, como os cardeais nigerianos Francis Arinze e John Onayekan, o cardeal Laurent Monsengwo da República Democrática do Congo e o cardeal Peter Turkson de Gana, atual líder de um megadicastério do Vaticano.
Também contou com bispos, teólogos, professores, estudantes e vários leigos de norte a sul do continente.
Uma delas era Obiageli Nzenwa, uma leiga nigeriana que é consultora independente de recursos humanos em Abuja. Ela encorajou a Igreja a recuperar fiéis, especialmente a partir do desafio do pentecostalismo na África.
O objetivo, argumentou, deve ser não só manter o número de fiéis, mas resistir ao que ela descreveu como uma identidade confusa e uma forma passiva de viver a fé.
Com base na sua experiência, há semelhanças e diferenças entre os desafios enfrentados pela Igreja Católica na África e na Europa, e até mesmo na América do Norte. Talvez nada exemplifique isso melhor do que a reclamação de Nzenwa sobre o fato de que as paróquias na Nigéria atraem tantas pessoas e que elas muitas vezes "se perdem na multidão".
Como disse Onayekan durante sua apresentação na sexta-feira, o nigeriano prefere ser fuzilado a ser ignorado e, considerando o tamanho das paróquias, é fácil perceber por que isso acontece.
O Padre George Adimike, do sudeste da Nigéria, o coração do catolicismo no país, disse à Crux que em sua diocese a catedral celebra 13 missas em domingos comuns e cerca de 2.000 pessoas participam de cada uma delas.
Com 17 sacerdotes residentes para uma congregação de cerca de 26.000 pessoas, em média, por semana, a ideia de Nzenwa de não haver real sentido de comunidade e de que uma pessoa pode deixar a congregação sem ser notada parece plausível, pelo número expressivo em questão.
Como resposta, ela sugeriu maior incentivo a "grupos comunitários", começando com a missa, e incluindo o estudo da Bíblia, discussões de questões urgentes e encerramentos com alguns comes e bebes.
Em conversa com a Crux no sábado, Nzenwa disse que percebeu esta falta de "relações profundas e interpessoais na Igreja" como uma das razões pelas quais é tão tentador para muitos católicos procurar outras alternativas, frequentemente em igrejas pentecostais.
Apesar do fato de que muitos dos pesos pesados em influência católica no continente tenham participado como palestrantes ou ouvintes na conferência, foi Nzenwa que se encarregou de identificar as causas e propor soluções aos problemas que a Igreja vivencia na África.
Suas observações, disse Nzenwa, foram baseadas principalmente em conversas com pessoas que deixaram a Igreja nos últimos tempos e as razões encontradas por ela eram, em muitos aspectos, universais.
Ela falou sobre o sentimento de muitos jovens católicos de que a fé tenha sido “imposta” pelos pais, a rigidez da Igreja a respeito de questões morais, muitas vezes apresentadas como regras com pouca ou nenhuma explicação e nenhum caminho alternativo.
Nzenwa também abordou o estilo de adoração da Igreja, que por vezes pode ser muito rígido e não representar a felicidade dos povos africanos: "temos de dançar até mesmo nos cultos".
Tocando uma questão que surgiu várias vezes durante os Sínodos dos Bispos sobre a família, ela falou dos desafios dos casamentos inter-religiosos. Sendo alguém que se converteu depois de casar com um católico, ela tinha muito a compartilhar sobre o assunto.
Sem se deixar intimidar pela primeira fila cheia de cardeais e bispos, ela também falou sobre o dano que escândalos, particularmente escândalos sexuais envolvendo o clero, têm causado aos fiéis.
"Sem dúvida, somos ensinados que o impacto desses escândalos não pode tirar a santidade da Igreja, mas considerando que os fiéis veem Deus nas e através das ações dos sacerdotes e religiosos, esses escândalos certamente têm um efeito devastador sobre eles", disse ela.
Depois de listar as razões por trás do êxodo, ela também deu várias sugestões que ajudariam a evitá-lo, levando as pessoas à fé de forma plena.
Para começar, ela sugeriu que como as famílias têm de “lutar com o secularismo, o pentecostalismo, a pluralidade de religiões e doutrinas”, é crucial começar o ensino da fé desde cedo, com uma compreensão adequada.
Nzenwa também falou sobre a necessidade de "rever os métodos" de transmissão da fé à próxima geração, que deve "nascer da convicção nas revelações de Deus como prática e princípio".
Leigos e clérigos, argumentou, precisam criar novas formas de apresentar a fé que a tornem mais abrangente, com missas e programas para crianças, para que "a doutrina torne-se enraizada" e sua fé "seja fortalecida".
Além disso, os professores de catecismo devem ser devidamente treinados e deve haver fortes laços entre escola e Igreja para garantir que as crianças não deixem de ser "doutrinadas e fiquem confusas por qualquer doutrina pobre apresentada de maneira fácil".
Nzenwa também destacou a importância de reavivar o poder do púlpito e de que os padres estejam atentos à forma como a mensagem é transmitida: “Se a homilia é acadêmica demais, por exemplo, as pessoas ficam perdidas... se é trivial demais, vira uma bagunça".
Ainda, ela arrancou gargalhadas na sala quando, depois de dizer que as homilias de muitos sacerdotes são chatas, ela esclareceu que não era o caso dos presentes.
Além disso, Nzenwa disse que reconhecer o lado humano da Igreja em vez de "ficar em silêncio sobre o assunto e simplesmente transferir os padres envolvidos" ajudaria o processo de cicatrização dos católicos que já estão desapontados.
No entanto, acima de tudo, talvez seu conselho mais oportuno tenha sido para a Igreja africana, de norte a sul, não se satisfazer com o que já foi conquistado: poucas coisas são mais perigosas do que ficar acomodado, sugeriu.
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Leiga africana adverte hierarquia: 'Não se acomodem' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU