26 Janeiro 2017
No centro de Trappes, um subúrbio a oeste de Paris, um grupo de rapazes distribui panfletos que pedem aos moradores o voto em Benoît Hamon. Nem o nome nem o rosto são conhecidos fora daqui, mas isso pode começar a mudar.
"Votem neste homem e vocês verão a verdadeira França", diz um deles, antes de colocar um folheto na minha mão. Soa mais como uma ameaça do que uma promessa, mas esse feio subúrbio parisiense, objeto de investimentos de recuperação de vários bilhões de euros, é a terra natal de Hamon.
A reportagem é de Kim Willsher, publicada por The Observer e reproduzida por CartaCapital, 26-01-2017.
Um dos sete candidatos no primeiro turno da eleição primária do Partido Socialista para escolher um candidato presidencial no domingo 22, Hamon, 49 anos, era considerado um forasteiro até duas semanas atrás, mas rapidamente ganha terreno. Para alguns, ele é o Bernie Sanders ou o Jeremy Corbyn da França, embora uma versão bem mais jovem.
O programa anticapitalista de Hamon inclui um "salário universal" (uma forma de renda básica), trabalho compartilhado, o uso de referendos para decidir políticas e a legalização da maconha. Ele foi considerado utópico por críticos de centro, mas isso não o preocupa.
A líder da Frente Nacional da França, Marine Le Pen, tem aproveitado a insatisfação entre os eleitores da classe trabalhadora que se sentem abandonados pela esquerda e pela direita. Hamon, seu adversário na primária socialista, Arnaud Montebourg, 54 anos, e o candidato presidencial da extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon, 65, que se posiciona "fora do quadro dos partidos políticos", afirmam que o Partido Socialista abandonou a classe trabalhadora ao se deslocar para o centro.
Este é personificado por Manuel Valls, o ex-primeiro-ministro e outro candidato na primária, que certa vez teria sugerido tirar a palavra "socialista" do nome do partido.
Bem-vindos ao equivalente francês da batalha britânica pelo coração e a alma do Partido Trabalhista. "Os outros à esquerda são como Tony Blair, mas 20 anos depois", disse Ali Rabeh, assessor-chefe de Hamon e um vereador em Trappes. "Mas há um movimento popular internacional, com Jeremy Corbyn no Reino Unido e Bernie Sanders nos Estados Unidos, para quem procura uma esquerda popular que não seja centrista, mas ofereça algo radicalmente diferente”.
Rabeh continua: "Temíamos que esta eleição fosse sequestrada pela direita e por temas como a identidade nacional e discussões ridículas sobre coisas como o 'burquíni'. Sentíamos que era absolutamente importante não deixar isso acontecer."
Bruno Cautrès, da unidade de pesquisa política Cevipof, na universidade de elite Sciences Po, em Paris, disse: "François Hollande decepcionou muitos eleitores de esquerda. Hoje a esquerda está dividida entre os que querem continuar na mesma linha de François Hollande e Manuel Valls e os que dizem que foram eles que criaram a situação econômica na qual nos encontramos e temos de nos deslocar à esquerda”.
A equipe de Hamon afirma que enquanto os partidos políticos na centro-direita e na esquerda continuarem a apresentar as mesmas ideias, que nada fizeram para reduzir o desemprego e a pobreza na França, os eleitores continuarão a se voltar para a Frente Nacional. O programa de Hamon, afirmam eles, faz pensar fora da caixa.
Depois da "esquerda champanhe" e da "esquerda caviar", Hamon é a "esquerda realista", disse Rabeh. "'Utópico' são os eleitores acreditarem que ideias que se mostraram disfuncionais de algum modo começarão a funcionar. Hamon não tem uma solução milagrosa. Ele diz que não é simples, mas o que a esquerda e a direita têm feito não funcionou, então vamos tentar algo diferente, muito diferente. Propomos uma mudança radical."
Laurent Bouvet, professor na Universidade de Versailles, disse que embora a onda da nova esquerda seja diferente, é improvável que baste para afastar a classe trabalhadora de Le Pen. "Não estamos vendo votos significativos da classe trabalhadora na esquerda, nem mesmo em Mélenchon, que é o mais à esquerda. Essa categoria de eleitores ou se absterá ou votará principalmente em Marine Le Pen. Não há voto popular no Partido Socialista."
Bouvet descreveu o programa de Hamon como um pós-trabalho quase utópico, mas não totalmente, uma ideia de socialismo do século XIX. "Dito isso", acrescentou, "é possível que Hamon tenha uma boa votação. Ele pode até liderar a votação no primeiro turno, pois seus eleitores se mobilizarão. Tudo dependerá da participação. Se tivermos 2 milhões ou mais, Manuel Valls terá uma chance. Se tivermos menos de um milhão e meio, Hamon poderá vencer."
Em Trappes, o comerciante Karim Chrifi, 50 anos, que sempre viveu na cidade, acredita que Hamon é popular por ser considerado "um de nós". "Ele não é como os outros políticos. Ele dirige seu carro, estaciona, toma um café e fala com a gente. Ele toca nas verdadeiras questões que nos interessam: pobreza, trabalho, salários, crime... Se não fosse por Hamon e
Montebourg, em quem mais poderíamos votar? Marine Le Pen."
Seja qual for o resultado da votação, e as tentativas de Hamon, Montebourg e Mélenchon de empurrar o socialismo francês para fora do centro, a maioria acredita que o candidato do PS será derrotado na eleição presidencial na primavera. As apostas atuais são em uma disputa em segundo turno entre Le Pen e o candidato dos Republicanos, de direita, François Fillon.
"A situação é muito comparável àquela do Reino Unido", disse Cautrès. "O Partido Trabalhista poderia ter escolhido um candidato da corrente dominante, mais realista, mas escolheu Corbyn. Pode ser que o PS faça o mesmo. A ala mais à esquerda pode ganhar as primárias, mas não ganhará a presidencial. Isso parece impossível."
Em seu último comício, Hamon, uma figura pequena de terno e gravata, foi recebido como um astro do rock por quase 4 mil eleitores, na maioria jovens. Eles cantavam: "Benoît presidente".
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Benoît Hamon, o Bernie Sanders francês? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU