04 Janeiro 2017
“A crise de liberalismo, capitalismo e democracia é uma metacrise. Se as crises podem ser consideradas temporárias e contingentes, as metacrises correm o risco de serem definitivas e envolverem os princípios. Para sair delas é preciso repensar o sistema”, afirma John Milbank por ocasião do lançamento de seu livro escrito a quatro mãos com Adrian Pabst: The politics of virtue. Postliberalism and the human future (Rowman & Littlefield).
A entrevista é de Simone Paliaga, publicada por Avvenire, 17-12-2016. A tradução de Luisa Rabolini.
Milbank é um teólogo anglicano, docente na Universidade de Nottingham e fundador da Ortodoxia Radical. A partir da publicação de Theology and social theory, ele mostra o poder da reflexão teológica no pensamento do século XXI ultrapassando os modelos interpretativos desgastados e obsoletos.
Eis a entrevista.
Por que, professor, uma política da virtude pode representar uma saída para a metacrise do liberalismo, democracia e capitalismo?
Porque a política da virtude procura a concretização de uma vida realmente feliz.
Como alcançar isso?
É preciso classificar os bens porque nem todos os modos de existência têm valores iguais. As pessoas deveriam ser incentivadas para as atividades manuais, para a realização artística de produtos de qualidade, para postos de trabalho imbuídos de caridade recíproca, para a poesia em sentido lato, para a contemplação cósmica e religiosa e para o debate filosófico e a participação política. Temos que restabelecer a desconfiança em relação a tudo aquilo que está ligado ao dinheiro; a busca pelo dinheiro deveria estar sempre subordinada a alguma outra coisa.
Como conseguir isso?
Tudo isso deveria estar sustentado principalmente pelo hábito, mas também pela lei e política que premiassem as práticas virtuosas e realinhassem a virtude com o reconhecimento social e o sucesso, dentro do possível. Apenas quando uma sociedade estiver de acordo sobre determinados objetivos positivos e continuar a discutir a sua natureza, vai ser possível uma distribuição mais justa e igualitária.
Pode explicar melhor essa ideia?
Parece paradoxal, mas temos a necessidade de uma hierarquia de valores para garantir mais igualdade social e econômica. Estendendo esse paradoxo, precisamos reconhecer o papel dos autênticos aristocratas, daqueles que têm mais condições que outros de interligar talento e virtude, para custodiar e guiar a sociedade. Precisamos das melhores pessoas para oferecer propostas ao debate democrático, antes que seja sufocado por manipuladores e formadores de opinião. A recusa ao reconhecimento de qualquer elite alça ao poder uma superclasse desvirtuada e trash.
É nisso que consiste o chamado pós-liberalismo?
O pós-liberalismo promove a subsidiariede e a distribuição da soberania a níveis mais apropriados, seja dentro como além das fronteiras nacionais. Aos governantes deve ser confiado um papel a longo prazo de forma a entrelaçar o seu interesse com a sorte geral. Disso decorre a necessidade de certo corporativismo. Além das pessoas e do eleitorado serem representadas nas instituições políticas, deveria existir também uma representação das profissões, universidades, artes, religiões e assim por diante para prolongar a democracia participativa e não formal. A um maior papel político dos órgãos econômicos deveriam corresponder maiores responsabilidades sociais para sanear a separação entre política e economia, própria do liberalismo.
E em termos econômicos?
O pós-liberalismo comporta o nascimento de um novo mercado social não mais capitalista, no modelo da tradição da economia civil italiana.
O contrato deveria ser entabulado entre a doação e a propriedade mútua e compartilhada prevendo a participação de trabalhadores e consumidores ao lado dos acionistas. Todos têm uma vocação e, portanto, as qualificações para o ingresso no mundo do trabalho deveriam ser de natureza vocacional. É necessário que as empresas sejam regidas por lei para declarar seu fim social e para envolver trabalhadores e clientes na sua governança. A produção deveria concentrar-se num único lugar, para garantir a integridade das regiões e a qualidade da manufatura.
Qual a influência da Igreja para enfrentar essa situação?
O papel das Igrejas, apesar da atual crise, é crucial. O liberalismo ultrapassou os limites, violando a lei natural e as pessoas o rejeitam. Corre-se assim o risco de jogar fora o bebê junto com a água suja. A liberdade negativa e a liberdade formal são, contudo, indispensáveis, pois os seres humanos jamais alcançarão um acordo sobre todas as coisas. Existe também o risco de encher um vazio positivo com cultos niilistas de poder e de identidade étnica. A própria religião não pode ser degradada associando-a apenas com a identidade nacional ou a tradição, no sentido oposto ao que é de fato, tradição viva e mediação da verdade eterna.
Em certa época assumiu-se o risco de subordinar a política ao amor entre as pessoas e ao culto ao Deus de amor superando o culto da lei. Hoje, algo de pós-cristão celebra, ao contrário, o culto do poder e o culto pagão do estado. Agora assistimos a uma revolta característica contra os novos tribunos oligárquicos. Após a tirania das massas, para contrabalançar os interesses de cada pessoa com aquilo que é válido da liberdade republicana é necessária a ordem da cristandade. A Igreja deve ser o espaço onde a sociedade civil, a livre associação e a mutualidade reinem verdadeiramente soberanas, porque a Igreja é orientada ao transcendente e não ao controle político mundano ou à riqueza terrena. Portanto, o nosso débito com a Doutrina social da Igreja é imenso.
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O caminho da virtude para uma sociedade feliz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU