27 Outubro 2016
Diante de rumores sobre dificuldades financeiras da empresa, surge uma alternativa: assumi-la coletivamente, transformando-a em experiência inédita de grande rede social-cooperativa.
O artigo é de Rafael A. F. Zanatta, pesquisador em direito e sociedades digitais, mestre em direito e economia política pela International University College of Turin e mestre em sociologia jurídica pela Universidade de São Paulo, onde foi coordenador do "Núcleo de Direito, Internet e Sociedade", em artigo publicado por Outras Palavras, 25-10-2016.
Eis o artigo.
O Twitter é um fenômeno no Brasil e no mundo. Seu impacto na cultura digital é imensurável. O jornalismo, a política e o entretenimento foram profundamente transformados pela interação em tempo real e pela comunicação rápida e leve da microblogagem – frases curtas e impactantes, como gostaria Hemingway, em até 140 caracteres.
Alguns números mostram que o Twitter é um gigante. Nos últimos seis anos, o número de usuários ativos da plataforma saltou de 30 milhões para 300 milhões. Somente no Brasil, que possui uma base de usuários mundialmente conhecida por sua sede incansável de novos memes e zoeiras em tempo real, são 17 milhões de pessoas conectadas à plataforma.
Há rumores, no entanto, de que o Twitter está em crise.
Nos últimos meses, o noticiário financeiro de Wall Street passou a especular que as ações da empresa iriam despencar, pois não há mais um crescimento acelerado de sua base de usuários e tampouco formas de grandes lucros à vista, para além da propaganda direcionada e análise de dados. Os investidores e capitalistas de risco – incluindo nomes conhecidos como Fred Wilson, Marc Andreessen e Joi Ito – estão desapontados. Acionistas querem vender suas ações.
“O Twitter estaria à venda?”, cogitou a Business Insider. Novamente, iniciou-se o rumor de que a Google – mais precisamente a Alphabet – tomaria controle do Twitter por 50 bilhões de dólares. Outros cogitaram que Microsoft e Apple seriam os novos compradores, interessados nos metadados, conexões sociais e conteúdos produzidos pelas massas.
Qual seria o nosso papel, enquanto usuários do Twitter, nessa história? Simplesmente acompanhar um processo de transição do controle acionário da empresa? Assistir passivamente o modo como outros tubarões podem abocanhar a plataforma e o produto de nossas interações virtuais?
Exista uma alternativa ousada e pouco discutida na grande mídia.
E se o Twitter se tornasse uma empresa de gestão coletiva, na qual os próprios “trabalhadores digitais” assumem o controle? E se o Twitter se transformasse no primeiro grande caso de uma empresa de tecnologia da “era Google” que realiza uma transição para o formato de “cooperativa de plataforma”?
A provocação não é mera especulação teórica. O The Guardian publicou a proposta de Nathan Schneider de conversão do Twitter em cooperativa na semana passada. No texto, Schneider – que é um dos criadores do movimento “Internet of Ownsership” – defende três alternativas iniciais para que isso aconteça, com base em sugestões de visionários de diferentes locais do mundo.
A primeira, sugerida pelo empreendedor social alemão Armin Steuernagel, consistiria em criar uma nova empresa cooperativa e pedir que os usuários se tornem acionistas, com direito a dividendos. Com 20% do capital para a compra, já seria possível negociar um empréstimo. Seria então necessário criar um sistema de “direitos de voto por engajamento”: aqueles que contribuíssem mais para o valor da plataforma – como usuários ativos e funcionários da empresa – teriam mais poder; usuários comuns e investidores teriam menos capacidade de influenciar nos rumos do empreendimento. Seria possível também criar “golden shares” – uma “ação de classe especial”, no jargão do direito societário – para que fundações e filantropias tivessem poder de veto. Experiência semelhante ocorreu com uma empresa de energia eólica na Alemanha chamada Prokon.
A segunda alternativa, sugerida pelo especialista em mercado financeiro Tom McDounough, seria fazer com que 1% da base de usuários do Twitter (3 milhões de pessoas, que não é pouca coisa!) comprassem ações no montante de US$ 2.300,00 – o equivalente ao direito de voto, segundo Tom – e votar em bloco para uma transição para propriedade cooperativa, criando uma nova formatação jurídica focada em governança coletiva. Schneider explica que o retorno financeiro poderia ocorrer por uma taxa de inscrição de dez dólares por ano: “ao invés de dar um cheque em branco para a empresa usar seus dados, você estaria disposto a pagar uma taxa de copropriedade?”.
A terceira alternativa cogitada é a utilização do equity crowdfunding – instrumento de financiamento coletivo regulado pelo Jobs Act nos EUA e também presente em poucos empreendimentos no Brasil, segundo regras da Comissão de Valores Mobiliários – para que milhões de usuários comprem ações existentes ou novas ações.
Certamente existem limites para esse modelo, como restrições de renda mínima para investidores e a preocupação com fraudes e riscos aos novatos (o que justifica o “teto de investimento” de 10% da poupança da pessoa física, em alguns países). Há, ainda, a questão colocada por Robin Chase: “os acionistas atuais e empregados aceitariam esse tipo de transição?”.
A viabilidade e fragilidade dessas alternativas estão sendo discutidas neste momento na plataforma Loomio, onde há um fórum específico para o debate sobre cooperativismo digital e a campanha “Nós Somos o Twitter”. Qualquer um pode fazer parte do fórum e debater como transformar o Twitter em uma cooperativa de plataforma pioneira – por mais complexo e distante que isso possa parecer.
Aos poucos, ativistas, advogados/as, agitadores/as e empreendedores com experiência em cooperativas estão se juntando para contestar o modelo econômico das empresas de tecnologia e sair da lógica de “retorno para investidores a qualquer custo”.
Mesmo que a iniciativa em torno de um “Twitter das pessoas” fracasse – diante da imensidão dos valores, o peso dos gigantes do mercado financeiro por trás e as disputas de interesse em jogo –, essa é uma oportunidade única para pensarmos em democracia econômica.
Como afirma Schneider, “o Twitter pode ser o alvo errado no final das contas, mas outras opções irão surgir, e nós precisamos estar prontos com os mecanismos financeiros certos para jogadas plausíveis de conversão cooperativa. Isso é muito mais poderoso que essa campanha”.
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E se o Twitter fosse um bem comum? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU