30 Setembro 2016
Uma exame da lista de juízes e desembargadores investigados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que, mesmo quando a acusação é de venda de sentença, o caso nem sempre segue para a Justiça criminal e a pena se reduz à aposentadoria.
A reportagem é de Vinícius Assis com infografia de Bruno Fonseca, publicada da Agência Pública, 21-09-2016.
“Podemos dizer que, em um universo de mais de 16 mil juízes, os casos de condenação criminal são raros, o que demonstra que, em sua imensa maioria, os juízes brasileiros são pessoas sérias e comprometidas com a função constitucional que desempenham”, diz o presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso (Ajufesp), Fernando Marcelo Mendes.
A recente condenação a seis anos de prisão da juíza federal Maria de Luca Barongeno, da 23a Vara Cível de São Paulo, em agosto passado, é citada por ele como exemplo de que “não há qualquer tipo de imunidade aos juízes que, como qualquer cidadão, respondem penalmente por atos que praticarem e que forem considerados crimes”.
No entanto, frisa o magistrado, cabe recurso e, portanto, “não é possível se fazer qualquer valoração quanto à responsabilidade dos fatos que estão sendo apurados” [nesse caso]. A ação tramita sob sigilo no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP-MS) e, de acordo com o advogado da juíza, Alberto Zacharias Toron, ela vai recorrer: “Nós já opusemos embargos declaratórios”, adiantou.
Há outros motivos para que os juízes raramente sejam processados além da citada integridade. A maioria das irregularidades cometidas por juízes no exercício de suas funções é investigada e punida no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão fiscalizador. São processos administrativos, não criminais, e, mesmo quando as denúncias se referem a crimes graves, como a venda de sentenças, a punição máxima que o CNJ pode aplicar é a aposentadoria compulsória.
“A aposentadoria com vencimentos como punição máxima não é algo adequado numa democracia. E já tem essa discussão no Supremo”, diz Ivar Hartmann, professor de Direito Constitucional e Direito de Tecnologia da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. “Só o Supremo Tribunal Federal [STF] está acima do CNJ. Portanto, é a única via de recurso”, afirma o professor.
Hartmann explica que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais têm o poder de abrir processos criminais contra magistrados (que podem terminar condenados à prisão) desde que denunciados pelo Ministério Público (MP) após inquérito policial. O MP também pode mover uma ação contra um magistrado julgado pelo CNJ sempre que considerar que o caso merece pena maior, mas isso não é obrigatório. Por outro lado, o CNJ pode abrir uma nova ação contra algum magistrado julgado pelas corregedorias locais se não concordar com a decisão final. “É positivo que as investigações e processos disciplinares ocorram paralelamente, que não sejam limitados a um só órgão. Quanto mais órgãos competentes para investigação existirem, melhor”, diz o professor da FGV.
A Pública teve acesso à lista dos 72 magistrados punidos pelo CNJ desde 2005, quando o Conselho começou a atuar. Os nomes obtidos pela reportagem foram confirmados pelo órgão. Foram 50 juízes e 22 desembargadores punidos, de um total de 101 investigações abertas pelo CNJ, chamadas formalmente de Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs). Entre esses 72 magistrados, 46 foram aposentados compulsoriamente. Em termos regionais, o Mato Grosso foi o estado que mais teve magistrados punidos: 11. Em relação ao período, 2010 foi o ano em que o CNJ mais puniu magistrados: 22 (em seis estados).
“É importante destacar que processar um juiz é mesmo algo complicado, de acordo com o nosso sistema legal, porque eles recorrem ao STF e muitas vezes nossas decisões monocráticas ou colegiadas do CNJ são revogadas até monocraticamente em medida cautelar”, disse a ministra Nancy Andrighi, que, após um mandato de dois anos como corregedora do CNJ, acaba de reassumir seu cargo na Terceira Turma do STJ.
Segundo a assessoria do STF, porém, 38 aposentados compulsoriamente pelo CNJ entraram com recursos no STF desde 2005. A grande maioria – 36 – não conseguiu reverter a situação.
Qualquer cidadão pode encaminhar uma reclamação contra um magistrado ao CNJ, mas nem todas as sindicâncias se tornam Procedimentos Administrativos Disciplinares (PAD). Primeiro, o corregedor nacional de Justiça precisa convencer o plenário de que é necessário investigar o caso mais profundamente, garantindo, inclusive, o amplo direito de o magistrado se defender. Aprovado pela maioria, o PAD é aberto e pode terminar com a punição do investigado ou não.
“Nossa atuação não consiste apenas em punir, mas verificar in loco o que está acontecendo e orientar a busca da solução. Quando inicio a apuração de alguma conduta aparentemente irregular de magistrado, sempre decreto o sigilo porque procuro tratar tudo com muito cuidado. A honra das pessoas deve ser resguardada, e a honra de um juiz ainda mais por ser ele o guardião da Justiça na sua comarca”, diz a ministra Nancy Andrighi.
Tanta cautela resulta em longos processos para o CNJ afastar definitivamente o juiz. A Pública teve acesso a um PAD acolhido por unanimidade pelos conselheiros em junho deste ano que investiga o desembargador Amado Cilton Rosa, do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO). Acusado de venda de liminares de habeas corpus em uma ação penal originada em uma investigação da Polícia Federal (PF) sobre corrupção na Justiça de Tocantins em 2010, ele foi afastado do cargo no ano seguinte pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O CNJ, por sua vez, já havia instaurado uma sindicância sobre o caso em abril de 2011. Só agora, porém, com a autorização da abertura do PAD pelo plenário do CNJ, ele poderá ser aposentado compulsoriamente, mesmo que seja absolvido na Justiça criminal.
De acordo com as informações do PAD, as liminares seriam negociadas no gabinete do desembargador, com a participação da esposa dele, que trabalhava no TJTO como técnica judiciária. Ela foi afastada em junho de 2011 pelo STJ. Cada liminar custaria em média R$ 50 mil. O CNJ espera comprovar, como apontam as investigações, que esse teria sido o valor pago – em duas parcelas – pelo habeas corpus (HC 4986/TO) que beneficiou Fábio Pisoni, acusado de ter assassinado o estudante Vinícius Duarte de Oliveira, em 8 de dezembro de 2007, no município de Gurupi, a quase 250 km de Palmas. O habeas corpus teria sido negociado 11 dias após o crime, mas acabou derrubado pelo pleno do TJTO por 3 votos a 2.
O CNJ investiga também se o desembargador negociou com o mesmo advogado habeas corpus para dois presos, estes por tráfico de drogas, em 2011. A assessoria do TJTO disse que o tribunal não se manifesta sobre processos em andamento e não informou o contato do desembargador. A Pública não conseguiu localizá-lo.
Mesmo quando o magistrado é punido e se comprova o desvio de dinheiro público, não é fácil recuperá-lo. Há sete anos, o Ministério Público do Mato Grosso tenta trazer de volta aos cofres públicos R$ 1,4 milhão que sete juízes e três desembargadores desviaram do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) para a Loja Maçônica Grande Oriente, entre 2003 e 2005, de acordo com o processo do CNJ. A punição administrativa saiu em 2010 e foi a maior (em número de magistrados punidos) da história do Conselho. Segundo as investigações, o dinheiro público foi desviado para cobrir os prejuízos de uma cooperativa de crédito administrada por maçons. Na época, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, chegou a declarar que o TJMT tinha se transformado “em uma filial da Loja Maçônica do estado”.
Dos dez magistrados que perderam os cargos, três são também alvos da ação civil pública do Ministério Público mato-grossense, porque “tinham poder de mando absoluto na direção da Corte Estadual, naquela gestão”, como consta na ação. Os magistrados entraram com recurso alegando ter foro privilegiado, e agora cabe ao STJ decidir se eles têm razão.
Além de recuperar o dinheiro desviado, o Ministério Público considera que os magistrados têm de sofrer outras sanções, como pagamento de multa e suspensão de direitos políticos. Segundo a assessoria do STJ, não há prazo para a relatora, a ministra Diva Malerbi, tomar uma decisão sobre o recurso.
Ainda no Mato Grosso, o TJMT decidiu aposentar compulsoriamente o desembargador Evandro Stábile, mas só dois meses depois de ele ter sido preso por decisão do STJ, no dia 9 de abril. Ele se entregou três dias depois de a prisão ter sido decretada. Foi condenado em novembro do ano passado e planejava continuar recorrendo em liberdade, até que a prisão foi decretada pelo STJ com base numa mudança de entendimento sobre o dispositivo constitucional (alcance da presunção da inocência. É que, em fevereiro, o STF determinou o cumprimento imediato das penas após condenação em segunda instância. Por isso, o desembargador foi parar atrás das grades, mesmo com recursos em andamento.
A acusação contra Stábile se baseou em interceptações telefônicas feitas durante uma investigação da PF sobre venda de sentenças na Justiça mato-grossense em 2010, quando ele presidia o Tribunal Regional Eleitoral. Foi afastado naquele ano, acusado de cobrar propina para manter um prefeito no cargo.
Até dois meses atrás, ele ainda era identificado como desembargador no site do TJMT e vinha recebendo salário normalmente, mesmo afastado das funções havia quase seis anos por causa das investigações.
O Código Penal (artigo 92) estabelece a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo quando, por exemplo, o condenado por abuso de poder ou por violação de dever para com a administração pública recebe pena de mais de um ano de prisão, ou pena de mais de quatro anos em caso de outras infrações.
Segundo a assessoria do TJMT, “em relação à carreira da magistratura, e por força da garantia da vitaliciedade, o artigo 92 do Código Penal deve ser lido sob a ótica do artigo 95, inciso I, da Constituição da República, que condiciona a perda do cargo à sentença judicial transitada em julgado, situação não ocorrida em relação ao desembargador Evandro Stábile, mesmo diante do início do cumprimento provisório da pena”.
Finalmente aposentado, Stábile agora está preso na Casa de Custódia de Cuiabá, onde divide uma cela com outros três presidiários. Sem privilégios, de acordo com a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos. Mas com a aposentadoria em dia.
A Pública entrou em contato com o advogado que, até então, seria o responsável pela defesa do desembargador e foi informada de que ele deixou o caso em maio. A família informou o nome do novo advogado de defesa do desembargador. A reportagem entrou em contato com ele também, pedindo uma nota da parte do desembargador, mas não obteve resposta.
Durante três meses, a reportagem tentou obter dados sobre magistrados punidos também nas corregedorias estaduais, que podem e devem atuar sem esperar a intervenção do CNJ. Entre o dia 7 e 12 de abril, foi enviado um questionário aos 27 Tribunais de Justiça brasileiros, com oito perguntas. Apenas nove responderam. Em Alagoas, foram abertas 92 investigações contra magistrados desde 2005. Destas, 87 foram concluídas e cinco estão em andamento. Foram aplicadas 42 sanções a juízes, mas apenas três acabaram afastados. No Amapá, apenas um juiz foi aposentado compulsoriamente em 2015 por descumprir um dos itens do artigo 35 da Loman (a lei que fala das obrigações do magistrado), e outro juiz está sendo investigado. O TJAM informou que 11 magistrados foram punidos, mas foi impreciso ao apontar os motivos das punições, declarando apenas que todos incorreram em “conduta violadora de seus deveres funcionais”. Dois juízes foram afastados e estão em andamento dez das 31 investigações abertas nos últimos 11 anos. No Ceará, 15 magistrados foram punidos e seis afastados, segundo o Tribunal de Justiça, que afirmou que os processos estão sob sigilo. Ainda estão em andamento quatro das 25 investigações abertas. No Pará, foram 21 sanções aplicadas a juízes no mesmo período, como resultado de 25 Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs) concluídos. Ainda há nove procedimentos em andamento.
Os dados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) referem-se ao período de 2010 para cá, quando foram abertas 49 investigações contra magistrados. Apenas seis ainda estão em andamento. Nos últimos seis anos, o TJRJ puniu 11 juízes e dois acabaram sendo afastados. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que, desde 2012, foram abertas investigações contra dez desembargadores, mas todas foram concluídas e arquivadas, sem nenhuma punição. O oposto da situação de Sergipe, em que foram abertas 12 investigações desde 2005, resultando em 10 punições, incluindo o afastamento de um juiz. No Pará, foram abertas 34 investigações nos últimos 16 anos, sendo concluídas 25, que resultaram em sanções aplicadas a 21 juízes. O afastamento definitivo foi a punição de oito deles. Nove procedimentos ainda estão em andamento.
Justamente para evitar que o corporativismo promova a impunidade, o CNJ não é composto só por magistrados. E deveria estar presente em todos os estados brasileiros. Está no art. 103-B, parágrafo 7o da Constituição Federal: “A União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.
Mas isso não saiu do papel. Por e-mail, o Ministério da Justiça jogou a bola para o STF, que por sua vez lembrou que a responsabilidade de criar tais ouvidorias é da União.
A reportagem encontrou dificuldades para obter dados sobre processos contra juízes – mesmo via Lei de Acesso à Informação (LAI) – até no CNJ, responsável pela fiscalização do cumprimento da LAI no Judiciário. Também não obtivemos resposta aos pedidos de entrevista com o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, João Ricardo Costa, e com o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Pacheco Prates Lamachia.
Para falar sobre transparência, fizemos um pedido de entrevista, também negado, com o presidente do STF e do CNJ, ministro Ricardo Lewandovski. As perguntas foram enviadas por e-mail e obtiveram a seguinte resposta: “O Conselho Nacional de Justiça, por meio de atos normativos, vem buscando estabelecer e aprimorar os critérios de divulgação das atividades do Poder Judiciário brasileiro, bem como das informações referente à gestão orçamentária e financeira dos tribunais e conselhos, incluindo quadros de pessoal e respectivas estruturas remuneratórias. Mais recentemente, em dezembro de 2015, a Resolução 215/2015 do CNJ regulamentou a LAI para que a aplicação da norma seja aprimorada e uniformizada em todos os órgãos do Judiciário brasileiro”.
Uma curta resposta para um problema já detectado como grave em um relatório divulgado pela ONG Artigo19 este ano, classificando o Judiciário como o Poder mais fechado do país. Pesquisador da Fundação Getulio Vargas, o canadense Gregory Michener, especialista em transparência, relatou à Pública enfrentar problemas para conseguir dados do Judiciário. “Em todo país democrático, este sempre é o Poder mais fechado, mas o Judiciário brasileiro está ficando muito para trás em se tratando de responder os pedidos públicos de informações. Seria bom saber, por exemplo, por que o Judiciário brasileiro é um dos mais caros do mundo, e precisamos de transparência para isso”, diz. O pesquisador aponta também a pouca eficiência da Justiça brasileira como outro grande motivo para haver mais transparência. “É preciso ter liderança e compromisso com um Judiciário mais transparente.
Os próprios juízes administram o Judiciário, e eles não têm pressões dos outros poderes para mudar, se modernizar”, conclui Michener.
Assista à entrevista com Gregory Michener abaixo.
Como as ouvidorias do CNJ ainda não existem fora de Brasília, o cidadão comum acaba recorrendo às corregedorias estaduais para fazer uma denúncia ou reclamação. E é justamente aí que o problema do corporativismo começa, como explica a ex-corregedora do CNJ, conhecida por seu rigor, e primeira mulher a ocupar uma cadeira no STJ, Eliana Calmon, entrevistada pela Pública em seu escritório em Brasília.
Calmon recorre a uma frase famosa do ex-presidente do STF Aliomar Baleeiro, baiano como ela, para explicar o que acontece nas corregedorias estaduais: “Lobo não come lobo”, diz. “Secularmente as corregedorias locais nunca exerceram o seu papel disciplinar e promovem julgamentos pouco isentos. É nos Tribunais de Justiça onde começa o corporativismo”, afirma.
A ex-corregedora já teve de julgar dois colegas próximos, mas não hesitou em cumprir seu papel. Para pressionar os corregedores locais, conta, botava a boca no trombone. “Eu dizia: ‘Olha, eu estou mandando [o caso] para que o senhor faça a investigação. Se dentro de 15 dias não tiver solução, eu puxo a investigação e faço por aqui’. Num instante resolvia!”, lembra.
Foi o que fez a ministra Nancy Andrighi, quase dois anos atrás, ao determinar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte apurasse as denúncias contra o juiz José Dantas de Lira, suspeito de fazer parte de um grupo que lesava funcionários públicos. Como mais da metade dos desembargadores se declarou suspeita para atuar no processo, o caso acabou indo diretamente para Brasília. Os conselheiros do CNJ, por unanimidade, decidiram abrir o PAD em junho.
O juiz é acusado de fazer parte de uma associação criminosa e de dar liminares para que servidores públicos pudessem fazer empréstimos consignados – com desconto direto na folha de pagamento – em valores maiores que o permitido.
De acordo com informações obtidas pela reportagem, consta nas investigações a colaboração premiada de um corretor de empréstimos que seria o responsável por aliciar os servidores que já tinham esgotado a própria margem consignável (ou seja: o valor máximo que pode sair do salário ou aposentadoria todos os meses para pagar um empréstimo de acordo com a Lei 13.172/2015). Segundo a mesma fonte, esse corretor teria movimentado quase R$ 3,5 milhões em sua conta corrente. De acordo com suas declarações ao Ministério Público do Rio Grande do Norte, a quadrilha cobrava R$ 3 mil ou pelo menos 20% do valor do empréstimo que seria liberado ao funcionário público. A quantia levantada seria repassada para outro corretor, responsável por dividir o dinheiro com os envolvidos no esquema.
A reportagem apurou também que o CNJ tem o nome do advogado que conduzia a negociação e investiga se os encontros ocorriam no escritório do filho do juiz, o advogado José Dantas Lira Júnior, em Natal.
Em resposta por e-mail à Pública, Lira Jr. negou as acusações contra ele e o pai. Apesar de ressaltar que o processo segue em segredo de justiça – o que o impediria legalmente de fazer comentários sobre o caso –, fez questão de afirmar que a movimentação financeira demonstrada nos extratos bancários do processo pertence exclusivamente ao delator. E lembrou que uma inspeção feita pela Corregedoria de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte em 2014 não apontou irregularidades nas decisões do juiz José Dantas Lira.
Por fim, como observado em outros casos nesta reportagem, o advogado Lira Jr. insinuou que seu pai estaria sendo perseguido, ressaltando o fato de o juiz José Dantas Lira ser o único alvo de uma investigação desse porte, já que o grupo teria movimentado centenas ou milhares de processos em diversas cidades do Rio Grande do Norte e também nos estados do Ceará e Paraíba.
O corregedor nacional de Justiça, o cargo máximo no CNJ, é sempre um ministro do STJ eleito entre os membros da Corte. É nomeado pelo presidente da República e precisa da autorização do Congresso para assumir. João Otávio de Noronha tomou posse no último dia 25 de agosto como o sétimo corregedor da história do CNJ. Nascido em Três Corações, Minas Gerais, Noronha tem 59 anos e é ministro do STJ desde 2002. Foi corregedor-geral da Justiça Federal (2011-2013) e também da Justiça Eleitoral (2013-2015).
Em nota à imprensa, o ministro afirmou que o CNJ não é entidade policialesca e que pretende seguir o exemplo da antecessora, ministra Nancy Andrighi. “Ela mudou a visão de que corregedoria é instrumento de punição”, disse o ministro. Para o novo corregedor, os problemas disciplinares e de desvio de conduta na magistratura brasileira são “questões pontuais”. Segundo a nota, o foco de sua gestão será traçar diretrizes e metas para melhorar o trabalho das corregedorias locais. “A Corregedoria Nacional deve ser a corregedoria das corregedorias, e o que eu farei é cobrar delas”, disse.
Entre as tarefas deixadas por sua antecessora, a ministra Nancy Andrighi, o novo corregedor terá de apurar as acusações em torno do ministro Francisco Falcão, presidente do STJ. Falcão e Noronha são adversários declarados. Em fevereiro, Noronha chamou Falcão de “tremendo mau-caráter”.
“A legislação que protege a magistratura é tão complicada, tão cheia de meandros, tapumes, biombos, tudo é tão escondido, tão sigiloso que os bandidos terminam encontrando na toga um grande esconderijo. Porque bandido fica descoberto, mas quando é um bandido que veste toga ele fica à salvo de quê? Das mãos da Justiça”, afirma a ex-corregedora Eliana Calmon.
Essa declaração é rebatida pelo presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso, Fernando Marcelo Mendes: “Essa ideia é absolutamente errada. O juiz federal, por exemplo, está sujeito a três instâncias correcionais: a Corregedoria Regional Federal, a Corregedoria Geral da Justiça Federal e ao Conselho Nacional de Justiça, que é órgão de controle externo do Poder Judiciário. Assim, hoje, qualquer reclamação ou representação que seja feita contra o trabalho de algum juiz pode e será apreciada por todos esses órgãos correcionais, que são independentes e não atuam pautados pelo corporativismo. As punições, quando decididas, são divulgadas na imprensa, e o CNJ tem total transparência nesse trabalho, sendo possível o acompanhamento, em seu site, de dados dos processos que julgou. Hoje, também, os dados como números de juízes, remuneração e etc. são todos de acesso público e podem ser obtidos por simples consultas aos portais de transparências que os tribunais mantêm”, afirma.
Não foi esse cenário que a reportagem encontrou. As informações dos portais não divulgam os nomes dos juízes investigados – os obtidos pela Pública para esta reportagem foram confirmados apenas pela assessoria do órgão. Os processos contra juízes correm em segredo de Justiça, e, a julgar pelo número de pedidos de entrevista negados nesta reportagem, eles parecem ter aberto mão do direito de defesa. Pelo menos diante da sociedade.
* Esta matéria é resultado do concurso de microbolsas para reportagens investigativas sobre o Poder Judiciário promovido pela Agência Pública com o apoio do Instituto Betty e Jacob Lafer.
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Quem julga o juiz? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU