28 Setembro 2016
Dois anos depois de 43 universitários mexicanos desaparecerem durante uma noite de violência cometida, em parte, por forças de segurança, o mistério em torno do destino deles permanece sem solução.
A reportagem é de Kirk Semple e Paulina Villegas, publicada New York Times e reproduzida por portal Uol, 28-09-2016.
Um painel internacional de especialistas em direito e direitos humanos, que passaram um ano estudando o caso, questionaram a habilidade e a disposição do governo mexicano em descobrir a verdade a respeito.
Desde que os especialistas foram embora em abril, o governo ampliou sua investigação para incluir um leque maior de possíveis suspeitos. Além disso, o principal investigador do procurador-geral renunciou em meio a uma auditoria interna sobre a forma como ele estava lidando com o caso.
No entanto, existe um sentimento geral aqui e fora do país de que não se deve deixar para o governo mexicano descobrir quem esteve por trás da violência em Iguala, no Estado de Guerrero, na noite de 26 de setembro de 2014, e o que aconteceu com os estudantes, a maior parte deles calouros de faculdade. Muitos observadores estão contando com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, que mobilizará uma equipe para acompanhar a investigação.
Os pais dos desaparecidos e dos mortos, a maior parte deles da classe trabalhadora, continuaram com sua incansável pressão por respostas. E quem os acompanhou o tempo todo foram as dezenas de estudantes que sobreviveram a essa noite de terror, mas se lembrarão para sempre com suas cicatrizes. A seguir, a história de três deles.
Na última quinta-feira, Andrés passou pela sexta cirurgia para reparar seu rosto. Durante os ataques em Iguala, ele foi atingido por uma bala que estraçalhou seus dentes superiores e destruiu seu maxilar. Ele não sabe por quantas outras operações ele terá de passar.
Na época dos ataques, Andrés era um estudante terceiranista da Escola Normal Rural Raúl Isidro Burgos, uma faculdade de formação de professores em Ayotzinapa. Ele estava entre um grupo de estudantes que foi atender a chamados de socorro de calouros que estavam sendo atacados pela polícia municipal em Iguala, uma cidade próxima. Os estudantes mais novos tinham ido até Iguala para sequestrar ônibus para usar como transporte até uma manifestação na Cidade do México, uma prática antiga da faculdade.
Andrés e seus colegas chegaram depois que os 43 estudantes haviam desaparecido. Enquanto eles examinavam a cena, atiradores abriram fogo, atingindo Andrés. Apesar dos ferimentos, ele foi ignorado pelos militares e até mesmo pela equipe médica em uma clínica local.
Quando ele finalmente conseguiu uma carona até o hospital municipal, duas horas depois de levar o tiro, os médicos disseram que se ele tivesse demorado mais cinco minutos, ele teria morrido.
Andrés, 21, tem recebido cuidados médicos na Cidade do México, o que tem sido um transtorno para toda sua família. Sua mãe abriu mão de um emprego em uma loja de conveniência para se mudar para a capital e cuidar dele, e seus irmãos mais novos também se mudaram. Seu pai ficou na cidade natal deles, San Francisco del Mar, no Estado de Oaxaca, para continuar trabalhando como diretor de uma escola primária e, aos finais de semana, como agricultor.
O governo cobriu o custo do tratamento médico e emprestou um apartamento para a família. Mesmo assim eles esgotaram sua poupança para cobrir o custo mais elevado de se viver na capital e para compensar a perda da renda de sua mãe.
Andrés passa boa parte de seu tempo no apartamento. Quando ele sai para ver um filme ou dar uma volta, ele usa uma máscara cirúrgica --em parte porque ele tem vergonha de seu rosto desfigurado. "Tenho medo que as pessoas me discriminem por isso", ele diz.
A faculdade permitiu que Andrés terminasse seus estudos este ano trabalhando remotamente, e ele se formou junto com sua classe. Ele ainda espera trabalhar como professor de escola primária, mas ele somou mais um objetivo profissional: tornar-se advogado.
"Depois de tudo que aconteceu, acho que o sistema legal está torto", ele disse. "Quem é que vai proteger o povo?"
Vázquez conhece a perda desde muito cedo. Ele cresceu em Tlacotepec, um pequeno vilarejo montanhoso no Estado de Guerrero conhecido pelas colheitas de sementes de papoula e pela violência. Ele tinha 12 irmãos, dos quais 5 morreram de doenças curáveis.
Quando criança, Vázquez trabalhava nos campos, colhendo as papoulas e extraindo sua seiva, a matéria-prima da heroína. Quando tinha 7 anos, ele viu assassinos atirarem em uma festa, matando uma pessoa e ferindo várias outras. Anos mais tarde, um de seus irmãos foi morto em um confronto ligado a uma rixa entre gangues, como ele suspeita.
Ele achava que conseguiria fugir dessa vida através do magistério, e se tornou um membro do comitê estudantil, mergulhando na cultura do ativismo político da faculdade.
Na noite dos ataques em Iguala, Vázquez estava entre os veteranos que correram em socorro dos estudantes mais jovens e foram atacados por atiradores não identificados.
Vázquez, hoje com 28 anos, conseguiu escapar ileso. Nas semanas e meses que se seguiram, quando os 43 desaparecidos passaram a simbolizar o tamanho da corrupção e a incompetência do governo, Vázquez emergiu como uma voz de liderança na campanha por justiça.
Ele rodou o México, incentivando as pessoas a tomarem as ruas em protesto e criticando a maneira como o governo tem lidado com a investigação. Ele acabou levando sua campanha para fora do país, para os Estados Unidos e a Europa, divulgando o caso e fazendo lobby entre políticos e ativistas para pressionarem o governo mexicano.
O trabalho lhe deu um sentido para viver e o ajudou a segurar a culpa por ter sobrevivido.
Vázquez se matriculou este ano na faculdade de direito na Cidade do México e pretende se tornar um juiz, para combater a implacável corrupção no México.
Quando ele era mais jovem, Vázquez costumava ter pesadelos nos quais ele via a si mesmo sendo morto, de tão violento que era o clima no qual ele foi criado. Sonhos de sua própria morte ainda povoam seu sono, mas agora ele diz que vê a si mesmo morrendo por uma causa, "com um propósito e uma razão."
Gutiérrez está em coma desde que uma bala perfurou seu cérebro durante a noite de violência. Ele estava em um dos ônibus roubados quando foi atacado pela polícia.
Leonel Gutiérrez Solano segura foto de seu irmão, Aldo, um dos quatro sobreviventes do sequestro em massa de Ayotzinapa e que está em coma há dois anos.
Seus médicos e sua família vão medindo sua recuperação pelos sons que ele emite involuntariamente e por seus micromovimentos. Suas pálpebras abrem de vez em quando. Ele boceja. Seus músculos têm espasmos. Os médicos dizem que sua sobrevivência por todo esse tempo é surpreendente, embora eles acreditem que suas chances de se recuperar do coma sejam muito pequenas.
Seus pais e seus 13 irmãos, que vivem todos em Guerrero, organizaram um rodízio para garantir que pelo menos um deles esteja ao seu lado no hospital o tempo todo. Eles alugaram um pequeno quarto nas redondezas, onde eles podem descansar e tomar banho entre os turnos.
Esse compromisso sobrecarregou muito a família. Um de seus irmãos disse ter passado tanto tempo fora de casa, que sua própria família está sofrendo.
"Faz dois anos que não consigo levar meus filhos para o parque no sábado", diz seu irmão Leonel, 37, que trabalha como taxista em Tutepec, uma pequena cidade em Guerrero. A viagem de ônibus de sua casa até o hospital leva seis horas.
Mas a família fez um pacto de fornecer os melhores cuidados possíveis para Gutiérrez.
Aldo Gutiérrez, 21, nunca realmente quis se tornar professor, segundo seu irmão. A escola onde ele era primeiranista era simplesmente um jeito de escapar da pobreza. Seu verdadeiro sonho era se tornar oficial da marinha mexicana.
"O sofrimento é grande demais", diz Leonel. "Ainda não conseguimos entender: por que isso aconteceu com a gente? Como nosso governo é capaz de abrir fogo contra seus próprios cidadãos?"
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Como estão hoje os sobreviventes do massacre de 43 estudantes no México - Instituto Humanitas Unisinos - IHU