14 Setembro 2016
Presidente da Amazon Charitable Trust e diretor da Sociedade Real de Geografia veio ao Rio para participar do ciclo de palestras organizado pela Casa Britânica
“Se você não está fazendo Ciência, não é um explorador: só está vagando por aí”, diz John Hemmig
“Nasci no Canadá, mas fui criado na Inglaterra. Viajei pelo Oriente Médio, pelo Peru e fui parar no Rio Iriri, no Xingu. Escrevi três livros sobre os povos indígenas no Brasil. O próximo, em inglês, será sobre os irmãos Villas-Bôas, com quem convivi. Eles são totalmente desconhecidos fora do Brasil.”
A entrevista é de Natasha Mazzacaro, publicada por O Globo, 12-09-2016.
Eis a entrevista.
Conte algo que não sei.
Em 1848, veio ao Brasil um jovem inglês, autodidata — era pobre e deixou a escola aos 13 anos. Henry Walter Bates ficou 11 anos na Amazônia. Colecionou 14.850 espécies diferentes, oito mil delas completamente novas para a Ciência. É muita coisa para um rapaz sozinho, sem equipamentos! Só para se ter uma ideia, no projeto Maracá, na década de 1980, reunimos 150 cientistas, que catalogaram 200 espécies novas, uma quantia enorme.
É o tema de um de seus livros.
Sim. Ele e seus dois companheiros de viagem, também ingleses. Ganhavam dinheiro mandando espécimes para a Europa. Pouco, centavos, mas ele foi muito feliz. Adorava a floresta, e mostrou ao mundo como era linda a Amazônia. Quando voltou à Inglaterra, Charles Darwin escrevia “A origem das espécies” e ficou curioso para conhecê-lo, porque o seu trabalho poderia provar a teoria da evolução por seleção natural. Darwin estimulou Bates a concorrer ao posto de primeiro diretor da Sociedade Real de Geografia. Seu currículo era bom, mas ele era o único candidato (risos).
O senhor foi o 5º diretor e também explorou a Amazônia quando jovem.
Eu tinha um pouco mais de dinheiro e um doutorado de Oxford. Foi mais fácil (risos).
Como foi sua expedição pelo Rio Iriri (Pará)?
Eu e Richard Mason, um amigo, queríamos descer o Iriri. Seríamos os primeiros a explorá-lo. Tinha 25 anos e o IBGE ficou muito contente, porque, à época, não havia satélite, foto aérea da região, nada. Eles mandaram três agrimensores e abrimos picadas durante quatro meses, com cinco mateiros que contratamos. Cortamos madeira e começamos a construir umas canoas. Quando estávamos quase prontos para descer o rio, fomos emboscados. Descobrimos o corpo de Mason com uma quantidade enorme de flechas. Em 1971, os panarás, chamados de índios gigantes, eram desconhecidos. A emboscada foi um grande evento, a primeira vez que viram homens barbudos com roupas e objetos de metal.
Não ficou apavorado?
É claro. Mas fiquei muito interessado nos povos indígenas. Por isso, visitei uns 45 povos em todo o Brasil. Estive com quase todos os grandes sertanistas da época. Só eles tinham permissão da Funai para falar com os índios. Eles eram como James Bond: tinham licença para contactar.
Tenho a impressão que sua geração já descobriu tudo…
É preciso definir a palavra “inexplorado”. Robert Ballard, que descobriu os destroços do Titanic, disse que a Ciência é a única coisa que importa. Se você não está fazendo Ciência, não é um explorador: só está vagando por aí. É minha opinião.
Ainda é romântico ser um explorador?
Uma vez, o príncipe Charles disse-me que queria ir a uma floresta inexplorada. Eu disse: “Posso levar. Você tem dez dias?”
Mas era tudo diferente, não?
Sim. O Kuarup, festa dos mortos dos índios do Xingu, por exemplo, vai ser terrível neste ano. Estão transformando o ritual num espetáculo da Disney. Milhares de pessoas são esperadas. Parafraseando Churchill, nunca antes tantos (todos nós) deveram tanto (a proteção das florestas) a tão poucos (os 500 mil índios brasileiros). Cuidam de 2,2 milhões de quilômetros quadrados de floresta tropical, enquanto o resto de nós joga gás carbônico na atmosfera.
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'Estão transformando o Kuarup em espetáculo da Disney’, afirma John Hemming, naturalista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU