26 Agosto 2016
"Um filme muito acima de quase tudo que se tem visto recentemente e uma confirmação de Woody Allen como um dos principais cineastas americanos da atualidade", escreve Inácio Araujo, crítico de cinema, em cometário publicado por Folha de S. Paulo, 25-08-2016.
Eis o comentário.
Woody Allen é um dos raros cineastas americanos atuais que trabalham em vários níveis. Em seus melhores filmes, ao menos. E "Café Society" é um dos grandes Woody Allen deste século, talvez o melhor.
Ali o jovem judeu (sempre há um) é Bobby (Jesse Eisenberg), sai do Bronx, Nova York, direto para Hollywood, disposto a trabalhar com o tio Phil (Steve Carell), poderoso agente de cinema. Do mundo mais que real ao mundo dos sonhos.
Estamos entre os anos 30 e 40 do século passado. Jake detesta o ambiente hollywoodiano, com estrelas, frescuras, exibicionismos, excentricidades e tal. Mas também sonhará: com Vonnie (Kristen Stewart), a secretária do tio, que o leva para conhecer a cidade e também tem uma queda por ele. Há, porém, um namorado secreto na jogada.
Para resumir, Bobby volta para Nova York, onde gerenciará o night club do irmão. Sim, entram aí dois elementos centrais do filme: um é o café society que frequenta o lugar: artistas, nobres, milionários, gângsteres.
Gângsteres como o irmão de Bobby. E eis aí apresentado mais um elemento tão próprio de Allen e tão presente no filme: a família judia de Nova York, com seus personagens sempre bem diferentes entre si, os pais que vivem aos berros, a eterna busca de uma reafirmação do próprio judaísmo.
Até agora, como vimos, não entrou nenhum intelectual na história. Entrará um, mas será bem secundário desta vez (será também o comunista). Passemos.
O que Woody faz aqui é articular os vários níveis da sua narrativa: um aspecto da história americana do século passado (a América dos anos 1930/40, na costa leste ou oeste), com seus usos e costumes e, sobretudo, música; a família judia com vasta diversidade (cada membro é de um jeito: há os bem-sucedidos e os fracassados, os ricos e os pobres, os gângsteres e a gente de bem), aproximada apenas pelos hábitos comuns.
Acima de tudo, esses aspectos conduzem ao lado romântico da trama. O lado triângulo amoroso, sempre caro ao autor. Pois entre a insegurança do amor pelo ainda pobretão Bobby e a segurança que lhe oferece o namorado secreto, Vonnie optará por este último.
Como em "Casablanca", o clássico de 1942 e uma referência na obra de Allen (ver "Sonhos de um Sedutor", de 1972), temos aí uma mulher que ama dois homens igualmente, porém de formas diferentes. Aqui, cabe à mulher escolher.
Woody não discute as razões de Vonnie, trabalha sobre a simples dor da escolha, que implica, sempre, renúncia.
O setor romântico será o mais evidente desta comédia dramática, o mais desenvolvido também. Aquele que cola todas as outras partes. Aquele ao qual Woody retorna de tempos em tempos sempre apaixonadamente: o amor entre o dever e o prazer. Ou entre a segurança e a incerteza do futuro, tanto faz: afinal, são variantes de "Casablanca".
E aquele que serve para confirmar o carisma enorme de Stewart e Carell e a eficácia seca de Eisenberg, num conjunto invulgar em que também cai como uma luva a luz de Vittorio Storaro.
Um filme em que Allen retorna a ideias que conhecemos bem, mas que parecem estar lá pela primeira vez. Em suma: um filme muito acima de quase tudo que se tem visto recentemente e uma confirmação de Woody Allen como um dos principais cineastas americanos da atualidade.
CAFÉ SOCIETY
DIREÇÃO Woody Allen
ELENCO Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Steve Carell
PRODUÇÃO EUA, 2016, 12 anos
'Café Society' mostra que mesmo os sonhos falidos podem trazer algum conforto
‘Café Society’ é um Woody Allen agridoce e magistral
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Ótimo, "Café Society" talvez seja o melhor filme de Allen neste século - Instituto Humanitas Unisinos - IHU