08 Fevereiro 2016
“Deus, o que o Senhor que está querendo que eu faça aqui? Sair ou permanecer no armário?”
Depois de 23 anos trabalhando em paróquias de Chicago, a pergunta veio à tona.
O sacerdote ponderou as opções que tinha. Pensou nos paroquianos. Muitos, sabia ele, aceitam os gays, até mesmo o casamento gay, mas outros nem tanto. Cresceu em uma grande família católica; compreendeu o significado que a fé tem para as pessoas. Ele não quis magoar o seu rebanho, ou a Igreja Católica.
A reportagem é de Michelle Boorstein, publicada por The Washington Post, 31-01-2016. A tradução de Isaque Gomes Correa.
Perguntou-se se seria penalizado. E, na verdade, levou em consideração o seu estado civil. Sabia que muitos fiéis tinham o que se pode chamar de uma visão romântica do sacerdócio: os padres devem ser puros, quase acima do mundo da sexualidade, abnegadamente dispostos a não querer criar uma família sua para servir a Deus. Assumir sua condição seria cair desse pedestal.
Em seguida, pesou esses fatores diante do impacto que assumir a sua homossexualidade teria nas vidas dos jovens drogados em tratamento ou na vida daqueles que estão considerando o suicídio, ou ainda o impacto que teria na vida dos pais e avós que se veem tendo de escolher entre o filho gay ou a Igreja. Para alguns, saber que o padre deles é gay – e em paz com isso – poderia ser um motivo de cura.
O sacerdote pensou sobre estes sentimentos complexos. Ele não teve em quem se amparar, não tinha alguém que o sustentasse.
E estabeleceu as regras desde o início: não quis ser identificado nesse artigo. Mas, no final da primeira troca de ideias, ela falou: “Estou pensando em usar o meu nome verdadeiro”.
Numa época em que o verbo “assumir” está começando a soar quase pitoresco, o sacerdócio católico pode ser um dos últimos armários remanescentes – e ele está abarrotado de gente. As pessoas que estudam o clero homossexual acreditam que estes compõem uma porcentagem significativa dos 40 mil padres dos EUA, incluindo alguns que acreditam que eles podem ser, até mesmo, a maioria. Enquanto isso, o número de padres assumidos é minúsculo.
A Igreja Católica está no auge de um período histórico de debate sobre a homossexualidade. Entre o famoso dizer do Papa Francisco – “Quem sou eu para julgar?” – e os dois Sínodo dos Bispos que ele convocou nos últimos anos para abrir a discussão sobre o sexo e a família, talvez nunca tenha havido como agora um diálogo tão significativo entre os fiéis sobre até que ponto se deveria estender o tapete à comunidade homoafetiva.
Nos próximos meses, espera-se que Francisco publique as suas conclusões decorrentes dos Sínodos de 2014 e 2015. Ambos os lados reivindicaram uma vitória duas semanas atrás, quando ele falou a um tribunal vaticano que “não pode haver confusão” entre a família desejada por Deus e algum outro tipo de união. Para uns, foi um sinal de que Francisco não vai alterar a doutrina; já outros viram esse dizer como uma prova de que ele não entrará no combate contra as uniões civis.
Os padres gays estão invisíveis nesse debate; a Igreja não realiza pesquisas sobre o assunto. No entanto, entrevistas com uma dúzia deles e com ex-seminaristas gays, além de entrevistas com especialistas em padres gays, revelam um grupo de homens na maioria confortáveis com sua sexualidade. Muitos não manifestam uma urgência para que a Igreja a aceite. Alguns, entretanto, dizem que o sacerdócio continua sendo repressor sexualmente; um disse haver um “muro invisível” em torno do tema entre os padres.
Falam com dificuldades sobre o trabalho duro que tiveram de fazer para aceitar a sua sexualidade e da importância que tem em saber quem eles são. Mas essa aceitação deles pelo anonimato remonta, em geral, a um momento anterior.
Isso acontece, dizem, porque, como padres, eles fizeram votos de servir a Deus sobre todas as coisas.
O Pe. Warren Hall decidiu se juntar a um pequeno número de padres que assumiram a sexualidade depois de ser removido do seu trabalho como ministro em maio passado da Seton Hall University. As autoridades observaram que ele apoiava um grupo no Facebook que defende a comunidade LGBT e a justiça racial.
Mas, ainda que Warren Hall venha sendo mais crítico quanto à necessidade de haver mais tolerância e diálogo sobre a sexualidade humana, ele também compreende por que os padres gays não saem do armário e por que não veem os direitos da comunidade LGBT como sendo uma causa deles também.
“Os padres querem ser bons padres, querem fazer o trabalho deles”, disse Hall, recém readmitido na Paróquia de Hobken, em Nova Jersey. “Mais padres estão, com razão, mais preocupados com os sem-teto do que com outra coisa relacionada ao sexo. Nós deveríamos nos preocupar mais com esses temas [como os desabrigados], coisas que estão impactando as pessoas”.
Mas alguns também temem as consequências de saírem do armário, já que a hierarquia eclesiástica enquadra a vida homoafetiva como um desvio do ideal divino. Partes do ensino católico considera a pessoa gay como sendo “objetivamente desordenada”.
O sacerdote de Chicago lembra que quis falar na missa quando o casamento homoafetivo se tornou legal na Califórnia em 2008. Mas parou e disse para si: “Ô meu Deus, se eu falar sobre isso, eles vão pensar que eu sou gay”.
O religioso fica magoado quando vê as demissões de funcionários diocesanos que se casam com alguém do mesmo sexo.
“Tenho problemas com as pessoas que criticam depois que as coisas acontecem. Sempre têm coisas que não sabemos em torno dessas demissões”, disse. “Mas onde mesmo estão sendo traçadas as linhas da moralidade? Tem todo o tipo de pessoa aqui em se tratando de comportamento moral”.
Os padres que saíram do armário – em alguns casos, citando a necessidade de enfrentarem a discriminação contra a comunidade LGBT – dizem que acharam pouco apoio entre outros padres.
“Os paroquianos deram bastante apoio. As religiosas deram muito apoio. Um grupo que ficou em silêncio foram os meus irmãos padres. Gays e héteros”, declarou o Fred Daley, padre de Syracuse, Nova York, quem assumiu a homossexualidade em 2004 depois de ficar enfurecido com as pessoas que culpavam os padres gays pela crise de abuso sexual na Igreja. “Nesse sentido, foi como se eu tivesse rompido com as regras do clube clerical”.
A mistura de lealdade a Deus e à Igreja, bem como a preocupação em não prejudicar os paroquianos, tem levado alguns padres gays a avaliar cuidadosamente cada situação antes de se abrir.
Um padre de Nova York diz que ele se assume apenas em circunstâncias particulares, quando está aconselhando alguém na luta por aceitar a própria homossexualidade. “Estive em inúmeras situações onde alguém diz: ‘Sou um m.’ Em seguida, falo: ‘E eu, pareço uma m. para você? Deus me fez desse jeito’”.
Um padre da Pensilvânia diz que está sendo “silenciosamente subversivo”, falando com aceitação aos gays, mas não o faz com qualquer um. Até mesmo o confessionário não é um lugar seguro para ele dizer às pessoas que ser gay não é uma coisa ruim. “Temos muito a perder. Eu investi a minha vida nisso”.
A opinião dos padres sobre a forma de a Igreja lidar com a homossexualidade não é uniforme. Alguns culpam o catolicismo pelas décadas que tiveram de passar para se aceitarem. Outros creditam à sua formação ou à ajuda de outros padres para o seu autoconhecimento, dizendo que a homofobia na cultura em geral é verdadeiramente o problema.
Mesmo que a doutrina que proíbe as relações gays não tenha sido alterada, a Igreja sempre variou a sua ênfase e a mensagem sobre o assunto.
O documento oficial mais recente veio em 2005 pelas mãos do Papa Bento XVI, que, buscando esclarecer a doutrina depois das mudanças no Concílio Vaticano II, escreveu que ser gay é “objetivamente desordenado”. A Igreja, “embora profundamente respeitando as pessoas em questão, não pode admitir ao seminário e às ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada ‘cultura gay’”, disse Bento.
A mensagem parece clara, dizem muitos padres e várias pessoas que atuam na formação de seminaristas. Vários que tinham considerado sair do armário decidiram permanecer em silêncio.
No entanto, a intenção por detrás das palavras de Bento esteve aberta ao debate. Alguns dizem que ele jamais quis significar uma proibição dos gays ao celibato. Outros afirmam que ele quis manter longe aqueles que se sentem fortemente definidos por sua sexualidade e que, talvez, encontrariam problemas com o celibato.
Em todo caso, não há dúvida de que, nos últimos anos, os líderes eclesiásticos estão enfatizando bem mais que o catolicismo aceita pessoas gays. (São as relações sexuais ou o casamento o que constitui um problema.) O famoso dizer de Francisco: “Quem sou eu para julgar?” foi proferido depois de uma pergunta sobre os padres gays.
No ano passado, um jesuíta escreveu sobre ser gay em um blog, o que se acredita ser a primeira vez que um religioso da Companhia de Jesus assume a homossexualidade com a permissão explícita de seus superiores. Damian Torres-Botello negou pedidos de entrevistas depois da publicação do artigo.
Em algumas comunidades, em particular a dos jesuítas, podem existir padres gays assumidos, de acordo com os padres entrevistados. Outros dizem que as palavras de Bento XVI geraram um calafrio duradouro entre os gays e que as condições estão, hoje, muito mais difíceis.
“Se tem um seminarista gay, a minha recomendação seria: Não diga a ninguém”, aconselhou Hall.
Stephen Rossetti, padre psicólogo de Washington, DC, e que ajuda seminaristas produzirem materiais sobre saúde sexual, disse haver uma hesitação em admitir gays nas casas de formação e a porcentagem de sacerdotes católicos assim diminuiu. Todos os demais padres entrevistados discordam.
“Eles são mais conservadores, mas não menos gay”, falou o padre entrevistado da Pensilvânia sobre a geração mais nova do clero.
O padre de Chicago não desconsidera o ensino católico sobre a sexualidade, mas tenta enfatizar o ensino de que a sexualidade é uma expressão do divino e incentiva as pessoas a rezar e a discernir o seu próprio lugar nesse mundo. O seu lugar, diz ele, é aquele de um homem que não entendia que era gay quando entrou para o sacerdócio e que, agora, vê a sua sexualidade como um dom para o seu ministério.
“Há um nível de testemunho aqui que é importante. A religião cristã tem muito a dizer sobre os oprimidos, sobre os marginalizados, os leprosos, os cegos, os coxos, os repudiados como a prostituta, a viúva, o pequeno”, disse.
“Eu gostaria de ser um daqueles padres que, com grande respeito pelo ensino da Igreja, podem dizer: Sou um ser humano. Sou um filho – um de seis –, sou padre e sou gay. Ponto final”.
A oração levou ele a acreditar que este artigo faz parte deste testemunho. Ele decidiu querer que saibam quem ele é: o seu nome, Michael Shanahan.
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“Sou padre e sou gay. Ponto final” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU