A análise da conjuntura da semana é uma (re)leitura das "Notícias do Dia’ publicadas, diariamente, no sítio do IHU. A análise é elaborada, em fina sintonia com o Instituto Humanitas Unisinos - IHU, pelos colegas do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT - com sede em Curitiba, PR, parceiro estratégico do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Sumário:
Kaiowá Guarani: Um povo martirizado
Kaiowá Guarani – genocídio em marcha
"Tenho medo, mas não paro a luta pela terra"
A terra no centro do conflito
Demarcação se arrasta há décadas
MS: luta anti-indígena como política de Estado
Onde está o governo federal?
"Quando o boi vale mais que o índio’
Belo Monte – Constituição e OIT desrespeitada
A consulta prévia é um direito dos Povos Indígenas
Conjuntura da Semana em frases
Eis a análise.
"Vamos queimar esses ônibus com índios! Índios vagabundos! Ficam invadindo fazendas. Esses índios vão pagar pelos seus atos, invasores das fazendas"! - Márcio Margatto – fazendeiro, presidente do Sindicato Rural de Iguatemi-MS.
"Vocês não deixem esse lugar. Cuidem com coragem essa terra. Essa terra é nossa. Ninguém vai tirar vocês... Cuidem bem de minha neta e de todas as crianças" – Nísio Gomes – Cacique Kaiowá Guarani, assassinado em 18-11-2011.
Kaiowá Guarani – genocídio em marcha
É difícil traduzir em palavras a tamanha cruedade contra os povos Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. A violenta, dolorosa e desumana morte do cacique Nísio Gomes é apenas mais um capítulo numa infidável história de atrocidades.
Indignação, raiva, tristeza e impotência. Esses são os sentimentos que se misturam quando se toma conhecimento da sistemática e reiterada agressão ao povo Kaiowá Guarani: Queima de barracos, intimidações, destruição de plantações, sequestros e assassinatos seguido da crueldade do desaparecimento de corpos. Por detrás dessa violência sem fim se encontra o agronegócio no Estado do MS. Os indígenas são vistos como "ervas daninhas" que incomodam os "jardins do latifúndio", dizTatiana Bonin.
O agronegócio e o latifúndio não toleram os indígenas porque os mais de 30 acampamentos às margens da rodovia mantém viva a consciência de que um dia aquelas terras lhes pertenceram, foram o seu tekoha, agora invadida, grilada, roubada e tomada à força. Os acampamentos dos indígenas com seus paupérrimos barracos de lona preta na beira das fazendas interpelam a consciência dos fazendeiros. Os indíos são um "estorvo" em meio à paisagem do gado pastando e da vastidão da soja e da cana-de-açucar.
A situação dos indios no Mato Grosso do Sul já foi definida pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat como "a maior tragédia indígena do mundo". O sistemático massacre a quem têm sido submetidos foi caracterizado como genocídio pela CNBB. "O sangue desta reconhecida liderança, vítima de uma morte anunciada, clama por justiça e pelo fim da violência que há anos atinge e vitimiza este povo", diz nota da entidade.
O experiente indigenista Egon Heck, que acompanha o doloroso sofrimento dos indígenas no Mato Gross do Sul há anos, emociona-se ao falar da morte do cacique Nísio Gomes: "Sangue Guarani Kaiowá no chão. Rastos do corpo arrastado. Apenas constatações. Um pequeno resto da mata testemunhou mais um assassinato de seus seculares guardadores". Pergunta o coordenador do Cimi-MS: "Quanto sangue ainda precisará ser derramado para que se cumpra a Constituição e legislação internacional garantindo aos povos nativos, no caso os Kaiowá Guarani, suas terras e o sorriso volte aos rostos abatidos pela violência"?
Nísio foi apenas mais um que tombou. Nos últimos oito anos, segundo relatório divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), houve 250 assassinatos entre indígenas do Mato Grosso do Sul, mais do que todas as mortes ocorridas no resto do país (202). "As estatísticas oficiais e oficiosas confirmam a honraria de Mato Grosso do Sul no ímpeto genocida. Se a média brasileira é de 24,5 homicídios por 100 mil habitantes, só na reserva indígena de Dourados chega a 145 para a mesma quantidade da população", escreve o jornalista Jânio de Freitas.
Essa é a face mais visível da violência que sofrem os indigenas, mas há outras: desaldeamento, altos índices de suicídio entre os jovens, desnutrição entre as crianças, fome, alcoolismo, precarização do trabalho nas usinas de etanol e confinamento em pequenos espaços que se assemelham a "campos de concentração".
A situação do povo Guarani no Mato Grosso do Sul é estarrecedora. E vem de longe. Faz mais de dois anos, em relatório enviado à ONU a organização Survival International afirmava que os Guarani sofriam altíssimos índices de suicídio, desnutrição, detenção injusta e alcoolismo, além de serem alvos regulares de pistoleiros contratados por fazendeiros que se apoderaram de suas terras.
A recusa em reconhecer os direitos dos Guarani a suas terras era apontada no relatório como a principal causa dessa situação explosiva na qual se encontram os índios. O relatório advertia ainda que a crescente demanda por etanol como alternativa à gasolina fará com que os Guarani percam mais terras, agravando ainda mais a situação.
O relatório destacava que apesar de viverem em um dos estados mais ricos de um país cuja economia é uma das que mais cresce no mundo atualmente, muitos Guarani vivem em extrema pobreza. Alguns vivem sob tendas na beira de estradas muito movimentadas, outros vivem em "reservas’ superpopuladas, onde são dependentes de ajuda do governo.
Stephen Corry, Diretor da Survival, afirmou na época: "Esse relatório expõe a situação estarrecedora na qual se encontram os Guarani. É responsabilidade legal e moral do governo brasileiro assegurar que os abusos de direitos humanos e a discriminação racial sofridos pelos Guarani cessem. Caso o governo não aja com rapidez e eficiência, mais índios Guarani sofrerão e morrerão".
No mesmo ano, dias após o relatório da Survival International, o secretário Geral da CNBB à época, dom Dimas Lara Barbosa, acompanhou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em visita às comunidades Guarani Kaiowá na região de Dourados, no Mato Grosso do Sul e ficou chocado com o que viu: "É uma situação desumana o que vimos neste acampamento. Temos que tomar medidas concretas o mais rápido possível".
Na comunidade Guyrakorá, o bispo ouviu relatos emocionados dos pais e da esposa de Rolindo Vera, professor desaparecido durante a retomada da terra tradicional do povo. O bispo também presenciou vários relatos da violência sofrida por estes povos em várias comunidades diferentes, quando ficou claro que a questão da terra é a mais urgente. "A CNBB já enviou carta ao Lula pedindo agilidade nestas demarcações", disse à época.
Uma violência sem fim. Foi preciso mais uma morte com requintes de crueldade para que a dramática situação dos Kaiowá Guarani viesse novamente à tona.
"Tenho medo, mas não paro a luta pela terra"
"Já me bateram na beira da rodovia quando eu vinha à noite. Tenho medo, mas não paro [a luta pela terra], porque, se eu morrer, misturo com a terra de novo", disse o cacique Nísio Gomes em setembro de 2009.
"Jeito meigo e sorridente, era a sua característica principal, inconfundível. Sua fala baixa, se tornava por vezes quase incompreensível. Ele estava em quase todas as mobilizações de luta do povo Kaiowá Guarani pelos seus direitos, especialmente à terra. Nos últimos dez anos já voltara quatro vezes a seu tekohá Guaiviry. Era um lutador resistente, persistente. Não desistia nem por nada a seu sagrado chão". Assim é descrito o cacique Nísio Gomes por Egon Heck.
O assassinato de Nísio foi anunciado. Quatro dias antes de sua morte uma centena de Kaiowá Guarani, Terena e Kinikinawa participantes de um encontro assim se referiram, na reprodução de Egon Heck ao acampamento liderado por Nísio: "Realizamos este evento com nossos corações cheios de angústia, porque, ao mesmo tempo em que aqui estamos discutindo nossa situação, recebemos a notícia de que nossos irmãos Kaiowa do acampamento de Guaiviry retornaram novamente, há alguns dias, ao seu tekohá e encontram-se, neste momento, cercados por jagunços a serviço dos fazendeiros. Além da ameaça de ataques violentos, agora sofrem com a fome, em função do covarde cerco a que são submetidos. Tememos pela vida e integridade física de nossos parentes. Advertimos que qualquer agressão que acontecer será de responsabilidade das autoridades brasileiras."
O prenúncio se confirmou. Nisio foi friamente executado na manhã do dia 18 de novembro diante do seu grupo. "Vocês não deixem esse lugar. Cuidem com coragem essa terra. Essa terra é nossa. Ninguém vai tirar vocês... Cuidem bem de minha neta e de todas as crianças", disse Nísio Gomes, baleado e agonizante, segundo relato de membros do Conselho da Aty Guasu que estiveram no local do assassinato e ouviram as pessoas do acampamento Guaiviry.
Nísio foi executado a tiros - nas pernas, no peito e na cabeça - e, segundo depoimentos dos indígenas, os pistoleiros arrastaram o seu corpo e o jogaram na carroceria de uma camionete. O corpo de Nísio até o momento não foi encontrado para a dor de sua comunidade e de sua avó de 105 anos. O assassinato seguido de desaparecimento do corpo se tornou uma prática comumno modus operandi dos pistoleiros na região.
O mesmo aconteceu com os professores Guarani Jenivaldo e Rolindo que foram levados pelos assassinos. O corpo de Jenivaldo foi encontrado no rio Ipo’y, sete dias depois de raptado e o corpo de Rolindo até hoje não foi localizado.
A violenta morte de Nísio, o ocultamento do cadáver e as repetidas e sucessivas agressões aos povos indígenas no Mato Grosso do Sul despertou profunda indignação. ''Mato Grosso do Sul se tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas''escreveram os estudantes Guarani e Kaiowá dos cursos de Ciências Sociais e História e moradores da aldeia de Amambaí em Carta de Protesto. O Cimi pediu a intervenção federal no Estado. Quantas mortes e violência terão de ocorrer para que tal decisão seja tomada? Interpelou a entidade.
A terra está no centro do conflito
A essência do conflito na região se dá em função da terra. Progressivamente, mas de forma mais intensa na segunda metade do século XX, houve um processo de "redução territorial e confinamento" dos indígenas em pequenas extensões de terras reservadas a eles, com sérias e profundas consequências sobre as suas vidas, a organização social e formas de subsistência, aponta o indigenista Antonio Brant, em entrevista à Revista IHU On-Line – Os Guarani. Palavra e Caminho nº 331.
O assédio às terras ocupadas por povos indígenas sempre foi enorme. Terras remanescentes e ricas, foram alvo demineradoras, depois de fazendeiros para a expansão do agronegócio – soja, arroz, cana-de-açúcar, eucalipto – e da pecuária. Por fim, também de obras de infra-estrutura – como estradas ou hidrovias – e de produção de etanol, com enormes impactos ambientais e sociais. Não raro essa dinâmica exploratória contam com recursos públicos provenientes do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Neste contexto, a situação dos indígenas vai se degradando. Desaldeados ou não, são alvo fácil da ganância de fazendeiros que os fazem trabalhar em condições hostis em usinas ou em condições similares à escravidão.
A terra é vital, portanto, para a vida e a sobrevivência dos indígenas. A subnutrição e morte de crianças, problemas de violência, e até o risco de perda de línguas, estão estreitamente relacionados à temática da terra dos povos indígenas.
Mas, a importância da terra ultrapassa a dimensão meramente produtiva. Ao menos para os Guarani, "povo da palavra" ou do "caminho", a terra assume também características espirituais. "Os vínculos dos guarani com seu território são profundos e envolvem elementos materiais e espirituais (...) Para os guarani, a vida, em toda a plenitude e potencialidade, só pode se concretizar em um tekoha – um espaço específico onde se pode viver ao estilo guarani", dizem Roberto Antonio Liebgott e Iara Tatiana Bonin em entrevista à Revista IHU On-Line, citada anteriormente.
Portanto, seguem os dois indigenistas, um tekoha "não é um lugar qualquer, e sim um espaço assim identificado com a intervenção dos espíritos, que orientam o olhar do xamã (o Karaí). Neste lugar é que se dão as condições para que se realize o modo de ser guarani, e ele deve apresentar uma série de características que envolvem aspectos ambientais, sociais e sobrenaturais. É necessário que o Karaí sonhe com este local e, em geral, um tekoha deve ter água e matas, campos, animais, ervas, espaço para plantar e cultivar alimentos (o milho, a mandioca, batata doce, amendoim, feijão, melancia, abobora)".
Isso ajuda a entender o fato do porque os guaranis acamparem à beira de rodovias. "Neste sentido, quando os guarani ocupam um espaço ínfimo, à beira de uma rodovia, o que estariam nos dizendo? Quase sempre essa ocupação é, na verdade, o limite mais próximo que eles conseguem estar de uma área mais ampla, identificada como um tekohá, e que quase sempre se situa "do lado de dentro’ das cercas que dividem certas propriedades", concluem os pesquisadores.
Demarcação se arrasta há décadas
Segundo a Constituição de 1988, o processo de demarcação das terras indígenas no país deveria ter sido terminado em 1993. Entretanto, as pressões políticas dos fazendeiros retardaram o processo no Mato Grosso do Sul. No final de 2007, a Funai assinou acordo com o Ministério Público Federal para apressar a demarcação e, em função disso, seis grupos de trabalho para identificação e delimitação de terras indígenas foram lançados em julho de 2008. O fato gerou forte reação dos fazendeiros do Estado e, desde 2009, uma série de episódios violentos passaram a acontecer na região.
"Os conflitos se devem, sem dúvida nenhuma, à lentidão inconcebível na demarcação das terras indígenas", afirma o procurador da República em Ponta Porã, Thiago dos Santos Luz.
A ausência da demarcação tem outras consequências. As áreas onde os índios estão concentrados viraram locais de confinamento cuja expectativa de vida é semelhante à dos países mais pobres do mundo, 45 anos. De acordo com o antropólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tonico Benites, cerca de 35 mil kaiowás-guarani vivem em 11 reservas com quase 33 mil hectares e outros dez mil sobrevivem em acampamentos na beira de estradas ou outros locais em litígio judicial. Para efeito de comparação, a reserva Raposa/Serra do Sol, demarcada em 2009, abriga 20 mil índios em 1,7 milhão de hectares.
"Essas reservas se transformaram em favelas, guetos", afirma o antropólogo Spency Pimentel, da Universidade de São Paulo. A quantidade de terras reivindicadas pelos indígenas se aproxima de um milhão de hectares, cerca de 2,8% do território de Mato Grosso do Sul. Mas o pleito enfrenta resistência do governador, André Puccinelli (PMDB), e de alguns fazendeiros da região.
Os fazendeiros são radicalmente contrários a qualquer demarcação. A Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso – FAMATO se pronunciou dizendo que caso as novas áreas indígenas sejam criadas ou ampliadas, 1,1 milhão de ha de áreas já consolidadas pela agropecuária deixarão de ser produtivas.
"Reconhecemos os direitos dos índios, que precisam ter acesso aos serviços básicos de saúde, saneamento, educação. Mas precisamos avaliar melhor os critérios das demarcações de terras. Hoje, os nossos 27 mil indígenas já ocupam um território de 16 milhões de hectares equivalente aos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Alagoas", compara o presidente do Sistema FAMATO, Rui Prado.
O discurso dominante propaga a ideia de que demarcações redundam "em muita terra para pouco índio", mas não se dá conta de que com o agronegócio se tem "muita terra para pouco branco".
Apenas a garantia de espaço e direitos à terra dos povos indígenas poderá reduzir o número de conflitos e tensões que desencadeiam os casos de violência. "É fundamental que o Estado brasileiro aceite e respeite a reivindicação indígena por demarcação de terras", afirma a antropóloga Lúcia Helena Rangel.
Em documento divulgado nessa semana a CNBB é enfática: "Sem demarcação de terras os indígenas do MS seguirão martirizados". O documento faz ainda uma dura cobrança da ausência do Estado: "Para além de declarações oficiais de solidariedade, o momento e as circunstâncias exigem ações concretas, do contrário, pode-se estar contribuindo para a morte de um povo por omissão ou negligência. O não cumprimento dos parâmetros constitucionais, neste caso, configura-se como genocídio", diz trecho da nota lançada pela CNBB na última quarta-feira.
A demarcação das terras indígenas é ainda fundamental para a preservação da cultura guarani. Como observa Egon Heck, "o que está em jogo é a sobrevivência cultural do povo Kaiowá-Guarani, ou seja, se não forem garantidos as suas terras se estará acentuando o processo de etnocídio, que significa a negação do direito de vida de um povo conforme lhe assegura a Constituição e a Legislação internacional. Nós estamos bastante preocupados pelo nível de agressividade novamente desencadeado por parte de interesses contrários que sempre negaram o direito à terra e à sobrevivência com dignidade do povo Kaiowá-Guarani".
MS: luta anti-indígena como política de Estado
O recrudescimento da violência contra os indígenas no Mato Grosso do Sul é proporcional a ausência do Estado. Pior ainda, o Estado sul-matogrossense age contra os indígenas. Além de se colocar contra a demarcação das terras, o Estado local não coibe a violência. É conhecida a postura anti-indígena do governador do Mato Grosso do Sul André Puccineli que já afirmou que "MS não é terra de índio" e que "deseja integrar os índios a partir do conceito de produção, para dar a eles a verdadeira independência".
No caso das demarcações, o coordenador do Cimi-MS, Egon Heck, dá o tom de como age o Estado matogrossense: "Para se ter idéia, desde 2008, quando se assinou o TAC – Termo de Ajustamento de Conduta para o cumprimento da demarcação de terras –, vimos uma enorme campanha anti-indígena durante os anos que passaram, veiculada e financiada até pelo governo do estado. Repassava recursos aos municípios para ter assessorias jurídicas contra a demarcação de terras. Fez grandes campanhas de imprensa, em outdoors, veiculando intencionalmente mentiras muito óbvias, do tipo que o "estado seria inviabilizado se as terras fossem demarcadas’, "os povos estariam reivindicando 12 milhões de hectares das terras mais férteis do estado’ (no cone sul do MS), "estariam inviabilizando 26 municípios’, "ocupando municípios’".
Comenta Egon Heck que "um conhecido nosso dessas cidades disse expressamente que comprou armas para se defender porque o sindicato rural havia avisado de que os índios iam invadir tudo...".
Mais grave ainda é conivência do Estado sul-matogressense com a violência. Os sucessivos atos de agressão contra os índios não são apurados pela polícia do Estado do MS. "Depoimentos de índios no Estado não valem nada", destaca o procurador da República em Ponta Porá, Thiago dos Santos Luz, ao acompanhar a apuração da morte e ocultamento de corpo de Rolindo Vera: "É intrigante constatar que pelo menos seis indígenas, as únicas testemunhas oculares dos fatos, em depoimentos detalhados, verossímeis e harmônicos, prestados logo após os crimes, tenham expressamente nominado e reconhecido três indivíduos que participaram direta e pessoalmente do violento ataque a Ypo´i e nenhuma delas tenha sido sequer indiciada pela autoridade policial, que concluiu o caso sugerindo o arquivamento".
Egon Heck comenta que "qualquer movimentação dos índios é rechaçada imediatamente, através de paramilitares, milícias armadas, pistoleiros dos fazendeiros e todo o poder econômico" e isso tudo com a leniência do aparelho de estado matogrossense.
Os índios não confiam nas polícias Militar e Civil de Mato Grosso do Sul. Segundo Otoniel Ricardo, representante da aldeia Te´yikue, de Carapu (MS) a política estadual é anti-indígena. "Por isso, não confiamos nas polícias estaduais e queremos maior presença da Polícia Federal e da Força Nacional".
O Mato Grosso do Sul é reconhecidamente o estado mais anti-indígena do Brasil. "Os índios guaranis vivem situação de extermínio silencioso. Ninguém no governo federal ousa enfrentar os interesses do agronegócio no estado comandado pelo governador do PMDB André Puccinelli, enquanto que a mídia mostra sua total insensibilidade", comentava já em 2010 , pesquisadora Marta Azevedo, do Núcleo de Estudos da População (NEPO) da Unicamp.
É em função desse quadro que o Cimi, como já foi destacado anteriormente, pediu a intervenção federal em Mato Grosso do Sul. Quantas mortes e violência terão de ocorrer para que tal decisão seja tomada? Interpelou a entidade.
Onde está o governo federal?
Ao mesmo tempo em que há um sentimento de insegurança, desconfiança e temor com a forma como se comporta o Estado local, os indígenas sentem-se também desprotegidos pelo governo federal.
"A presidenta Dilma está muito distante da questão indígena. Por ser mulher, eu imaginava que ela teria mais atenção. Alguém precisa amolecer o coração dela, pois não fomos nós que criamos toda essa situação. O Brasil está parado na questão indígena", afirma Anastácio Peralta, da aldeia Panambizinho, de 1,2 mil hectares, localizada a cerca de 17 quilômetros do centro de Dourados (MS).
Foi necessária uma nova morte para o Estado brasileiro "aparecer’. Sentimento esse descrito por Egon Heck: "Eu tenho impressão de que o governo federal infelizmente só dá respostas com o mínimo de retorno nesses momentos extremos, em situações de grande violência e morte. Mas a questão indígena é responsabilidade total do governo federal, no sentido de garantir a vida e o acesso aos recursos e patrimônios da natureza. Infelizmente, não se tem avançado no sentido, diversas vezes sugerido, de contar, ao menos num primeiro momento, com a ajuda da polícia e da Força Nacional de Segurança, equipes com preparação específica para atuar com grupos étnicos diferentes, de culturas diversas".
De fato, foi necessária a repercussão da morte do cacique Nísio Gomes para o governo federal se manifestar de forma mais incisiva. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse que a solução dos problemas indígenas no Mato Grosso do Sul é "questão de honra": "Para nós, a questão indígena mais importante é Mato Grosso do Sul, onde a incidência de violência e morte é acentuada e a situação de perdas de criança nos ofende profundamente. Estamos fazendo todo o esforço [para reverter essa situação]".
De acordo com o ministro, o governo federal vai divulgar uma série de políticas públicas para os cerca de 44 mil índios da região. "Está próximo [o fechamento de] um acordo com o governo do estado para que a gente consiga ter uma área delimitada para os Guarani-Kaiowá. É uma preocupação, um compromisso", garantiu Gilberto Carvalho.
Ato contínuo, o secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, Paulo Maldos deslocou-se para a região e ele próprio foi alvo da truculência dos fazendeiros da região. Mesmo acompanhado pela Força Nacional de Segurança, a sua comitiva foi interpelado dedo em riste pelo presidente do Sindicato Rural de Iguatemi Márcio Margatto, político e fazendeiro, que além de filmar a comitiva, num gesto de arrogância e prepotência fez ameaças publicamente: "Vamos queimar esses ônibus com índios! Índios vagabundos! Ficam invadindo fazendas. Esses índios vão pagar pelos seus atos, invasores das fazendas! Por isso tiro fotos... Ninguém pode com nós! Nós que mandamos aqui. Vai acontecer do jeito que nós queremos, nunca vamos deixar os índios e nem a Funai invadir fazendas", disse o fazendeiro, representante patronal de sua categoria e político.
A postura vacilante do secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria-Geral da Presidência Paulo Maldos, que naquele momento representava o Estado brasileiro, foi criticada pelo jornalista Janio de Freitas: "Por que não foi feita pela Força Nacional, sempre fortemente armada, a prisão dos jagunços que sujeitaram uma comitiva representante da Presidência da República e em missão de defesa da proteção constitucional aos indígenas?". Segundo ele, "a prisão dos agressores era dever legal e obrigação funcional da Força, a própria razão de sua presença acompanhando a comitiva oficial. O Ministério da Justiça, ao qual a Força Nacional está subordinada, não explicou a omissão".
Continua o jornalista: "O caso de Mato Grosso do Sul é mais completo. Os portadores da violência, conflitantes por terras, têm até representantes no Congresso, contam com vozes contra um Código Florestal como o país precisa e, contra as reservas indígenas, contam também com militares. As vítimas - ora, as vítimas são índios, esses bugres que já deviam ter morrido há séculos sob os ferros da escravidão que repeliram. E cuja recusa continuam pagando".
"Quando o boi vale mais que o índio’
A situação de abandono e sofrimento dos indígenas fez com que o kaiowá Guarani Anastácio dissesse: "Aqui o boi vale mais do que uma criança guarani", ou ainda a afirmação de outra liderança guarani: ''Quase não temos mais chance de sobreviver neste Brasil''.
Não é apenas "o boi que vale mais do que uma criança guarani", também a soja e, sobretudo, a cana-de-açucar. A dramática situação do povo kaiowá Guarani deve-se ao fato de que os mesmos "estão fora do lugar". O que tem valor e é valorizado no Estado são as commodities.
Como diz Egon Heck, "o que a gente percebe é, na verdade, uma prática articulada pelo poder econômico e político no Mato Grosso do Sul, baseada fundamentalmente na produção exportadora e na monocultura da soja, além da agroindústria da cana, que está se agravando em níveis extremamente perigosos e absurdos".
É novamente o indigenista Egon Heck quem ilustra bem o contraste da situação vivida no Mato Grosso do Sul. "De um lado, se tem um dos estados de economia mais florescentes do País, baseado na monocultura de milho, na criação de gado e, agora, a monocultura da cana-de-açúcar está entrando com muita força. E, por outro lado, há muitas populações expulsas do campo, dentre elas principalmente as indígenas. Essas são as mais afetadas, pelo fato de suas terras se situarem, em geral, nas áreas mais férteis que são as de mata Atlântica, no extremo sul do estado, as terras Guarani-Kaiowá."
Continua ele: "Hoje, na região, existem mais de 20 milhões de cabeça de gado que dispõem de 3 a 5 hectares de terra por cabeça, enquanto os índios Guarani-Kaiowá não chegam a ocupar um hectare por índio. Assim, com falta de terra, centenas de sem terras indígenas são obrigados a se deslocar para a beira das estradas. Essa é uma situação calamitosa para essas populações, além de gritante em termos de injustiça para com os povos indígenas e os trabalhadores sem-terras", diz o coordenador do Cimi-MS.
Portanto, a agressão sistemática contra os povos indígenas e até mesmo a tentativa de eliminá-los está relacionado ao modelo agrícola concentrador de terra e produtor de commodities voltado para o mercado internacional.
Aqui reside a contradição. Por um lado, o modelo econômico vigente estimula e favorece a plantation de commodities - soja, cana – e a commoditie pecuária – gado. É nisso que se tranformou o Mato Grosso do Sul. Por outro lado, o Estado brasileiro fala no respeito às minorias, nos direitos sociais, ambientais, culturais. Aqui entram os indígenas. Povo milenar, proprietário primeiro das terras, portador de outra visão de mundo distante do produtivismo e consumismo do capitalismo predador.
As duas dinâmicas se chocam, não são conciliáveis. Quem poderia proteger os mais fracos é o Estado, mas esse permanece preso ao modelo neodesenvolvimentista – ancorado boa parte na produção de commodities. A não confrontação do Estado ao agronegócio como se viu também no Código Florestal, já manifesta uma opção. Nessa equação, perdem os mais fracos, perde o povo kaiowá Guarani.
Belo Monte – decisão de desembargadora desrespeita Constituição e OIT
"Pouco importa quando os índios serão ouvidos, se antes ou depois da autorização do Congresso"
(Maria do Carmo, desembargadora do TRF1).
"Considero desrespeito aos povos indígenas propor uma consulta feita após as obras estarem decididas"
(Felício Pontes Júnior, procurador do Pará).
Belo Monte é outro front em que se manifesta o descaso e o rolo compressor sobre os povos indígenas. Neste caso, age-se simultaneamente contra uma legislação nacional – a Constituição federal brasileira – e contra uma convenção internacional – a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
O pomo da discórdia desta vez é o voto de uma desembargadora do TRF1, Maria do Carmo, que – em novo julgamento da Ação Civil Pública (ACP) 2006.39.03.000711-8 (que questiona a não realização de oitivas indígenas no processo de licenciamento de Belo Monte, como manda a Constituição), realizado no dia 9 de novembro, pelo Tribunal Regional Federal da primeira região (TRF1) em Brasília – votou pelo indeferimento da ACP. Com seu voto, Maria do Carmo defende que não há impacto quando as obras ou a barragem não incidem diretamente nas Terras Indígenas e, portanto, é desnecessária a realização de consultas. "Pouco importa quando os índios serão ouvidos, se antes ou depois da autorização do Congresso", afirmou a desembargadora.
"Ao dizer que tanto faz se os indígenas são ouvidos, tanto faz quando e como, que os índios não serão considerados mesmo, Maria do Carmo apaga e anula o dispositivo do parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição Federal. Com seu voto, afirma que a Constituição do país é irrelevante", avalia a advogada Biviany Rojas, do Instituto Socioambiental, que tem acompanhado o caso.
Para a indígena Sheyla Juruna, do Movimento Xingu Vivo para Sempre. "Esta decisão comprova que não há isenção da Justiça nesse país, que com um pouco de pressão o governo tudo pode, tudo consegue, tudo compra. Não temos mais ilusão de que o governo ou a Justiça tenham algum apreço pela Constituição do nosso país quando são os nossos direitos que estão em pauta. Podemos contar apenas com a nossa luta. Mas a desembargadora pode estar certa de que não esqueceremos jamais o que ela nos causou no dia de hoje. O peso desse voto contra nós ficará sobre ela para sempre".
A opinião de que o voto da desembargadora equivale à anulação de um artigo da Constituição também é compartilhada por procuradores do Pará. "Sugerir que a consulta pode ser feita após a autorização é tão desrespeitoso que chega a ser absurdo", comenta em nota o procurador-chefe do MPF no Pará, Ubiratan Cazetta. "A consulta não tem nada de privilégio, é uma questão de sobrevivência dos povos indígenas assegurada pela Constituição Federal, da qual não se pode afastar o Judiciário", acrescentou o procurador.
Já Felício Pontes Júnior considera um "desrespeito aos povos indígenas propor uma consulta feita após as obras estarem decididas". Felício tem acompanhado de perto as decisões sobre a construção de Belo Monte e analisado os impactos que a obra irá gerar nas comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas que vivem nos entornos do rio Xingu. Para ele, a decisão da desembargadora põe em dúvida não apenas a eficácia da Constituição Federal, mas também a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Felício Pontes Júnior, na entrevista à IHU On-Line, esclarece que "o acórdão consagra o fato consumado em direito ambiental, ou seja, diante da demora do próprio Judiciário em julgar o caso, como a obra está adiantada e existe vontade política do governo de fazê-la, o Judiciário lava as mãos e não pode fazer nada. É inacreditável, mas é esse um dos argumentos da decisão".
De acordo com o procurador, "ao rebaixar a consulta a uma questão menor, sem importância, o TRF1 na prática atenta contra a sobrevivência dos povos indígenas. O que vai ter reflexos gravíssimos muito em breve sobre as outras 20 hidrelétricas que o governo federal projeta construir na Amazônia até 2020".
Mas, de acordo com o procurador, o movimento indígena e todos aqueles/as que estão comprometidos com a sua causa e a defesa do meio ambiente, não vão se conformar com essa decisão. "Vamos até o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, para saber se, afinal, nossa Carta Magna ainda é válida no Brasil ou se foi revogada a parte que protege os índios, os quilombolas, os ribeirinhos e o meio ambiente".
Na mesma entrevista, o Felício Pontes Júnior, que também se notabilizou na defesa do projeto da Irmã Dorothy Stang, fala do enorme impacto que a obra de Belo Monte terá sobre muitos territórios indígenas.
O fato é que os indígenas estão redobrando suas mobilizações para exigir seus direitos. No final de novembro, cerca de 300 indígenas das etnias Xipaya, Xicrin, Kuruaya, Arara, Juruna, Assurini, Araweté, Apiterewa e Kayapó, afetadas por Belo Monte, se reuniram em Altamira para cobrar respostas definitivas sobre o cumprimento de medidas relacionadas aos impactos gerados pela usina de Belo Monte na região.
Em Colíder, no Mato Grosso, indígenas entraram na coordenadoria regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) e ordenaram para que o coordenador substituto Sebastião Martins, se retirasse. Eles querem o retorno do índio Megaron Txucarramãe, uma das principais lideranças indígenas Kayapó, ao cargo, exonerado no último dia 31 de outubro.
Megaron fez parte do quadro da regional desde 1995, atuando em diferentes funções até assumir a coordenadoria. A causa da exoneração estaria diretamente ligada à oposição da construção de hidrelétricas planejas pelo governo federal no Nortão e, também, a Belo Monte, no rio Xingu (PA).
A nova investida sobre terras indígenas e o desrespeito aos seus direitos está, mais uma vez, relacionada a questões econômicas, tanto neste caso, como em todos os demais envolvendo povos indígenas, ribeirinhos ou outros. Na análise do antropólogo Márcio Meira, presidente da Funai, "a expansão econômica do País exige mais energia e a grande fonte é a Amazônia, onde está a maioria das terras indígenas. Tudo deve ser feito com o máximo de diálogo. E é aí que entra a consulta prévia aos povos indígenas, que, embora prevista na Constituição, não foi regulamentada".
A consulta prévia é um direito dos Povos Indígenas
A Constituição Federal assegura o direito dos povos indígenas à consulta prévia antes da construção de um empreendimento que possa gerar impacto às comunidades. No entanto, como se vê esse direito é desrespeitado no Brasil. Para garantir a participação dos indígenas nas decisões políticas, a Organização Internacional do Trabalho – OIT adotou a Convenção 169, a qual, segundo Ricardo Verdum, "trouxe uma série de inovações no trato de questões relativas aos povos indígenas e tribais no âmbito dos estados nacionais. Entre elas, o direito dos povos indígenas serem consultados em todas as decisões legislativas ou administrativas que os afetem, de maneira prévia, livre e informada, cabendo aos estados nacionais garantir as condições adequadas para que isso ocorra". Ricardo Verdum é doutor em Antropologia pela Universidade de Brasília – UnB e assessor político do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc.
Nesta entrevista especial à IHU On-Line, Verdum discorre sobre a origem do Direito de Consulta Prévia, Livre e Informada dos Povos Indígenas, assim como sobre a inovação e essência desse mecanismo. "O direito dos povos indígenas à consulta prévia, livre e informada é parte do sistema internacional de promoção e proteção dos direitos humanos desde 1989. Nesse ano, por pressão de intelectuais, indigenistas, lideranças e organizações indígenas, entre outros, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, organização integrante do chamado Sistema das Nações Unidas, adotou uma nova convenção, conhecida como "Convenção 169 da OIT’. Essa convenção trouxe uma série de inovações no trato de questões relativas aos povos indígenas e tribais no âmbito dos estados nacionais. Entre elas, o direito dos povos indígenas serem consultados em todas as decisões legislativas ou administrativas que os afetem; de maneira prévia, livre e informada, cabendo aos estados nacionais garantir as condições adequadas para que isso ocorra. Isso está estabelecido nos Artigos 6º, 7º e 15º".
A Convenção 169, explica Ricardo Verdum, "é hoje o único instrumento jurídico internacional sobre os direitos humanos dos povos indígenas. A partir dela é reconhecido o direito dos povos indígenas à autodeterminação. Isso tem implicações legislativas e administrativas, como também deveria ter implicações institucionais e práticas na relação do Estado com as comunidades locais. Ela assegura a todos os povos indígenas o direito de manifestar livremente sua vontade e é uma das formas principais de garantir todos os direitos dos povos indígenas. Além disso, deverão ser-lhes garantidas as condições para mover ações legais, individualmente ou por meio de suas formas próprias de representação coletiva, a fim de garantir a proteção efetiva de tais direitos".
O flagrante desrespeito à aplicação do direito à Consulta Prévia levou povos indígenas e instituições que defendem seus direitos a elaborarem, em outubro passado, um documento que contém sugestões para regulamentação e aplicação do Direito de Consulta Prévia, Livre e Informada dos Povos Indígenas no país. O documento foi entregue na última semana para o Governo. Isso porque, embora esteja assegurado na Constituição, o direito de os povos indígenas afetados por Belo Monte serem consultados adequadamente antes da realização da obra está em discussão no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Esse, contudo, não é o único caso de desrespeito a esse direito. Aconteceu também no caso dos povos indígenas afetados pela obra de transposição do rio São Francisco. Recentemente, os kayabi e munduruku mantiveram reféns sete funcionários da Funai e da Empresa de Pesquisa Energética – EPE. Eles reclamavam da falta de diálogo do governo com os povos indígenas afetados pela usina hidrelétrica de São Manoel, na divisa dos estados do Pará e do Mato Grosso. Na região Sul, no estado do Paraná, há o caso da Usina Hidrelétrica Mauá, localizada no rio Tibagi, entre outros casos.
Entretanto, o desrespeito aos direitos dos povos indígenas não é uma exclusividade brasileira. Recentemente, ocorreram na Bolívia as manifestações dos indígenas que vivem no Território Indígena e no Parque Nacional Isiboro Sécure – Tipnis. Eles reclamaram de não terem sido consultados antes de definir que seria construída uma estrada no interior da área indígena. Em 2008-2009 foram recorrentes os conflitos na região de Bagua, no Peru, em decorrência da intenção do governo do presidenteAlan García de entregar os territórios indígenas a empresas extrativistas do setor de petróleo e gás.
Ainda no Peru, um dos primeiros atos do atual presidente, Ollanta Humala, foi cancelar a concessão que a empresa brasileira OAS tinha para construir a hidrelétrica de Inambari. Isso aconteceu porque as comunidades indígenas não haviam sido consultadas a respeito da obra.
Há também o caso dos u’wa e a empresa Occidental Petroleum. Amparados no marco jurídico vigente na Colômbia, os u’wa questionaram a licença concedida pelo governo para que a petroleira explorasse em área adjacente ao seu território, sem que às comunidades indígenas fosse garantido o direito fundamental de consulta prévia. Ao final, a Corte Constitucional daquele país concluiu que o que havia sido realizado era, de fato, um processo de informação à comunidade, mas não de consulta, ordenando que o Executivo a fizesse com os u’wa.
Conjuntura da Semana em frases
Meu Padim Cícero
"O câncer vai fazer Lula se tornar o padre Cícero" - José Nêumanne Pinto, jornalista, autor do livro "O que sei de Lula" – comunique-se, 30-11-2011.
Crise de identidade
"O problema que o PSDB encontra, e não reconhece, é de identidade. Pensou representar a social-democracia e quem a praticou, nos seus próprios termos, foi outro. Sem olhar-se no espelho, o PSDB não poderá sair para vida nova" – Jânio de Freitas, jornalista – Folha de S. Paulo, 29-11-2011.
Objetiva
"Eu tenho 63 anos de idade, uma filha com 34 anos, um neto de um ano e dois meses. Eu não sou propriamente uma adolescente e eu diria também (que não sou propriamente) uma romântica. Acho que a vida ensina a gente. Acho que a gente tem de respeitar as pessoas, mas eu faço análises muito objetivas" – Dilma Rousseff, presidente da República – Zero Hora, 03-12-2011.
Como no começo
"Chegamos ao final do ano exatamente como começamos, com os governantes reagindo apenas em função das denúncias publicadas pela imprensa e de decisões da Justiça" –Ricardo Kotscho, jornalista – no seu blog, 26-11-2011.
Gagás
"Paulinho (deputado federal – PDT-SP e presidente da Força Sindical) perdeu mais uma chance de ficar calado. Ele deveria saber que Churchill assumiu o poder na Inglaterra com 70 anos. E que Nero botou fogo em Roma aos 27" – Pedro Taques, senador – PDT-MT, condenando o ataque de seu correligionário aos integrantes da Comissão de Ética Pública, chamados pelo deputado de "gagás" e "retardados" por terem recomendado a saída de Carlos Lupi – Folha de S. Paulo, 02-12-2011.
Síndrome
"É pena: a política virou síndrome da imunodeficiência do faz de conta. Uma espécie de aids social" – Flávio Tavares, jornalista – Zero Hora, 04-12-2011.
Sírio
"O futuro da política brasileira está nos prontuários médicos do hospital Sírio-Libanês" –Elio Gaspari, jornalista – Folha de S. Paulo, 04-12-2011.
Dissidentes
"O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) não irá acabar e nem mudará o rumo das suas ações políticas pela saída dos 51 dissidentes" – João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST – Zero Hora, 28-11-2011.
Direita, extrema esquerda
"Já tivemos no movimento dissidentes que saíram e se ligaram à direita e agora temos este grupo que vai para a extrema esquerda" – João Pedro Stedile, da coordenação nacional do MST – Zero Hora, 28-11-2011.
Anistia
"O terrorista falou, é verdade. A direita falou, é mentira. Quem faz isso é o Partido Comunista" - Maurício Lopes Lima, tenente-coronel reformado, celebrando a decisão judicial que o livra de responder pelas torturas praticadas na Oban – Folha de S. Paulo, 30-11-2011.
Brasil vs Itália
"A Itália está em crise. O Brasil não. A renda média de um italiano, de US$ 37 mil por ano, é quase três vezes a nossa. Se a renda per capita brasileira crescer 3% a cada 12 meses, vai levar 35 anos para atingir o ganho de hoje dos italianos. Que tal mirar a renda dos franceses em crise? Com 3% de alta no PIB per capita, o Brasil empata o jogo perto de 2055, com meio século de atraso" – Vinicius Mota, jornalista – Folha de S. Paulo, 28-11-2011.
Cabala
"A palavra "sustentável" hoje em dia é como "ética", "Cabala", não quer dizer nada. É como escrever na porta de uma padaria "sob nova direção" só para atrair clientes. Propaganda provinciana" – Luiz Felipe Pondé, professor de Filosofia – Folha de S. Paulo, 28-11-2011.
Sopro
"A vida é um sopro e o importante não é a arquitetura, mas sim os amigos e este mundo injusto que devemos modificar" – Oscar Niemeyer, arquiteto, completando 104 anos de idade no próximo dia 15 – Folha de S. Paulo, 30-11-2011.
Carros inseguros
"Objeto de privilégios e isenções fiscais concedidos pelo Estado, os fabricantes de veículos, em alguns aspectos, tratam os brasileiros como cidadãos de segunda classe" –editorial "Carros inseguros" – Folha de S. Paulo, 28-11-2011.
Populares
"Para baratear os modelos mais populares, um dos subterfúgios é abrir mão de itens de segurança, que possivelmente poderiam estar instalados no produto final caso houvesse um pouco mais de concorrência externa" – editorial "Carros inseguros" – Folha de S. Paulo, 28-11-2011.
Marx ou Thatcher?
"Quando você ouve Raúl Castro falar, parece mais Margaret Thatcher [premiê britânica de 1979 a 1990] do que Karl Marx, por causa de sua ênfase em produtividade, em eficiência, em acumulação de capital" - Julia Sweig, do CFR (Council on Foreign Relations) – Folha de S. Paulo, 03-12-2011.
Nada a ver
"O livro "O Cofre do Dr. Rui" conta que Carlos Lamarca deu a Dilma Rousseff o apelido de Mônica "porque ela era dentuça e mandona" como a personagem de Maurício de Sousa, mas é bom que se esclareça o seguinte: o jeito de falar do Cebolinha nada tem a ver com a língua presa de certos companheiros do PT" - Tutty Vasques, humorista – O Estado de S. Paulo, 30-11-2011.
Solidão
"Pelo que vejo de homens e mulheres de expressão carregada, digitando incansavelmente, na rua, na fila do banco, nas salas de espera, nos saguões e até nos restaurantes - o que essas pessoas tanto falam umas com as outras? -, desconfio que a busca da comunicação seja a mesma (de antes). A fartura de meios não eliminou a solidão" – Ruy Castro, escritor – Folha de S. Paulo, 03-12-2011.
Prova
"A jovem que na época do "TV Mulher", 30 anos atrás, ficava atordoada com a "prova de amor" exigida enfrenta hoje o mesmo problema. A diferença é que antes a prova era a virgindade, hoje é o sexo sem camisinha. O combate à Aids tem que ser em todos os campos, de todas as formas, se quisermos realmente acabar com essa doença" – Marta Suplicy, senadora – PT-SP – Folha de S. Paulo, 03-12-2011.
Mijou!
"O FMI veio pedir grana emprestada! O poste mijou no cachorro. Ficamos independentes do FMI e dependentes do PMDB! E não podemos gritar "Fora, FMI"! Acabaram com o slogan do PSTU e do PSOL!" - José Simão, humorista – Folha de S. Paulo, 03-12-2011.
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Conjuntura da Semana. Kaiowá Guarani: Um povo martirizado. ''Quando o boi vale mais que o índio'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU