Por: Caroline | 25 Agosto 2014
“Deter ao agressor injusto”. “Com as armas se for necessário”. São alguns dos apelos do Papa, que acreditam ser pacifista, para que sejam protegidas as populações agredidas pelo califado islâmico.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Chiesa.it, 22-08-2014. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/GeYo5h |
Coloca, em primeiro lugar, a oração. Mas não desdenha as artes da diplomacia e nem tão pouco hesita em convocar os exércitos.
A geopolítica do Papa Francisco opera nestes três ambitos, dos quais o terceiro é o mais surpreendente. É exatamente o oposto do pacifismo absoluto que parecia caracterizar o início deste pontificado.
Efetivamente, há um ano, a jornada de oração e jejum contra a intervenção militar do Ocidente na Síria, com o rosário recitado na Praça de São Pedro, foi o ato com o qual Francisco pareceu anunciar ao mundo como ele, o Papa, tinha intenções de se mover, desde aquele momento, adiante no que se refere aos teatros de guerra. Com as mãos desnudas, desarmadas, lançadas ao céu.
E o mundo, por um instante, pareceu obedecer-lhe, com quase a totalidade dos governos contrários ao ataque, incluídas a opinião pública dos Estados Unidos e da França, os únicos dois Estados tentados pela intervenção, e incluídos os beligerantes da Síria, onde a guerra ainda não acabou, mas ao contrário, se tornou mais cruel.
Meses depois, Francisco recorreu novamente à oração pela paz entre Israel e os árabes. Conseguiu que dois presidentes inimigos, Peres e Abu Mazen, invocassem a Deus junto com ele, no Vaticano. Desta vez com efeitos menos ilusórios e o rápido precipitar-se para uma nova guerra.
Com um crescente ceticismo, as chancelarias cobram de Francisco o fato de preferir a via de fuga da oração ao invés da dura confrontação com a realidade.
Contudo isso não é assim, porque Francisco, desde o início, tem unido a oração com a paciência e a astucia da Realpolitik.
Demitido o inepto cardeal Tarcisio Bertone, ele colocou à frente da Secretaria de Estado um diplomata de carreira, o cardeal Pietro Parolin, cujos conselhos ele ouve diligentemente.
O Papa Francisco sempre evitou opor-se publicamente a um ou outro adversário no campo, principalmente se forem mulçumanos, também às custas de calar sua solidariedade com as vítimas cristãs perseguidas por sua fé, como nos casos da paquistanesa Asia Bibi ou a sudanesa Meriam, passando pelas estudantes nigerianas sequestrads por Boko Haram.
A diplomacia de Francisco também suporta em silêncio as bofetadas, na esperança de futuros exitosos. Em relação à chegada do Papa na Coréia do Sul, no último dia 14 de agosto, a Coréia do Norte zombou disparando três mísseis de demonstração e cancelando o envio de suas delegações.
Quanto à China, o Vaticano tem como crédito o fato de que Pequim permitiu, pela primeira vez, que um Papa sobrevoasse seu território, com o correspondente envio de mensagens de cortesia.
Entretanto a indiferença é majoritária. As autoridades de Pequim permitiram que apenas alguns poucos católicos fossem a Coréia saudar Francisco. Obrigaram que os sacerdotes chineses residentes neste país voltassem. Porém, e principalmente, não deram nenhum sinal de afrouxamento da repressão contra o catolicismo na China, onde o número um da hierarquia em comunhão com Roma, o bispo de Shanghai Thaddeus Ma Daqin, está em prisão domiciliar desde sua nomeação e muitos outros bispos e sacerdotes estão presos ou desaparecidos.
Ao combativo cardeal de Hon Kong, Joseph Zen Ze-kiun, as autoridades vaticanas lhe impuseram o silêncio para que “deixasse a diplomacia trabalhar”. Desde que Francisco é Papa a comissão pró-China criada por Bento XVI em 2007, da qual Zen é homem guia, não voltou a ser convocada. Este envia com regularidade ao Papa cartas de informação e disse desconsolado: “Espero ele que as leia”.
Há, contudo, um nível de tolerância que vai além do que o próprio Papa Francisco admite como uso da força. E é o que ocorre com o recém-criado califado islâmico no Iraque e na Síria.
Quando em 08 de junho houve o caso de Mosul, as autoridades vaticanas reagiram com extrema cautela. Entretanto depois de que, nos primeiro dias de agosto, a província de Nínive caiu nas mãos do califado, o que para os cristãos e as outras minorias religiosas significou o desastre, com milhares de assassinatos por puro ódio de fé, os pedidos de ajuda surgiram com tal força dessas terras que um representante oficial da diplomacia vaticana, o observador permanente frente as Nações Unidos em Genebra, Silvano Tomasi, quebrou o silêncio e invocou várias vezes uma intervenção da comunidade internacional “para desarmar o agressor”.
O último ocorrido de uma situação como esta remete ao ano de 1992, quando João Paulo II solicitou uma “intervenção humanitária” armada para deter os massacres na antiga Iugoslávia. Em 2005 a Assembleia Geral da ONU aprovou o início da “responsabilidade de proteger” com armas as populações em risco de assassinato em massa e, em 2008, Bento XVI defendeu o valor deste princípio em um discurso nesta mesma Assembleia, no Palácio de Cristal em Nova York.
O Papa Francisco não se expôs pessoalmente de maneira imediata neste terreno.
Desejou que primeiro se expressassem os bispos iraquianos, unânimes ao invocar uma intervenção militar massiva.
Ele permitiu que o Pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso, presidido pelo cardeal Jean-Louis Tauran, publicasse um tremendo e minucioso ato de acusação contra o califado islâmico, exigindo do mundo mulçumano uma clareza semelhante de julgamento.
Enviou ao Iraque como seu “alter ego” o cardeal Fernando Filoni, anteriormente núncio nesse martirizado país.
E por último o próprio Francisco, em uma carta ao secretário geral da ONU Ban Ki-Moon, datada de 13 de agosto, pediu a comunidade internacional que “faça tudo o que for possível para deter e prevenir mais violências sistemáticas contra as minorias étnicas e religiosas”.
De volta a Coréia disse inclusive que está disposto a ir também ao Iraque, em plena “terceira guerra mundial” que se combate aqui e ali, com “níveis de crueldade que dão horror”, porque “deter ao agressor injusto” não é apenas lícito, mas um dever.
Em resumo: um exército para fazer a paz. Mas a esta convocatória papal a resposta dos governos e da ONU tem sido até agora fraca e, inclusive, surda.
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Um exército para fazer a paz. A geopolítica de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU