25 Agosto 2015
"Esquerdistas na hierarquia? Só se o sujeito identificar o centro com o papado, que deu uma guinada (ainda mais acentuada) para a direita após o Conclave de 2005", escreve Robert Mickens, editor-chefe da revista Global Pulse, em artigo publicado por Commonweal, 19-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Quem pode esquecer o turbilhão dos primeiros meses de pontificado do Papa Francisco em 2013?
A começar pela escolha surpreendente de assumir o nome do amado e convincente santo de Assis, parecia que a cada dia ele tomava uma decisão inovadora. Entre estas estava a de se retirar do Palácio Apostólico e ir morar com outros sacerdotes, funcionários do Vaticano, na residência Santa Marta, onde todos os cardeais se hospedaram durante o Conclave que o elegeu.
Em retrospectiva, no entanto, parece que o momento mais profético de todos veio em 8 de julho daquele ano.
Em vez de sair de férias para os Alpes italianos ou se transferir para uma residência papal de verão em Castel Gandolfo, como todos os seus antecessores recentes faziam, Francisco foi para Lampedusa.
Mas ele não se deslocou até a pequena ilha situada entre a Sicília e Malta para passar seus dias de férias de verão. Em vez disso, ele foi lá para chamar a atenção do mundo sobre uma questão que a maioria das pessoas não quer encarar: a situação dos migrantes e refugiados que fogem da pobreza e/ou da perseguição, da guerra ou da miséria humana, em busca de uma vida melhor e mais segura na Europa e além.
“Imigrantes mortos no mar, daqueles barcos que em vez de ser um caminho de esperança foram caminho de morte”, disse o Papa, no começo de sua homilia na missa realizada para essas pessoas.
“Quando há algumas semanas recebi esta notícia, que infelizmente tantas vezes se repetiu, o pensamento voltou continuamente como um espinho no coração que traz sofrimento. E então senti que devia vir aqui hoje para rezar, cumprir um gesto de proximidade, mas também para despertar as nossas consciências para que isso que aconteceu não se repita”.
Estas palavras do Papa Francisco não foram ouvidas e, infelizmente, aquela tragédia se repetiu uma e outra vez.
Deveríamos meditar com esmero a partir das palavras desta sua homilia em Lampedusa.
Recusamo-nos a assumir a responsabilidade pelos nossos irmãos e irmãs; lavamos nossas mãos, disse ele naquele dia.
“Neste mundo da globalização caímos na globalização da indiferença. Nós nos habituamos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é tarefa nossa”, continuou ele.
Esse não é um problema apenas europeu. E o Papa Francisco provavelmente irá repetir estas palavras, ainda com mais força, no próximo mês quando discursar à ONU em Nova York e ao Congresso americano, em Washington.
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O Papa tem deixado muitas pessoas desconfortáveis ao insistir que a Europa se torne mais hospitaleira para com os migrantes e refugiados que chegam ao continente.
A Igreja na Itália, da qual Francisco é o Primaz, respondeu aos apelos feitos por ele abrindo espaços nas paróquias, nos conventos e seminários – alguns destas instalações estão semivazias – para oferecer abrigo temporário a essas pessoas em trânsito. E um pequeno punhado de bispos se manifestou contra políticos e outros que estão alimentando sentimentos de xenofobia.
Nesta semana, o Cardeal Angelo Bagnasco, de Gênova, a quem Bento XVI nomeou, em 2007, para ser o presidente da Conferência Episcopal Italiana – CEI, desafiou as Nações Unidas a tomar medidas mais “sérias e decisivas” no sentido de ajudar o país a lidar com esta “tragédia humanitária”.
Mas ninguém que veste uma mitra no Bel Paese tem sido mais crítico que Dom Nunzio Galantino. Ele é o ex-pastor de uma pequena diocese do sul que o Papa Francisco nomeou para ser o secretário geral da CEI dois anos atrás.
Dom Nunzio trabalhou como pároco e professor do seminário durante 35 anos, quando Bento XVI o nomeou, no final de 2011, para chefiar a Diocese de Cassano allo Jonio na pobre região, dominada pelo de crime, conhecida como a Calábria. Com apenas três anos no cargo, Francisco o chamou a Roma para ser seu representante pessoal dentro conferência dos bispos. Via decreto papal, Nunzio tornou-se o porta-voz nacional dos bispos, assumindo uma função normalmente reservada ao presidente da CEI.
Não é difícil ver por que o papa “impôs” Dom Nunzio à CEI e fez dele o presidente “de facto” do organismo episcopal. Os dois mantêm muitas semelhanças na forma como se expressam e, em geral, em suas opiniões teológicas e pastorais.
Porém, Dom Nunzio Galantino não é o papa e a sua linguagem mordaz – especialmente ao denunciar os políticos – tem provocado fortes reações que nunca seriam proferidas contra Francisco. O caso mais recente do bispo veio em um discurso escrito que ele enviou esta semana a um congresso em Trento, em que comparava a política italiana com “um quebra-cabeça de ambição pessoal dentro de um pequeno harém de pessoas astutas cooptadas”.
Nem todos os bispos italianos parecem satisfeitos com Dom Nunzio. Mas ele é o “bispo n.º 1” do pontífice. Onde ele receberá o seu barrete vermelho no próximo ano? Em Bolonha ou em Palermo?
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Parece que a primeira seção do artigo “Letter from Rome” [1], publicado semana passada, agradou algumas pessoas por, em primeiro lugar, revelar que os opositores do Cardeal Walter Kasper estão finalizando um novo livro onde estariam contrariando as propostas deste religioso que buscam um desenvolvimento da doutrina da Igreja sobre o matrimônio. O editor é, novamente, o padre agostiniano Robert Dodaro e o objetivo é publicar a obra antes da próxima Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos.
E, em segundo lugar, por também revelar que o Papa Francisco pessoalmente designou vários prelados mais alinhados com Kasper para participar do Sínodo.
A última frase da primeira seção do referido artigo foi pensada para ser burlesca: “Quem sabia que havia tantos ‘esquerdistas’ na hierarquia?” Mas, pelo contrário, em alguns setores ela causou suspiros de descrença, em outros disparou o alarme.
Esquerdistas na hierarquia? Só se o sujeito identificar o centro com o papado, que deu uma guinada (ainda mais acentuada) para a direita após o Conclave de 2005.
O artigo “Letter from Rome” fez com que um escriba, conhecido por ser um canal confiável dos pensamentos e preocupações dos principais assessores do pontificado anterior, oferecesse suas opiniões – ou as de alguém que vive na antiga residência do papa – em um longo e sinuoso artigo. [2]
O texto afirma que o editor do novo livro acima mencionado “é um professor alemão, e não o mesmo editor como em ‘Remaining in the Truth of Christ’”, título do primeiro volume da obra que o Pe. Dodaro supervisionou.
Será que é simplesmente um informação equivocada, ou já existe um outro livro?
Porque há poucos dias a Ignatius Press confirmou que Dodaro está, de fato, editando o livro, que conta com o sedutor título “Eleven Cardinals Speak on Marriage and the Family: Essays from a pastoral viewpoint” [Onze cardeais falam sobre o matrimônio e a família: Ensaios a partir de um ponto de vista pastoral, em tradução livre].
Alguém da Ignatius Press pode muito bem ter tirado da cartola este título. O seu pessoal foi tão rápido em publicar a sinopse do livro em seu site que nem sequer tiveram tempo para criar uma capa à obra, de 144 páginas.
E quem são os onze eminentes autores?
• Robert Sarah, de 70 anos, prefeito da Congregação para o Culto Divino.
• Carlo Caffarra, 77, arcebispo de Bolonha e presidente fundador do Pontifício Instituto João Paulo II para estudos sobre o Matrimônio e Família.
• Baselios Cleemis Thottunkal, 56, arcebispo maior da Igreja Siro-malancar da Índia.
• Paul Josef Cordes, 81, presidente emérito do Cor Unum.
• Dominik Duka OP, 72 anos, arcebispo de Praga.
• Joachim Meisner, 81, arcebispo emérito de Colônia.
• Camillo Ruini, 84, vigário emérito de Roma e ex-presidente da CEI.
• Antonio María Rouco Varela, 79, arcebispo emérito de Madri.
• Willem Jacobus Eijk, 62, arcebispo de Utrecht.
• John Onaiyekan, 71, arcebispo de Abuja.
• Jorge L. Urosa Savino, 73, arcebispo de Caracas.
Não deveria haver nenhuma preocupação em se encontrar algum esquerdista neste grupo.
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Bispos lutam pelos migrantes; cardeais lutam entre si - Instituto Humanitas Unisinos - IHU