Por: André | 22 Junho 2015
“Seremos nós mesmos. Esperemos que isso seja compreendido, porque o jogo da comunicação midiática, pela televisão, pode narrar de maneira verídica a realidade, mas, por outro lado, conhecemos os riscos da simplificação e dos mal entendidos que possa haver”. Na Riforma, revista das Igrejas Evangélicas batista, metodista e valdense, o pastor Eugenio Bernardini, moderador da Mesa Valdense, órgão de governo desta Igreja protestante, descreveu desta maneira as próprias expectativas e os próprios temores em relação à visita do Papa Francisco, que nesta segunda-feira, 22 de junho, visitará o templo valdense de Turim.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi e publicada por Vatican Insider, 20-06-2015. A tradução é de André Langer.
Não faltaram, ao longo dos anos e dos séculos, incompreensões e conflitos entre a Santa Igreja Romana e os protestantes. Por este motivo, a visita de Francisco (é a primeira vez que um Pontífice entra em uma Igreja valdense na história dos Papas) será um evento histórico. Mas que faz parte de uma atenção constante demonstrada por Jorge Mario Bergoglio, desde a época em que era arcebispo de Buenos Aires, pelo mundo reformado e por outras confissões da família cristã, começando pela ortodoxia.
“Na segunda-feira – disse Bernardini –, nós não teremos medo de reconhecer tudo o que nos une enquanto cristãos, discípulos de Jesus Cristo e discípulos do mesmo Deus. Mas também não teremos medo de indicar os aspectos teológicos e religiosos que ainda marcam as nossas distâncias, sobre as quais nós gostaríamos de trabalhar para fazer maiores progressos: esse é o ecumenismo. Franqueza e sinceridade, mas em um clima de escuta recíproca e de fraternidade, não de oposição e polêmica. Esta é a grande diferença com relação a um passado que não gostaríamos de retomar nestes tempos”.
A “Igreja evangélica valdense” tomou seu nome de Pedro Valdo, rico mercador de Lyon do século XII. Em um momento particular de sua vida, abandonou seus bens e dedicou-se a pregar o Evangelho aos pobres. Quando o arcebispo de sua cidade, Guichard, o convidou para que deixasse de pregar e de explicar as Sagradas Escrituras, Valdo se negou e, com todos os seus seguidores, foi expulso da diocese.
Alguns séculos depois, em 1532, os valdenses aderiram à Reforma protestante que nasceu das intuições de pessoas como Lutero e, sobretudo, Calvino. Após sangrentas perseguições, os valdenses sobreviveram desde o século XVI nos vales do Piemonte (na Itália), até que obtivessem o reconhecimento de seus direitos civis em 17 de fevereiro de 1848, por vontade do rei Carlos Alberto (que nesse mesmo ano concedeu os mesmos direitos civis e políticos aos judeus). E se difundiram por toda a Itália. Ainda hoje festejam a data de 17 de fevereiro.
Os valdenses italianos, que fazem parte da Comunhão Mundial das Igrejas Reformadas, são cerca de 30 mil. Os protestantes italianos “históricos”, isto é, que pertencem aos grupos que se formaram na época da Reforma ou antes, são cerca de 65 mil e representam 20% da população evangélica do país, que é formada principalmente por pentecostais e carismáticos, que se inspiram nos desenvolvimentos do protestantismo dos últimos séculos. Os valdenses, principalmente italianos, também estão presentes na América Latina e, especificamente, na Argentina.
No templo de Turim, durante a visita do Papa, estará presente o moderador das Igrejas valdenses do Rio da Prata. A Igreja valdense contou com grandes personalidades ao longo de sua história, como, por exemplo, o pastor Tullio Vinay, o diretor de cinema Luigi Comencini, o historiador Giorgio Spini...
Fundamentados na leitura da Bíblia e herdeiros de uma tradição de sobriedade litúrgica e de responsabilidade pessoal (muitas vezes comprometidos nos campos social e cultural), manifestaram posições que se afastam das posturas da Conferência Episcopal da Itália e do Vaticano em relação a temas da atualidade, como a bioética, ou em relação a questões teológicas mais fundamentais. Mas também não faltaram sintonias, por exemplo, com o mundo do catolicismo do dissenso, ou encontros no Vaticano, como a presença de um teólogo valdense, Daniele Garrone, na apresentação do livro de Bento XVI, Jesus de Nazaré.
E o mundo valdense também elogiou o Papa Francisco, desde o momento de sua eleição. O teólogo valdense Paolo Ricca falou, por exemplo, em “surpresa e desilusão” por sua conferência de 1985 sobre João Calvino, recentemente reimpressa, na qual Bergoglio, ao evocar a oposição entre jesuítas e calvinistas da época da Reforma, criticou o “calvinismo cismático”. Em uma entrevista concedida ao fundador do jornal italiano La Repúbblica, Eugenio Scalfari, o Papa corrigiu o seu interlocutor quando este ressaltava seu compromisso para integrar a catolicidade com os ortodoxos e com os anglicanos; Bergoglio acrescentou: “Com os valdenses, que são para mim religiosos de primeira ordem, com os pentecostais e, naturalmente, com os nossos irmãos hebreus”.
“Surpreende”, comentou com reconhecimento o pastor Bernardini, “o fato de que o Papa Francisco tenha citado os valdenses ao lado dos ortodoxos, dos anglicanos, dos pentecostais e dos hebreus, ou seja, comunidades de fé infinitamente maiores que a nossa pequena Igreja”. “Com Francisco, os tempos da Igreja de Roma parecem correr mais rápido e com maior velocidade. As análises envelhecem rapidamente. Surgem novas questões. E nos interrogam não apenas como cristãos que pertencem à família reformada, mas também como pequena Igreja que é intérprete de uma tradição teológica e espiritual muito específica. É uma oportunidade nova que nos encomenda grandes responsabilidades ecumênicas”. Um diálogo que continuará na próxima segunda-feira no templo valdense da Avenida Vittorio Emanuele II, de Turim.
A relação do Papa Francisco com o mundo protestante, além disso, é muito rica e variada. Teve muitas audiências e ocasiões de encontro. Sua atitude para com os reformados, herdeira de um ambiente familiar bastante tradicional, mudou, como ele mesmo contou, graças à sua avó. “Quando eu tinha quatro anos (era em 1940; nenhum de vocês havia nascido, eh?), andava na rua com a minha avó”, recordou Bergoglio em um encontro com a delegação do Exército da Salvação, que aconteceu no Vaticano no final de 2014, “nessa época, a ideia era que todos os protestantes iriam ao inferno. Mas, pela outra calçada vinham duas mulheres do Exército da Salvação, com esse chapéu que vocês usam... E lembro, como se fosse hoje, que eu disse à minha avó: ‘Essas, quem são? Freiras?’ E minha avó me disse: “Não, são protestantes, mas, são boas”. E assim, minha avó, pelo testemunho de vocês, me abriu a porta para o ecumenismo: a primeira pregação ecumênica que tive foi diante de vocês. Tthank you very much”.
Entre os encontros com representantes protestantes, é preciso recordar a audiência concedida à “querida irmã” Antje Jackelen, líder dos luteranos suecos, que aconteceu em maio deste ano; o encontro com Tony Palmer, amigo pessoal de Bergoglio e bispo pentecostal (que faleceu posteriormente em um acidente), que gravou uma mensagem de Francisco com seu telefone celular, e, no âmbito de uma audiência em um congresso ecumênico organizado pelo movimento dos Folocares, o presidente emérito da Federação Luterana Mundial, Christian Krause, que externou seu desejo de celebrar junto com o Pontífice romano os 500 anos da Reforma de 1517. Também foi significativa a audiência que Bergoglio concedeu aos promotores da tradução para a linguagem comum da Bíblia, tanto católicos como protestantes: “É uma boa ideia, porque as pessoas simples podem compreendê-la”, disse Francisco nessa ocasião.
Jorge Mario Bergoglio, além disso, provém de um continente em que os pentecostais, que alguns consideram uma “seita”, acumulam conversões e difundem o Evangelho. Um fenômeno que é visto com suspeita, mas também com interesse pelo mundo católico. O teólogo da libertação brasileiro Clodovis Boff, que não é nenhum simpatizante dos pentecostais, indicou, por exemplo, que “a emoção corre o risco de se converter em emocionalismo que beira a histeria; às vezes não se cria comunidade, mas uma espécie de supermercado religioso; o forte sentido de identidade pode transformar-se em arrogância e em sectarismo; a leitura bíblica é fundamentalista e há uma carência de cultura teológica; o rigor ético pode converter-se em ‘bonismo’; existem o risco de manipulação das massas, posturas políticas muitas vezes alienadas e alienantes e uma atitude antiecumênica e antidiálogo. Mas, se colocamos na balança as luzes e as sombras, o balanço é fundamentalmente positivo. Os pobres ganham, porque as Igrejas pentecostais os consolam, enquadram e lhes dão dignidade. E Cristo é anunciado”.
Também Jorge Mario Bergoglio conhece os limites e o dinamismo deste mundo. Em várias ocasiões encontrou-se com expoentes da galáxia carismática, católicos e protestantes. Como quando, em 1º de junho de 2014, foi ao Estádio de Roma para encontrar-se com os participantes de um evento organizado pela Renovação no Espírito, pelos International Charismatic Catholic Renewal Services e pela Catholic Fraternity of Charismatic Covenant Communities and Fellowship. E nessa ocasião inclinou-se para receber a bênção. O mesmo gesto se verificou novamente com cerca de 100 pastores evangélicos de orientação pentecostal de diferentes partes do mundo, em 07 de maio passado, dirigido por Giovanni Traettino.
E foi justamente este pastor, amigo de Bergoglio desde quando era arcebispo de Buenos Aires, que recebeu um gesto específico de amizade. Quando o Papa visitou Caserta, em julho de 2014, dois dias depois de um encontro com os católicos dessa cidade italiana, visitou sua comunidade, a Igreja Pentecostal da Reconciliação. “Entre os que perseguiram e denunciaram os pentecostais, como se fossem uns loucos que arruínam a raça, também estavam os católicos. Eu sou o pastor dos católicos e peço-lhes perdão por esses irmãos e essas irmãs que não compreenderam e que foram tentados pelo diabo”, disse o Papa durante a visita a Caserta. “Alguns – indicou com firmeza o Papa Francisco – se surpreenderam com o fato de o Papa ter vindo para se encontrar com os evangélicos. Vim para encontrar os irmãos”. E voltará a fazê-lo ao entrar, pela primeira vez na história dos Papas, no templo valdense de Turim.
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O tributo ao ecumenismo. Primeira vez que um Papa visita um templo valdense - Instituto Humanitas Unisinos - IHU