20 Julho 2018
"Quando visitei Acra, capital de Gana, em 1998, vi um outdoor, com a foto de Mandela, onde estava escrito: ‘Nelson Mandela, ontem filho da África, hoje Pai dos africanos’", destaca Nivaldo Santos Arruda (Paulo Borges), da equipe do CEPAT, que no último dia 18 de julho, por ocasião da celebração inter-religiosa do Centenário de Nelson Mandela, na Catedral de São Tiago, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, em Curitiba, ressaltou alguns aspectos fundamentais da trajetória desse grande líder mundial da luta pela igualdade.
Nelson Mandela (1918-2013), líder sul africano, presidente da África do Sul no período de 1994 a 1999, ativista contra o Apartheid, regime segregacionista implantado na África do Sul, que durou de 1948 a 1994. Pelo seu ativismo, foi preso e condenado, em 1964, à prisão perpétua, mas por pressão dos organismos internacionais e ativistas de direitos humanos, foi libertado em 11 de fevereiro de 1991. No centenário do seu nascimento, com base em sua luta e trajetória, desejamos refletir o que esse nome representou e o seu legado hoje.
Mandela nasceu em Mveso, África do Sul, em uma família nobre da etnia Xhosa. Recebeu o nome de Rolihlahla Dalibhunga Madiba Mandela. Ao ingressar na escola para seus estudos primários, sua professora o rebatizou com o nome de Nelson, em homenagem a um almirante que se chamava Horátio Nelson, seguindo o costume de dar nomes ingleses a todas as crianças que estudavam na escola.
Aos 9 anos, com a morte do pai, Mandela foi encaminhado para os cuidados de um líder do grupo Tambu, para completar seus estudos primários e mais tarde foi para o Instituto Clarkebury Boarding, uma escola exclusiva para negros, para estudar cultura ocidental e depois para um colégio interno. Só em 1939 foi que Mandela conseguiu ingressar no curso de direito da Universidade de Fort Hare, a primeira a ministrar cursos para negros. E é nessa Universidade que começa a despertar em Mandela o espírito de liderança dentro do movimento estudantil e começa a se envolver em protestos, lutando contra a falta de democracia racial na instituição.
Em função disso, foi convidado a abandonar o curso, em outras palavras, foi expulso da Instituição, com seu afastamento da Universidade. Ao invés de voltar para casa, Mandela vai para Johannesburg, onde encontrou um ambiente ainda mais hostil do que havia enfrentado na Universidade, num regime de terror imposto pela minoria branca à maioria negra.
Em 1943, consegue matricular-se no curso de Artes da Universidade da África do Sul e, após a conclusão do curso, consegue autorização para continuar seus estúdios de direito por correspondência na Universidade Fort Hare, onde muito tempo depois, como forma de compensar a expulsão injustificada, Mandela recebeu o titulo de “Doutor Honoris Causa”.
A política de segregação racial, a falta de reconhecimento dos direitos civis e políticos, a separação de grupos, inclusive famílias em regiões determinadas e impostas pelos governos de minoria branca foi tomando proporções insuportáveis para a população negra sul-africana, que não conseguia entender a justificava de tanta violência, uma vez que estes eram os habitantes natos do país, mas viviam sub o jugo e exploração dos invasores. Essa situação foi o início do Apartheid.
Por outro lado, deu-se início às resistências do povo negro, com lutas clandestinas nesse período. A única ferramenta de representação política do negro sul-africano era o Congresso Nacional Africano (CNA), fundado em 1912. Porém, sem resultados, pois a toda e qualquer reação recebiam como resposta mais segregação e violência.
A partir do momento em que Mandela se torna presidente da CNA e por todas as ações do mesmo, é declarado inimigo público número um do Apartheid e considerado uma ameaça aos privilégios e à ordem pública e social da minoria branca. Todos os membros do CNA passam a ser perseguidos, e este vai para a clandestinidade.
Mandela passou a quebrar as regras ditada pelo regime, circulando em lugares que não era permitido. Por exemplo, viajar sem autorização, que para o regime segregacionista era falta grave. Por conta disso, passou a ser caçado. Em agosto de 1962, Nelson é preso juntamente com Walter Sisulu, sob a acusação de descumprimento de restrição. Mandela comparece ao tribunal com roupas tribais, ambos são julgados e condenados. Nelson a cinco anos de prisão e Sisulu a seis anos.
Em 1963, quando já cumpria pena, os representantes do regime fizeram buscas em um esconderijo onde Mandela havia estado. Além de prender membros do então proscrito CNA, encontraram documentos e anotações comprometedoras de todo o processo de resistência. Mesmo preso, Nelson enfrenta novo julgamento.
Recusando a ajuda de advogado, Mandela se diz capaz de se autodefender e fala por quatro horas, terminando sua oratória com a frase: “Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer". Considerado culpado pela acusação de traição e terrorismo, e quando todos imaginavam que receberia pena de morte, em 1964, Mandela recebeu a pena de prisão perpétua.
Durante 27 anos, Mandela foi o prisioneiro 466/64, cujos três primeiros números correspondiam a sua identificação e os dois últimos se referiam ao ano de sua condenação. Mandela iniciou o cumprimento de sua pena na Ilha Robben, onde permaneceu por 18 anos. Nesse período, para preencher a solidão de um presidiário, Nelson procurava ocupar sua mente com alguma forma de estar com seu povo e livrá-lo da violência e das injustiças impostas pelo regime. Então, começou a aprender o idioma dos seus algozes: o “africâner”.
Após 18 anos em Robben, Mandela foi transferido para a prisão de segurança máxima de Pollsmor onde cumpriu 6 anos e, finalmente, foi para terceira prisão onde permaneceu por 3 anos.
Por pressão de ativistas dos direitos humanos e manifestações de artistas em todo mundo em prol da sua liberdade, no dia 11 de fevereiro de 1991, conseguiu sua liberdade definitiva. Nesse dia, a população sul-africana, não só os negros, também centenas de brancos, receberam com muita festa um homem com o peso dos 27 anos de encarceramento, cabelos grisalhos, mas com um semblante tranquilo e sem nenhum rancor ou qualquer sentimento de vingança contra seus opositores.
Mandela começou então a colocar em prática estratégias e formas para discutir a mudança do regime, em busca das garantias para os direitos sociais e civis que culminou no fim do Apartheid, o direito ao voto e à participação na escolha dos seus representantes na política. Esse processo durou três anos, até a data da primeira eleição multirracial na África do Sul.
Contudo, meses antes das eleições houve muito derramamento de sangue, o líder dos Zulus, Mangosuthu Buthelezi, que pertencia ao Partido da Liberdade Inkatha, se recusava a participar do processo, pois eram inimigos históricos dos Xhosa, etnia de Nelson Mandela e por este ser do CNA. Apesar disso, os Xhosa, com Mandela liderando, e Frederik W. de Klerk, então presidente e representante dos Africâner, estavam dispostos a realizar o pleito marcado para o dia 27 de abril de 1994, mesmo sem a presença dos Zulus que, finalmente faltando uma semana para a data, resolve fazer parte daquele momento histórico para a população sul-africana, que elegeu Nelson Mandela presidente, sendo o primeiro presidente negro na história da África do Sul.
Eleito, Nelson foi colocando em prática estratégias para unir a população e poder governar o país. Para isto, chamou Frederik de Klerke, um dos homens que o manteve preso, para ser seu vice. Nomeou como ministro do interior da África do Sul seu inimigo histórico, Buthelezi. Ainda para sua secretária pessoal, Mandela convidou Zelda la Grange, uma loira descendente de uma família de Africâner, nascida em Pretória.
Foi dessa forma, com esses símbolos aparentemente contraditórios, que Nelson foi compondo a unidade na sociedade sul-africana. Com o esporte, conseguiu consolidar seu sonho de unidade para a população, quando sediou a décima primeira Copa do Mundo de Rugby, na qual a seleção da África do Sul sagrou-se campeã. No momento em que entregava o troféu para o capitão François Pienaar, Nelson disse: “obrigado pelo que vocês fizeram pelo nosso país”, o que fez François pensar que aquilo que Mandela estava fazendo era muito maior do que uma seleção ser campeã, pois se percebia todo o povo se confraternizando. Era o início da unidade sonhada.
Essa é a vida e o legado de Rolihlahla Dalibhunga Madiba Mandela, o Nelson Mandela que ficou mundialmente conhecido e reconhecido como o “Homem do século XX”. Prêmio Nobel da Paz no ano de 1993, personagem de filmes e vários livros, ganhador de muitos prêmios e confrarias pelo mundo, sobretudo, o político visto como referência para toda humanidade.
Não por acaso, quando visitei Acra, capital de Gana, em 1998, vi um outdoor, com a foto de Mandela, onde estava escrito: “Nelson Mandela, ontem filho da África, hoje Pai dos africanos”.
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Centenário de Mandela: vida, luta e legado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU