Emissões das queimadas transformaram o hemisfério Sul no maior vilão da crise climática. Entrevista especial com Bruno Brezenski

“Essa fumaça, por exemplo, pode exterminar insetos em áreas importantes, levando a vegetação ao colapso. Com isso elevamos ainda mais o desequilíbrio biológico regional e global”, adverte o ativista ambiental

Fumaça das queimadas encobre a capital pelo terceiro dia consecutivo | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por: IHU e Baleia Comunicação | 30 Agosto 2024

Desde o começo deste ano, os eventos climáticos extremos têm se intensificado no país. Passamos pela maior tragédia ambiental da história, com enchentes sem precedentes no Rio Grande Sul. Agora, o país enfrenta sua maior seca em 44 anos, com 16 estados e Distrito Federal sem chuvas há meses. Para além dos fenômenos climatológicos, há ainda a devastação decorrente das queimadas.

O Brasil está, literalmente, pegando fogo. Em janeiro, a Amazônia já tinha ultrapassado os números anteriores e, em julho, virou “barril de pólvora”. Em março, junto com a floresta tropical, o Cerrado também ardia em chamas. Em junho a temporada de incêndios começou a liquidar o Pantanal, com destruição recorde. Em agosto, continuamos queimando e a fumaça se espalhou pela América do Sul, transportada pelos rios voadores. Não obstante, ao que indicam as investigações preliminares, incêndios criminosos realizaram o “dia do fogo” em São Paulo, colando o estado nos holofotes.

“No último [grande incêndio em São Paulo], em especial, foi detectado um ‘enxame’ de fogo simultâneo, mais de 3 mil. Somente o homem é capaz de organizar algo assim, de forma muito bem articulada e com interesse em algo específico”, assevera Bruno Brezenski, ativista ambiental. Suas análises, baseadas nas ciências de dados e em imagens de satélite em tempo real, dão em imagens a dimensão do problema.

Brezenski, polímato, ainda fala dos impactos das fumaças que se alastraram pelo continente. “Essa emissão maciça de gases altera regionalmente as condições físicas e químicas da atmosfera, elevando extremos [climáticos] de forma imediata”, destaca. Ele alerta para as consequências dessas emissões no planeta. “Nossos gases vão direto para a Antártida e ela está acumulando rapidamente esses gases, elevando sua temperatura. Nesse ponto, o maior vilão é o hemisfério Sul, especialmente Brasil e África”, esclarece.

Na entrevista a seguir, concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU por mensagens através do X [antigo Twitter], Bruno Brezenski ainda defende a importância da ciência. “A ciência é sempre apedrejada na história humana, não é algo incomum. Raramente governos seguem princípios científicos”, pontua. “O problema é quando assuntos que dizem respeito à sobrevivência, não só de um povo como também de toda a estrutura viva do planeta, são desrespeitados por governantes”, adverte o entrevistado.

Bruno Brezenski (Foto: Reprodução/X)

Bruno Brezenski é polímato, ativista ambiental e faz uso da metaciência para elaborar dados sobre as queimadas e a fumaça, divulgando o material em suas redes sociais, em uma linguagem acessível a toda a população.

Confira a entrevista.

IHU – Bruno, você poderia falar um pouco do trabalho de ativismo ambiental, especialmente suas produções audiovisuais para redes sociais a partir de dados científicos?

Bruno Brezenski – Meu trabalho ambiental sempre foi pessoal, não publicava, não tinha interesse em rede social. Resolvi publicar alguns e tive um alcance rápido imediatamente. Aí vi que outras pessoas também se interessavam, pelo menos no X (antigo Twitter).

IHU – Como trabalhar essas informações nos ajuda a compreender as questões ambientais contemporâneas de fundo?

Bruno Brezenski – Notei que são publicadas poucas imagens de satélites em tempo real sobre a situação imediata de crises, o que serviu como denúncia também. Muito do que se pública sobre o clima está regado de informação técnica difícil de compreender. Gosto de imagens fáceis e didáticas, explico para crianças e elas entendem, então todos entenderão.

IHU – Nesta semana (27-08-2024) o continente sul-americano se tornou o maior emissor de CO2 do mundo em função das queimadas. O que isso significa em termos locais e globais?

Bruno Brezenski – Em termos locais é catastrófico. Essa emissão maciça de gases altera regionalmente as condições físicas e químicas da atmosfera, elevando extremos [climáticos] de forma imediata. Estamos sentindo isso todos os anos e culpamos os sistemas clássicos, como El Niño, o que não é culpa deles.

Globalmente, eu considero pior do que as emissões industriais do Norte, apesar destas serem VEZES maior que a do hemisfério Sul. Aqui se queima quem captura carbono [florestas]. E, as emissões, apesar de não serem contínuas, quando estão no auge, são até visíveis a olho nu.

Outro ponto é que os sistemas climáticos do hemisfério Sul são separados do hemisfério Norte. Nossos gases vão direto para a Antártida e ela está acumulando rapidamente esses gases, elevando sua temperatura. Nesse ponto, o maior vilão é, sem dúvida, o hemisfério Sul, especialmente Brasil e África.

IHU – Por que podemos caracterizar os vários incêndios em curso como “queimadas terroristas”? Que evidências apontam nesse sentido?

Bruno Brezenski – Não existe fogo natural na região amazônica, nem em momentos de seca extrema. O solo é muito úmido e as árvores são muito carregadas de água para enfrentar esses períodos.

Já no Sudeste, os padrões observados pelos sensores são de ação humana coordenadas de forma criminosa. Fogo espontâneo não se inicia ao mesmo tempo em áreas amplas como no Estado de São Paulo.

No último [grande incêndio em São Paulo], em especial, foi detectado um "enxame" de fogo simultâneo, mais de 3 mil. Somente o homem é capaz de organizar algo assim, de forma muito bem articulada e com interesse em algo específico.

IHU – O que os dados relacionados às queimadas são capazes de indicar sobre a relação e o interesse do agro com estes incêndios?

Bruno Brezenski – O padrão observado ultimamente está ligado a interesses políticos e financeiros, como vemos no rápido anúncio de financiamento para o agro vinda do governador de São Paulo [Tarcísio de Freitas], sem ao menos esperar uma investigação policial.

No Norte, o agro precisa derrubar as áreas florestais para ganhar espaço para as plantações e pasto. São informações confirmadas por agentes públicos, como a ministra Marina Silva.

IHU – Por que, ao invés de apressadamente apontar culpados, é importante investigar o que levou a esse imenso conjunto de incêndios em diversas regiões brasileiras?

Bruno Brezenski – Como não sou especialista, tenho uma liberdade maior em apontar "culpados". Como o agro, já que esse padrão se repete há anos, com processos judiciais públicos e denúncias de agentes públicos, como a ministra Marina Silva.

Também gosto de esperar a polícia, e sempre tento ajudar com imagens que, talvez só eu esteja vendo, para que facilite as investigações. Não sou uma pessoa que goste de justiça feita "nas coxas". Precisa ter investigação e responsabilizar quem de fato comete esse tipo de crime anualmente.

IHU – Como a produção excessiva de fumaça gera um desequilíbrio biológico e quais as consequências disso nos ecossistemas?

Bruno Brezenski – Esse é um assunto muito confuso ainda para as pessoas no geral, desequilíbrio climático ou mudanças climáticas, na verdade pode ser resumido como "DESEQUILÍBRIO BIOLÓGICO". Nosso planeta é regido por sistemas climáticos, tanto por forças externas como o sol, como pelo próprio planeta, porém quem mantém o equilíbrio funcional e vital é a BIOMASSA.

Essa fumaça, por exemplo, pode exterminar insetos em áreas importantes, levando a vegetação ao colapso. Com isso elevamos ainda mais o desequilíbrio biológico regional e global. A vida se adapta e cria novos mecanismos de sobrevivência. Para isso, é necessário tempo, o que não ocorre nesses eventos criados pelo homem.

IHU – Você se coloca e trabalha como um defensor da ciência, não só do meio ambiente. Neste sentido, qual o impacto de governos negacionistas em relação à origem e às consequências das queimadas?

Bruno Brezenski – A ciência é sempre apedrejada na história humana, não é algo incomum. Raramente governos seguem princípios científicos. O problema é quando assuntos que dizem respeito à sobrevivência, não só de um povo como também de toda a estrutura viva do planeta, são desrespeitados por governantes.

Isso pode intensificar danos à vida e à saúde não só de humanos, mas de todo o bioma de um país. Vimos isso durante o governo de Jair Bolsonaro. A ciência pode não acertar sempre, mas raramente está errada. Estudo vários campos de ciência para entender um "todo". Sou polímato.

Governos têm como mantra dinheiro, o Produto Interno Bruto, os juros. Por isso, aqui no Brasil, tendem a minimizar os danos causados por queimadas, já que o agro é o maior motor de geração de dividendos para o país.

IHU – O atual governo federal não é negacionista científico. Mas as orientações no site do Ministério da Saúde indicavam o uso de “máscaras cirúrgicas”. Já o Ministério do Meio Ambiente, cujo orçamento é bastante restrito, parece estar se movendo pouco. Como o senhor avalia as ações do executivo federal no enfrentamento das questões ambientais?

Bruno Brezenski – As ações do governo federal parecem engessadas, erros acontecem como no caso de prescrever não só máscaras descartáveis como bandanas, ineficazes para partículas suspensas. Nesses eventos, gases não são o maior problema. Para a saúde humana, as partículas são muito mais perigosas. A recomendação foi desastrosa, atrasada e ineficaz.

Já o Ministério do Meio Ambiente, tem o maior nome do mundo no seu comando, Marina Silva. Porém, ela é humana e não consegue nada sozinha. Falta apoio político e interesse coletivo de toda nação, que tem muitas demandas, não vou culpar o povo.

Acho que falta o Congresso nessa equação, na qual ele mais atrapalha do que ajuda. Não há políticos nesse meio capaz de enfrentar negacionistas que já tomaram boa parte da pauta da Câmara.

E também o Itamaraty falha em não solicitar ajuda internacional de nações ricas. Elas são responsáveis indiretas, mas não são chamadas a ajudar por uma "falsa soberania" que não existe na questão climática.

IHU – Deseja acrescentar algo?

Bruno Brezenski – Eu gostaria de ver mais especialistas climáticos pararem de utilizar termos técnicos e usar o exemplo de um profeta muito bem-sucedido em converter a humanidade para suas ideias complexas usando de um linguajar simples, regado de parábolas e acessível a todos. A ciência hoje é fechada e artigos científicos são pagos para ter acesso. Assim, o negacionismo vence e passa a boiada mesmo.

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