“A questão está na política. Então nós precisamos sair das nossas salas de trabalho e tentar agir também no nível da política e no nível da comunicação com os diferentes atores sociais, inclusive para as populações locais”, afirma a ecóloga
Entre 6 e 18 de novembro acontece a 27º Conferência do Clima (COP) da ONU, realizada neste ano no Egito. Após uma queda das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) de quase 7% devido à pandemia em 2020, a Organização das Nações Unidas divulgou um relatório em 27-10-2022 que mostra que o mundo voltou a aumentar suas emissões de (GEE) em 2021.
O relatório também inclui uma projeção das emissões de GEE até 2030, o que levou a ONU a advertir que as metas de cortes de GEF, assumidas pelos quase 200 países signatários do Acordo de Paris de 2015, são insuficientes para manter a expectativa de limitar o aquecimento global em 1,5ºC até o final do século, o que deve levar a um aumento de quase 11% nos níveis de emissões de GEE até 2030 em relação a 2010, se nada for feito. Mantendo-se o cenário atual de emissões, a estimativa é de que o aquecimento no final do século chegaria a 2,5ºC.
Quarto maior emissor histórico mundial de GEE, o Brasil, que aumentou suas emissões em quase 10% em plena desaceleração global da economia devido à pandemia de Covid-19, enquanto o mundo reduzia suas emissões em mais de 6%, segue ocupando uma posição de destaque negativo no ranking de maiores emissores. Um estudo divulgado no primeiro dia de novembro pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima mostra que o Brasil aumentou suas emissões em 2021 em mais de 12% em relação as suas emissões em 2020, ocupando a quinta posição de maior emissor de GEE no período. Os principais responsáveis pelas emissões do país seguem sendo o desmatamento (praticamente 49% das emissões), e as atividades agropecuárias (25% das emissões).
Mas, apesar do Brasil ter sido lançado na condição de pária internacional devido à destruição e devastação ambiental promovida deliberadamente pelo desgoverno de Jair Bolsonaro iniciado em 2019, com a eleição presidencial do final de outubro, em que o povo brasileiro escolheu a volta da democracia e da civilidade ao eleger para o terceiro mandato o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil volta a ter uma chance de se reposicionar como uma potência ambiental em condições de liderança para ser parte da solução para a resolução das emergências ambientais que a humanidade criou. Lula foi convidado pelo presidente para a COP27 pelos próprios anfitriões da Conferência, o presidente do Egito, participando no final da segunda semana do evento, em que assumiu o compromisso de alcançar o desmatamento zero no Brasil até 2030, e declarar que a segurança climática depende da proteção da Amazônia, recebendo os holofotes do evento.
Em entrevista especial para o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, conversamos com a ecóloga Leila da Costa Ferreira, professora da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, via Google Meet. Especialista nas dimensões humanas das questões ambientais, com mais de dez livros publicados sobre o tema, Leila fala sobre os desafios do Brasil para se adaptar à crise climática; as ações necessárias em termos de governança e instrumentos políticos a serem adotados pelo recém-eleito presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para que o país possa se preparar para enfrentar a emergência climática; e as expectativas e prioridades que considera urgentes na COP27.
Interessada pela crise ambiental que estamos vivendo desde sua juventude – perda de biodiversidade, degradação ambiental e mudanças climáticas (ou pelo colapso ecológico como preferem alguns especialistas) –, a professora Leila estuda, desde o início de sua carreira, as dimensões humanas da problemática ambiental.
Desde o final de seu doutorado, Leila da Costa Ferreira leciona no Departamento de Sociologia da Unicamp, há mais de 30 anos, tendo participado da fundação do tema Sociologia Ambiental no departamento. Há alguns anos, passou a investigar também como a questão ambiental era tratada em vários países da América Latina. “A questão ambiental para nós sempre foi um tema relevante, para várias áreas do conhecimento e também para as Ciências Sociais do Ambiente porque a questão aqui [no Brasil], da desigualdade social e da pobreza, não está desvinculada da problemática mais verde [ambiental], vamos dizer assim”.
Leila da Costa Ferreira
Foto: Divulgação Wikipédia
Como resultado destas investigações apoiadas pela Fapesp, publicou em 2011 o livro A questão ambiental na América Latina: teoria social e interdisciplinaridade e, a partir da interação e colaboração desenvolvida nestes estudos com pesquisadores da América Latina, passou a se interessar também pela crise climática. “Eu comecei a perceber que vários desses países, inclusive o Brasil, são atores importantes no processo, mas também têm sofrido consequências muito fortes da crise climática. A partir de então, eu me enveredei realmente por estudar a questão da emergência climática, e continuei estudando o Brasil”.
IHU – Como começou seu interesse pelo estudo da crise ambiental ou pelo colapso ecológico, como preferem alguns especialistas, que estamos vivendo – perda de biodiversidade, degradação ambiental e emergência climática?
Leila da Costa Ferreira – Fiz a graduação em Ecologia, então esse tema para mim está dentro da minha perspectiva desde a juventude. Mas eu fiz um bacharelado em Ecologia no final dos anos 1970, início dos anos 1980, e naquela época era muito na perspectiva de Biociências, não da ecologia como a gente entende hoje. Então, desde o início eu senti falta de agregar essa coisa entre o ambiente e a sociedade, e daí desde o segundo ano [da graduação] eu comecei a fazer os meus estágios na área das dimensões humanas da problemática ambiental (sempre como o apoio/bolsa da Fapesp).
Acabei vindo fazer o mestrado em Sociologia na Unicamp, que era a única que estava abrindo essa área de Sociologia Ambiental. Daniel Hogan nos chamou para vir para a Unicamp, eu e Lúcia da Costa Ferreira [irmã], e nós viemos fazer o mestrado. Fiz o mestrado na Sociologia sobre a dimensão da Saúde, porque era uma forma de poder trabalhar com a questão das dimensões humanas, e já fui direto para o doutorado.
Fiz o doutorado na área de Ciência Política porque queria enveredar mais nessa coisa da visão política da problemática da crise ecológica. Fiz uma tese de doutoramento sobre as políticas ambientais no Brasil com ênfase no estado de São Paulo, e naquela época só havia dois trabalhos sobre políticas ambientais no Brasil – um do Eduardo Viola e o outro do Roberto Guimarães. E já durante o meu doutorado fiz um concurso e fui contratada pelo Departamento de Sociologia, que queria abrir este tema da Sociologia Ambiental no Departamento. E aí eu fiquei. Faz mais de 30 anos que eu estou no Departamento.
Durante meu doutorado, ganhei uma bolsa das Nações Unidas para trabalhar com políticas ambientais, e fui para a Universidade de Moscou, que é uma grande universidade, das melhores do mundo. E como era uma bolsa das Nações Unidas, além do curso que era em inglês felizmente, eu também pude viajar pela ex-União Soviética para conhecer os centros de pesquisa na área de gestão ambiental. Obviamente fiquei encantada com a universidade, mas muito decepcionada de como a questão ambiental também era trabalhada nos países planificados.
Enfim, voltei para o Brasil e inseri a disciplina de Sociologia Ambiental na graduação e na pós-graduação da Unicamp. Daí eu fui fazer o pós-doutoramento nos Estados Unidos. Depois fiz um pós-doutoramento na Inglaterra, sempre trabalhando com essa dimensão da política.
Há uns anos atrás, como tinha tido uma formação muito anglo-saxã, eu comecei a me interessar muito pela América Latina. Resolvi fazer um [projeto] temático para a Fapesp sobre como que a questão ambiental era trabalhada na América Latina, em sete países da América Latina.
Foi uma boa e grande surpresa porque nós estudamos sete países onde a problemática ambiental sempre foi uma perspectiva bastante de ponta na área de Ciências Sociais em geral, e também nos centros interdisciplinares.
E o caso brasileiro também é um caso problemático [devido às questões relacionadas à sua] biodiversidade. Somos um dos maiores países megadiversos do mundo. Temos a floresta amazônica e [outros] biomas fantásticos; somos um país multicultural, multiétnico.
Então a questão ambiental para nós sempre foi um tema relevante, para várias áreas do conhecimento e também para as Ciências Sociais do Ambiente porque a questão aqui, da desigualdade social, da pobreza, não está desvinculada da problemática mais verde, vamos dizer assim. Então esse temático na Fapesp acabou saindo em livro pela Editora da Unicamp e foi um projeto muito interessante, onde todos os meus alunos puderam viajar por esses países todos. Eu também.
A partir disso, trouxemos esses líderes de pesquisa desses países [da América Latina] para o Brasil, pelo seminário Internacional. Já naquela época comecei a ficar interessada na questão da emergência climática (ainda nem se falava em mudanças climáticas), porque eu comecei a perceber que vários desses países, inclusive o Brasil, são atores importantes no processo, mas também têm sofrido consequências muito fortes da crise climática.
A partir de então, eu me enveredei realmente por estudar a questão das mudanças climáticas e da emergência climática, e continuei estudando o Brasil. Daí, por uma série de razões, comecei a estudar a China também porque acabei coordenando um grupo de Brasil e China junto à Reitoria na Unicamp porque tinha ido para a Universidade Jiao Tong, em Shanghai, dar um curso sobre a questão ambiental.
Acabei me interessando muito por essa temática na China e acabei também incorporando a China nos meus estudos. Fiz várias colaborações e durante uns dez anos eu fiquei estudando Brasil e China.
Depois, o doutorado [no Programa de Pós-Graduação] em Ambiente e Sociedade da Unicamp, em que sou professora permanente e fui fundadora, começou a receber vários estudantes haitianos, africanos – na perspectiva da crise climática –, e a gente começou então a incorporar esses países nas nossas pesquisas. Meu último livro é sobre o Brasil, China e Moçambique, e trabalha diretamente com a questão da emergência climática nesses três países.
Então assim, a questão ambiental faz parte da minha vida, desde a minha juventude. Nós éramos de uma geração que misturava um pouco essa coisa da política e da subjetividade. Então, ao mesmo tempo que militávamos em partidos de esquerda, a gente também tinha uma horta no quintal. Estávamos já preocupados com a questão ambiental, e isso então influenciou que eu fizesse a graduação sobre esse tema. E assim fiquei. Fiz mestrado, doutorado, e docência, pós-doutorado e sou professora titular da Unicamp em Sociologia Ambiental.
IHU – De que modo as conclusões/novidades do Sexto Relatório do IPCC de 2021/2022 interferem e/ou influenciam as pesquisas desenvolvidas por você e seu grupo?
Leila da Costa Ferreira – Para mim, os relatórios do IPCC são absolutamente relevantes e primordiais – são a base do nosso trabalho. Mas o que a gente tem dito e tem discutido muito, e isso pelos próprios membros do IPCC, é que nós já temos esses dados, agora precisamos buscar são as soluções.
A mesma coisa que eu falei [em relação a] nós cientistas, vale para o IPCC também: precisamos buscar soluções, saindo da nossa sala de aula [e de trabalho, e tentar] buscar soluções com outros colegas, companheiros e atores. E mais do que isso, o IPCC tem [o grupo de especialistas que se dedica] às dimensões humanas [das mudanças climáticas]. Nós avançamos [em relação a uma iniciativa que] não quer separar as ciências do clima das demais ciências. Mas isso ainda está no nível muito retórico.
Na verdade, do ponto de vista concreto, as ciências do clima ainda são as grandes lideranças; é quem tem a maior parte das verbas, e é quem dita todas as regras desses relatórios. Agora eles já têm consciência de que as ciências humanas têm que ser inseridas, mas de uma forma radical. E tem havido várias ações que vão nessa direção, inclusive algumas coisas bem top-down [de maneira imposta de forma hierárquica, de cima para baixo], mas que têm mesmo que serem feitas.
Tempos atrás, ainda quando o prof. Carlos Henrique de Brito Cruz era o diretor científico da Fapesp [de 2005 a 2020], ele colocou que os Belmont Fórum [iniciativa internacional de financiamento que está em sua 14ª edição], ligados à questão das mudanças climáticas [e pesquisas sobre mudanças ambientais globais de forma geral], tinha que ter alguma liderança de um cientista social. Foi muito importante isso dentro da Fapesp.
Outra coisa que eu também participei de forma bastante significativa foi na Associação Internacional de Ciências Sociais (ISA, na sigla em inglês), que fizeram várias reuniões em diversas partes do mundo, inclusive aqui no Brasil. Nestas reuniões, os cientistas sociais eram convidados, de forma geral, com verba, apoio institucional e etc., para fazermos pesquisa na área de emergência climática. A gente já está nessa há muitos anos, mas foi um chamado inclusive para essa juventude, para interferir também na questão da relação com as ciências do clima.
Então tem várias coisas acontecendo, e que são importantes, mas a gente tem que caminhar mais rápido, sabe, porque senão pode ser que não dê tempo. Porque o planeta vai continuar aí, o problema é a humanidade, e principalmente a parte da humanidade que é a mais vulnerável, que são as populações pobres, que certamente são essas que estão [sendo], e que serão as maiores prejudicadas por essa crise.
[Esses dias eu] estava vendo o Paquistão. Eles já são paupérrimos e agora [estão sendo atingidos por] tempestades horríveis. Então é um negócio dramático. Eu falo para os meus alunos que na época da ditadura a gente falava: “Olha, o último que sair apaga a luz do aeroporto. Agora não tem aeroporto, vai sair para Marte? Que Marte? Só se forem os milionários. Tem que fazer alguma coisa. Não é uma brincadeira, não.
IHU – Para o Brasil, quais os principais desafios para a adaptação em relação às mudanças climáticas, e como o país está se preparando? Você poderia citar alguns projetos ou iniciativas em andamento de êxito? Acredito que todas são de nível mais local, de modo independente do atual governo federal...
Leila da Costa Ferreira – Nós temos grandes desafios. O primeiro é realmente nos reorganizarmos institucionalmente porque houve um desmantelamento das nossas agências ambientais em todos os níveis, mas particularmente no nível federal. A gente vai ter que retomar isso, mas não vai ser a primeira vez que a gente vai ter esse tipo de esforço porque nós vivemos a ditadura e nos reconstruímos, mais ou menos com êxito, em termos de país. Então nós vamos ter que fazer isso de novo.
No caso da questão do desmatamento da Amazônia, é crucial porque, como diz o professor Carlos Nobre, da USP, por exemplo, nós estamos num ponto de virada (tipping point ou ponto irreversível). Estamos no limite do processo de desmatamento daquele bioma. Então, mais um pouquinho é a savanização.
Eu concordo totalmente com essa hipótese [do tipping point do Carlos Nobre] e tem havido outras pesquisas científicas que vão nessa direção. Então é desmatamento zero! E é reflorestamento da Amazônia, tanto do ponto de vista do desmatamento legal [quanto] ilegal. Aquele bioma tem que ser preservado. Além disso, existem vários trabalhos que têm mostrado como essas populações locais estão bem inseridas na proposta da bioeconomia – com fármacos, com alguns produtos alimentícios. Então, isso pode ser para o Brasil como um todo, uma grande oportunidade para a gente voltar a ser uma liderança na área ambiental, particularmente na área de emergência climática.
O que a gente também tem descoberto é que, no nível das cidades brasileiras, tem muitas coisas interessantes acontecendo, não só nas regiões metropolitanas – em que a maior parte da literatura se debruça –, mas também no nível das médias e pequenas cidades. No caso que eu tenho estudado ultimamente, e agora sairá um novo livro, por exemplo, sobre as cidades do estado de São Paulo, Campinas e outras cidades menores como Santos, Piracicaba, Sorocaba, São José dos Campos e Ribeirão Preto. A questão dos atores locais é uma questão muito interessante, e que tem influenciado as políticas ambientais, inclusive as políticas climáticas.
No caso de São José dos Campos e Ribeirão Preto, tenho que contar que nessas duas cidades, para além da questão urbana, o MST tem feito um trabalho fantástico nos assentamentos, e na questão da produção orgânica essas duas cidades também têm sido muito relevantes. Inclusive para o abastecimento [de alimentos] do estado de São Paulo como um todo.
E no caso de Piracicaba, o que é interessante é que as ONGs como o Imaflora, por exemplo, são muito ativas nessa intersecção entre a ciência e a política, fazendo parte do poder local e implementando políticas ambientais locais. E aí a questão do gênero fica como uma questão super relevante. Eu tenho uma aluna que está fazendo doutorado sobre gênero e mudanças climáticas e o caso de Piracicaba é muito interessante. Ela mostra que as lideranças locais são mulheres, e mulheres muito ativas na questão da emergência climática.
Do ponto de vista nacional, ao mesmo tempo que a gente retrocedeu em termos de institucionalização, as cidades brasileiras fizeram, junto com a União Europeia em 2017, um acordo, uma rede para investimento em energias alternativas [relacionada à emergência climática]. Foram mais de 70 cidades brasileiras que participaram, que são ativas neste processo, e isso é considerado a maior rede mundial em relação à adaptação às mudanças climáticas. E o maior número de cidades que assinaram é de cidades brasileiras.
Então, felizmente, apesar de no nível nacional ter acontecido esse retrocesso radical, no nível local as coisas continuam caminhando para tentar minimizar os nossos graves problemas socioambientais. É isso que temos concluído nos nossos trabalhos.
IHU – Como vice-presidente da Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja) e membro da Diretoria de Direitos Humanos da Unicamp, que ações estão sendo implementadas visando à preparação para o enfrentamento e adaptação à emergência climática, tanto da instituição (Unicamp) quanto da sua comunidade?
Leila da Costa Ferreira – Uma coisa que a gente já está fazendo, e isso já vai ser implementado agora em 2023, é um seminário mensal junto com a Educorp (Escola de Educação Corporativa), que são os funcionários da Unicamp; funcionários da prefeitura e dos vários institutos. Eles são muito ecológicos e estão muito ligados [nas questões ambientais], [principalmente] os funcionários mais jovens.
Nós da Cameja e a Educorp, que são os funcionários, vamos fazer esse seminário juntos. Será um seminário aberto para os professores, para os funcionários e para os alunos, ou seja, para toda a comunidade. Esse seminário seria então mensal, e quem vai fazer a abertura é o [Aílton] Krenak. [Ele] já topou. E todos os temas que a gente trabalhou no Seminário Internacional [“A Comunicação da Emergência Climática” realizado pela Unicamp] nós vamos trabalhar nesse seminário [futuro], que não [será] local porque vai ser aberto, inclusive. Mas nós vamos trabalhar [também] com os funcionários.
Eu gostei muito que os próprios funcionários propuseram para a gente que, para além da publicação dos seminários e [da produção] de vídeos, que a gente também faça trilhas. Irão se chamar “Trilhas de Sustentabilidade”, que será a gente andar pela Unicamp para ir mostrando para a comunidade os nossos problemas, e como a gente pode solucioná-los. Então, no final de 2023, por exemplo, a gente quer ter auxiliado à prefeitura do campus a ter feito um processo de reflorestamento bem amplo do campus.
Nós temos vários biomas aqui na Unicamp (eu falo aqui porque eu moro do lado), representados no interior da universidade. Mas eles estão mal plantados. Então a gente quer chamar os ecólogos e a garotada toda da ecologia para ajudar a gente a ser um exemplo para a cidade.
A questão dos resíduos [também] é uma questão fundamental, e nós vamos lidar com essa questão. Não só os hospitalares, mas [com os resíduos] em todos os institutos também. Enfim, nós estamos fazendo a lição de casa no sentido de que estamos tentando buscar soluções, saindo da “nossa sala de aula” [e de trabalho], e tentando buscar soluções com outros colegas, companheiros e atores para ver o que a gente pode fazer aqui para a Unicamp sair na frente nessa questão [ambiental]. É uma trabalheira viu. Mas está ótimo, está divertido.
IHU – O webinário internacional “A Comunicação da Emergência Climática”, realizado no final de junho pela Camje/Unicamp, está dentro desse contexto visando à preparação para o enfrentamento e adaptação à emergência climática? Quais as contribuições trazidas pelos especialistas durante este evento você destacaria em termos de estratégias para vencer os desafios da comunicação sobre o tema?
Leila da Costa Ferreira – Exato. Esse foi o grande ponto, que era o tema do seminário – como que nós podemos, devemos e temos que nos comunicar de forma mais clara e explícita sobre a questão da emergência climática. Estamos fazendo uma série de ações aqui internas na Unicamp, por exemplo, que foram um pouco discutidas durante aquele Seminário.
Ontem mesmo eu estava em uma reunião (nós da Comissão), com a Pró-Reitora de Pós-Graduação e o pró-reitor de Graduação, onde a Comissão está propondo a eles uma ambientalização [curricular] da formação no sentido de que, por exemplo, quando eu dou um curso de Sociologia Ambiental na graduação ou na pós-graduação, eu tenho alunos de todos os institutos porque a juventude está ligada. É impressionante.
Eu estou dando aula de terça-feira de Sociologia Ambiental, tenho quase 40 alunos (alunos da economia, da biologia, engenharia; fora os meus alunos...). Então eles têm essa demanda. Daí o que a gente combinou com a Pró-Reitora [de Pós-Graduação] e com o pró-reitor [de Graduação] foi propor seminários para a Unicamp inteira, por exemplo.
E a gente pode até fazer isso com a USP e com a Unesp. Realizar dois seminários anuais onde todos os alunos terão a obrigatoriedade de fazer pelo menos um seminário. Então, a gente faria um seminário bem amplo, onde fosse dada uma visão geral sobre a questão ambiental – particularmente sobre a crise climática –, e os alunos teriam que participar.
Além disso, nós também estamos agindo com a Procuradoria Geral da Unicamp para pensarmos nas nossas estratégias não só de concursos – isso é, ninguém vai ferir a autonomia universitária –, mas sugerindo que o tema gênero, raça e etc. esteja na amplitude dessas discussões.
E também porque a Unicamp, por exemplo, tinha acordos institucionais que agravavam fortemente as questões ambientais internas, aqui [mesmo] na Unicamp. Então que a gente comece a prestar atenção nisso. Isso eu estou falando internamente, mas a gente pode [extrapolar] para a sociedade como um todo. Então é sair um pouco dessa perspectiva só da publicação dos papers [trabalhos científicos], só da formação [de estudantes e pesquisadores], e começar a tentar agir também em outros âmbitos da sociedade. Acho que isso foi um pouco a lição que a gente teve ali no seminário com várias experiências que foram relatadas [pelos palestrantes do evento, que incluiu pesquisadores, jornalistas e ativistas dedicados à comunicação ambiental].
IHU – E o reflorestamento, que já existe como uma iniciativa da Unicamp envolvendo a fazenda Argentina no âmbito de reestabelecer a conexão entre os fragmentos florestais para a formação de corredores ecológicos, também faz parte destas ações da Comissão (Cameja)?
Leila da Costa Ferreira – [Estamos] juntos, porque a fazenda Argentina está para além da Comissão. A gente não gosta desse nome porque a gente brincava que o papa é argentino, o Messi é argentino, o nosso reitor era argentino (Marcelo Knobel), e até a fazenda é Argentina?! [risos]
A gente chama de HIDS (Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável) da Unicamp, e o HIDS está para além da Comissão. Mas nós da Comissão estamos no HIDS, e há representantes do HIDS que fazem parte da Comissão. E a gente tem trabalhado junto. Semana passada fizemos uma reunião com o reitor para discutir um auxílio aos pequenos produtores de [alimentos] orgânicos para que possam utilizar-se da fazenda Argentina para fazerem uma produção local e ele adorou a proposta. Então, além do reflorestamento, também [queremos] a utilização da faz. Argentina com esses atores que são bastante ligados com a questão ambiental. Estamos tentando agir em várias instâncias.
Vamos ver o quanto que a gente vai ter sucesso ou não, mas a Comissão é muito forte porque nós somos 44 membros. E são 44 membros de todos os institutos da Unicamp. Os funcionários estão participando ativamente. Temos representantes de estudantes da graduação e da pós-graduação, e temos os representantes externos. Temos populações indígenas, lideranças indígenas conosco; lideranças negras; temos a Izabella Teixeira (ex-ministra do Meio Ambiente), por exemplo; temos a [professora Mercedes] Bustamante da Universidade de Brasília – UnB. Tem várias pessoas que estão para além da Unicamp e que tem muita experiência na área ambiental. Então é uma comissão forte e a gente fez um documento muito objetivo e entregou para o reitor. E para nossa excelente surpresa, o reitor gostou muito do documento e fez uma série de sugestões para que a gente implementasse essas ações. Então estamos começando a trabalhar nessa direção.
IHU – Quais as ações em termos de governança e instrumentos políticos você destacaria a serem adotadas no próximo mandato presidencial para o país se preparar para enfrentar a crise climática que já vivemos? Considerando que, obviamente, a gente vai conseguir se livrar nas próximas eleições do atual presidente e sua agenda antiambiental [a entrevista foi realizada antes do início das eleições]. O que falta seria, principalmente, políticas de âmbito federal que possam regular, nortear e organizar as instâncias estaduais e locais?
Leila da Costa Ferreira – É isso mesmo porque eu [e nosso grupo] divido a política climática, no caso brasileiro, em quatro fases, que vai desde o início do ano 2000 até o presente, quando ela é realmente institucionalizada, a Política Nacional de Mudança Climática [em 2010]. E de 2019 para cá houve todo esse desmantelamento dessas instâncias. E na análise que fizemos dessas políticas climáticas, observamos em algum momento, principalmente nos anos 2000, o quanto a ciência e a política estavam tendo uma relação orgânica e dialógica no sentido de que vários dos nossos bons cientistas foram secretários do clima. Várias pessoas aqui mesmo da Unicamp, participamos de várias instâncias para auxiliar na formulação e na implementação das políticas ambientais, incluindo as políticas do clima. Tudo isso vai ter que ser retomado. O Brasil fazia um levantamento de quatro em quatro anos sobre todos os nossos biomas, do quanto eles estavam degradados, e o que precisava ser feito. Isso era fantástico. Era um inventário, na verdade, sobre as questões ambientais. Tudo isso foi desmantelado. Nós sabemos o caminho das pedras. Nós já fizemos esse caminho, então nós vamos ter que retomar isso de uma forma muito rápida para que isso esteja correlacionado com os níveis estaduais, regionais e locais.
E tem que estar, não adianta a gente querer se isolar do mundo porque a questão ambiental é uma questão planetária. Não adianta dizer que a Amazônia é nossa, [porque se ela é nossa] então [devemos] cuidar direito, [dela] e de todos os outros biomas fantásticos que nós temos.
Então nós temos também que fazer uma correlação para o nível internacional e ganhar de novo o respeito, e não a visão de pária que nós estamos tendo ultimamente. Saliento dois dos atores brasileiros que foram muito importantes nesse processo de institucionalização da questão ambiental no Brasil. Primeiro, os cientistas. Os cientistas brasileiros são cientistas de renome internacional nessa área. E segundo a própria diplomacia brasileira, que foi a responsável pela institucionalização dos ODSs [Objetivos do Desenvolvimento Sustentável] em 2015. A Izabella Teixeira teve um papel crucial neste processo, entre outros participantes dessas COPs [Conferências sobre o Clima da ONU], mas não só ela que era ministra, mas também a própria diplomacia brasileira que era respeitadíssima.
Tudo isso vai ter que ser retomado, mas a gente tem [uma] agenda [socioambiental]. Ninguém se esqueceu dessa agenda. Então nós vamos ter que agir de uma forma muito radical. Agora o que se tem dito também, e isso não é um caso apenas brasileiro, é um caso internacional também, é que apesar da ciência brasileira e da ciência internacional do clima também ser uma ciência de ponta, a gente tem que se comunicar com a população em geral.
A gente tem os dados, a gente sabe o que está errado. A gente sabe como corrigir, mas a questão está na política né. Então nós temos que sair das nossas salas de trabalho e tentar agir também no nível da política e no nível da comunicação com os diferentes atores sociais, inclusive para as populações locais. A Izabella [Teixeira], minha parceira aqui na Comissão de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental na Unicamp, em que sou a vice-presidente, diz: “Gente, nós temos que falar com o Seu João e com a Dona Maria. Não tem jeito só falar entre nós, ou seja, ficar falando entre pares [cientistas e ambientalistas]. Não dá mais.” Então é isso.
IHU – Como você vê a urgência pela busca da implementação de mecanismos como um fundo econômico para o Sul Global face aos impactos das mudanças climáticas? Essa seria a medida prioritária a ser conquistada na Conferência sobre o Clima da ONU (COP27) deste ano para a luta por justiça climática? Qual a sua expectativa para a COP27?
Leila da Costa Ferreira – Eu acho que não é a única prioridade, mas ela tem que ser uma das [prioridades]. Não tem outro jeito, porque não adianta mais a gente ficar sugerindo ou discutindo quanto será o aumento da temperatura. É 1,5 a 2 graus. Isso já está posto, nós sabemos que vamos ultrapassar o 1,5ºC, e isso é dramático para o planeta. Dramático!
Shanghai, Nova York, todas as cidades litorâneas podem ser submersas. É uma coisa dramática. E as cidades no Sul Global mais ainda. E também tem a questão da agricultura. Com o aumento da temperatura, no nosso caso por exemplo, a agricultura brasileira será extremamente prejudicada. Eu não sei como que o “agronegócio atrasado” não consegue pensar, não consegue perceber a importância disso para a agricultura brasileira.
O Alasca e a própria Rússia, vão ser beneficiados com o aumento da temperatura para a sua agricultura. E nós não vamos conseguir plantar nada, porque a temperatura vai ser insuportável. Para os países africanos mais ainda. Então, tudo isso nós temos que ter respostas imediatas, urgentes. E para isso a gente precisa ter fundo econômico.
Acho que isso é uma questão prioritária, mas a outra prioridade é pensar quem são os países realmente [responsáveis pela crise climática]. Não adianta colocar 100 países discutindo quando, na verdade, nós sabemos quem são os 10 países que são os maiores emissores de gás de efeito estufa. Vamos colocar sob a responsabilidade destes dez países e tentar que haja [medidas que se não forem cumpridas ocorram] represálias. A gente tem que pensar mecanismos para implementar o mais rápido possível, para que essas responsabilidades sejam cobradas. Vamos ver, porque a última COP foi frustrante né. Então vamos ver o que acontecerá [neste ano].
IHU – Infelizmente. E a guerra também tirou muito do foco...
Leila da Costa Ferreira – Muito, ninguém esperava, porque a agenda climática estava sendo debatida inclusive pelo Norte Global, e de repente muda-se completamente o foco porque acontece uma guerra que ninguém esperava. É inacreditável. E isso também tem sido agregado aos problemas ambientais por causa da utilização dos processos energéticos em geral.
Um amigo meu estava falando isso, um colega alemão. A primeira verba que sai [é cortada] é a da ciência, para auxiliar nesses processos de guerra. Então o DAD [instituição de financiamento de mobilidade acadêmica e científica] por exemplo, na Alemanha, está sendo muito prejudicado, porque esses recursos estão sendo esvaziados para outros fins que não são os científicos. Então é uma loucura isso.
Leandro Magrini é biólogo, mestre em ecologia e conservação de recursos naturais, e doutor em Ciências/Biologia Comparada pela Universidade de São Paulo – USP. Desenvolveu o projeto de jornalismo científico “Divulgação científica para fortalecer a defesa pela preservação da Biodiversidade” apoiado pela Fapesp, bolsa Mídia Ciência, junto ao Labjor/Unicamp.