Por: Patricia Fachin | 10 Outubro 2018
A pesquisa intitulada "A Contribuição dos Ricos para a Desigualdade de Renda no Brasil", realizada recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, demonstra que “quem contribuiu mais” para a “queda da desigualdade não foram nem os 10% mais ricos nem os 10% mais pobres, mas sim os outros 80% do meio”, dizem Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher à IHU On-Line. O estudo realizado pelo Ipea mediu a desigualdade no país entre os anos 1981 e 2015 utilizando o indicador J-divergência, que, segundo eles, “permite não apenas mensurar a desigualdade como também a contribuição de cada grupo de indivíduos para a desigualdade”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, os pesquisadores informam ainda que “os 10% mais ricos ganham muito mais que a média e, além disso, ainda têm rendas muito desiguais entre si, o que não acontece entre os mais pobres. Somando essas duas coisas, os mais ricos acabam explicando a maior parte da desigualdade total no Brasil”.
No atual momento fiscal do país, defendem, “é possível combinar muitas políticas para reduzir a desigualdade, seja em tempos de crescimento ou de crise. Quando o país acumula um déficit fiscal como o atual, por exemplo, as políticas de ajuste podem ser mais relevantes e menos dolorosas se estiverem mais concentradas nos mais ricos. Conter gastos com os mais ricos e tornar a tributação mais progressiva são caminhos para expandir de forma sustentável as despesas que beneficiam os mais pobres”.
Carlos Corseuil | Foto: IPEA
Carlos Henrique Leite Corseuil é graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas e doutor em Economia pela University College of London. Atualmente é técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea.
Marcos Dantas Hecksher | Foto: Arquivo pessoal
Marcos Dantas Hecksher é assessor especializado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea desde 2005 e atualmente cursa o doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - Ence/IBGE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como foi feito o estudo do Ipea, segundo o qual os 10% mais ricos contribuem para mais da metade da desigualdade no Brasil? Como se chegou a esse resultado?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher – Usamos o indicador J-divergência, que permite não apenas mensurar a desigualdade como também a contribuição de cada grupo de indivíduos para a desigualdade.
IHU On-Line - Pode nos dar exemplos de como os 10% mais ricos contribuem para a desigualdade no país?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - De forma intuitiva, a contribuição está relacionada à distância entre a renda do indivíduo e a renda média. Se todos ganhassem exatamente a média, a renda total não mudaria, mas a desigualdade seria zero. Quem ganha exatamente a média não “contribui” para a desigualdade medida nesse sentido, mas quem ganha mais ou menos que a média “contribui”.
Os 10% mais ricos ganham muito mais que a média e, além disso, ainda têm rendas muito desiguais entre si, o que não acontece entre os mais pobres. Somando essas duas coisas, os mais ricos acabam explicando a maior parte da desigualdade total no Brasil.
IHU On-Line - Qual é a faixa de renda dos 10% mais ricos do país? Essa faixa de renda sofreu alterações no período analisado, entre 1981 e 2015?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - Todas as faixas aumentaram seu poder de compra entre 1981 e 2015 e, de 2001 a 2014, todas ficaram menos afastadas da média, contribuindo para reduzir a desigualdade, ao menos quando se considera o que as pessoas respondiam ao IBGE na Pnad. Quem contribuiu mais para essa queda da desigualdade, entretanto, não foram nem os 10% mais ricos nem os 10% mais pobres, mas sim os outros 80% do meio. Em 2015, porém, todas as faixas perderam renda, especialmente os mais pobres.
IHU On-Line - É possível apontar algumas razões de por que a parcela da desigualdade de renda, considerando os 10% ricos, é superior a 50% no Brasil em contraposição ao que ocorre em outros países, como EUA, Alemanha e Grã-Bretanha?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - No Brasil a fatia da renda apropriada pelos mais ricos é maior, ou seja, a renda média dos mais ricos está mais afastada da média geral e, além disso, há mais desigualdade entre os ricos. Assim, não só nossa desigualdade é maior, mas a participação dos ricos na desigualdade brasileira também é maior.
IHU On-Line - A partir desse estudo, foi possível verificar em que período a desigualdade foi mais acentuada no país, entre 1981 e 2015?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - Foi o período entre os anos de 1987 e 1993. Entre 1994 e 2015 a desigualdade cai praticamente em todos os anos.
IHU On-Line - Nesse estudo, a desigualdade foi medida pelo indicador J-divergência a partir de dados da Pnad e do IBGE, entre 1981 e 2015. Quais são as vantagens desse indicador para medir a desigualdade em relação a outros indicadores? Que ganhos o uso desse indicador oferece na análise sobre desigualdades e concentração da renda?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - Conforme frisado na primeira resposta, o indicador J-divergência permite não apenas mensurar a desigualdade como também a contribuição de cada grupo de indivíduos para a desigualdade.
IHU On-Line - Como, na sua avaliação, os dados apresentados por esse estudo podem contribuir para discutir a questão das desigualdades no país?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - Em havendo um interesse em implementar políticas redistributivas, o estudo permite mapear com mais precisão o alcance e os limites de políticas desse cunho que priorizem diferentes faixas de renda.
IHU On-Line - A partir da análise dos dados, que tipo de política poderia ser implementada para enfrentar a desigualdade de renda apresentada pelo estudo?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - É possível combinar muitas políticas para reduzir a desigualdade, seja em tempos de crescimento ou de crise. Quando o país acumula um déficit fiscal como o atual, por exemplo, as políticas de ajuste podem ser mais relevantes e menos dolorosas se estiverem mais concentradas nos mais ricos. Conter gastos com os mais ricos e tornar a tributação mais progressiva são caminhos para expandir de forma sustentável as despesas que beneficiam os mais pobres.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - Outra leitura possível dos resultados é que esse índice e alguns dos outros que também resumem a desigualdade em um único valor podem ser, em diferentes graus, muito mais sensíveis àquilo que acontece entre os mais ricos do que àquilo que acontece entre os mais pobres, especialmente no Brasil.
Podemos atingir o objetivo de desenvolvimento sustentável da ONU de aumentar a participação dos 40% mais pobres na renda total, mas não melhorar vários índices de desigualdade, por exemplo, se a parcela do 1% mais rico aumentar. Há muitas desigualdades e todas podem afetar o bem-estar da população.
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É possível reduzir as desigualdades em tempo de crise. Entrevista especial com Carlos Henrique Leite Corseuil e Marcos Dantas Hecksher - Instituto Humanitas Unisinos - IHU