09 Dezembro 2016
A proposta de extinguir algumas das entidades estatais do Rio Grande do Sul para tentar solucionar a crise fiscal do Estado demonstra que o governo Sartori “não agiu de modo correto ao não procurar nem a sociedade, muito menos os representantes dos órgãos que pretende extinguir para discutir quais são os interesses da sociedade e do Estado em relação a essas instituições”, critica Augusto Pinho de Bem, economista da Fundação de Economia e Estatística – FEE, na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line. Segundo ele, as fundações que o governo “pretende extinguir representam um percentual muito baixo do orçamento e, portanto, a extinção delas não resolverá o problema fiscal do Estado e a sociedade perderá os serviços que elas prestam”.
Na avaliação do economista, o pacote proposto pelo governo do Estado “não trata de questões mais profundas, como cortes de reais privilégios recebidos por parte do setor público” e tampouco sugere “cortes de cargos de confiança – CCs”, quando, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, diz, “esse deveria ser o primeiro estágio de cortes de custos relacionados a funcionários do Estado”.
A única solução que poderá resolver a situação fiscal do Estado, adverte, é a retomada do crescimento econômico. “A questão fiscal só poderá ser resolvida com crescimento econômico, e por mais que o Estado sugira uma série de pacotes de cortes, sem a economia avançar, ele não conseguirá fazer com que a despesa caiba na receita”, pontua. Garantir a retomada do crescimento, contudo, “infelizmente” não é algo que o governo do Estado possa fazer sozinho. “Seria necessário mudar a política econômica do governo federal, que é quem tem maior capacidade de estímulo econômico via política fiscal e com um plano de investimentos públicos. (...) No RS, particularmente, é difícil o governo tomar medidas capazes de nos retirar da crise, porque a situação fiscal do Estado é de fato bastante complicada. Mesmo a redução de incentivos fiscais a empresas é uma questão complexa, porque se um Estado não dá incentivo fiscal, o Estado vizinho dá um incentivo fiscal maior. Então, a guerra fiscal é extremamente prejudicial para as finanças públicas, especialmente num momento como este”, lamenta.
Augusto Pinho de Bem | Foto: TVE
Augusto Pinho de Bem é graduado e mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. É pesquisador da Fundação de Economia e Estatística - FEE.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como avalia o pacote anunciado pelo governo Sartori no atual momento político e de crise financeira do estado do Rio Grande do Sul?
Augusto Pinho de Bem – Avalio grande parte dessas medidas como bastante preocupante. Quanto à extinção de entidades estatais, o governo não agiu de modo correto ao não procurar nem a sociedade, muito menos os representantes dos órgãos que pretende extinguir para discutir quais são os interesses da sociedade e do Estado em relação a essas instituições. As fundações que o governo pretende extinguir, por exemplo, representam um percentual muito baixo do orçamento e, portanto, a extinção delas não resolverá o problema fiscal do Estado e a sociedade perderá os serviços que elas prestam. E em certa medida algumas extinções podem agravar o problema, visto que algumas fundações desempenham funções das quais não se pode abrir mão.
A consequência das extinções é que o Estado teria que contratar o setor privado para desenvolver as atividades realizadas pelas fundações, e o custo seria ainda mais elevado. A Fundação de Economia e Estatística – FEE, por exemplo, desenvolve uma série de estudos, presta uma série de consultorias e tem convênios com o Estado. Esses serviços teriam que ser buscados na iniciativa privada a um custo mais elevado do que o que se tem hoje com a manutenção dos funcionários da FEE.
IHU On-Line - O governo do Estado argumenta que a extinção das fundações irá gerar uma economia de 146,9 milhões por ano. O que esse tipo de economia representaria no atual momento?
Augusto Pinho de Bem – Essa economia é muito pequena e não representa 2% do orçamento do Estado. De fato, é inegável que o Estado está enfrentando problemas fiscais e, diferentemente da União, o RS não pode emitir títulos de dívida para honrar seus passivos, e a capacidade de financiamento está bastante prejudicada. O pacote, porém, silencia sobre questões que poderiam trazer recursos mais vultosos para o Estado, como a partir de uma revisão de incentivos fiscais e desonerações que chegam na casa de 9 bilhões por ano; isso sim seria significativo. O pacote também não trata de questões mais profundas, como cortes de reais privilégios recebidos por parte do setor público, e não há cortes de "cargos de confiança - CCs", dado que, observando a Lei de Responsabilidade Fiscal, esse deveria ser o primeiro estágio de cortes de custos relacionados a funcionários do Estado, mas o pacote não ataca essa questão.
O governo também não discute mais profundamente as verbas indenizatórias e benefícios tais como os auxílios-moradias, ou seja, não passa para a sociedade a real informação de quem é privilegiado e do valor que recebem. Ao contrário, faz parecer que os funcionários das Fundações são uma espécie de marajás, quando na verdade não é assim, porque muitos funcionários do Estado recebem salários que às vezes estão abaixo da remuneração da sua profissão de mercado. O Estado usa essa questão do problema fiscal, mas não faz uma discussão ampla sobre qual Estado a sociedade demanda e que serviços ela perde com as medidas de enxugamento do pacote. Essa parece ser uma estratégia para confundir a opinião pública com fins de implantar um modelo de Estado Mínimo. Levando o exemplo do fechamento de Fundações, se extinguirão os serviços prestados por elas e isso penaliza a sociedade. Então, o governo peca pela falta de transparência no modo como formula esse pacote. O governo fala em ter um Estado mais moderno, mas não fala em extinguir os cargos em comissão e pretende acabar com diversos órgãos que se constituem como parte essencial da inteligência do Estado.
Num momento de crise, buscam-se soluções mágicas, mas sem crescimento econômico as despesas não irão caber nas receitas. Acredito que questão fiscal só poderá ser resolvida com crescimento econômico, e por mais que o Estado sugira uma série de pacotes de cortes, sem a economia avançar, ele não conseguirá fazer com que a despesa caiba na receita.
IHU On-Line - O que poderia ser feito para garantir o aumento do crescimento?
Augusto Pinho de Bem – Infelizmente não acredito que o Estado tenha condições de sozinho ter capacidade de gerar estímulos suficientes para que saiamos da crise. A meu ver, seria necessário mudar a política econômica do governo federal, que é quem tem maior capacidade de estímulo econômico via política fiscal e com um plano de investimentos públicos. Mas hoje na nossa sociedade há quase um consenso de que esse é um momento de praticar políticas de austeridade, mesmo numa época de recessão. Então, a política fiscal nacional vai interferir nos estados.
No RS, particularmente, é difícil o governo tomar medidas capazes de nos retirar da crise, porque a situação fiscal do Estado é de fato bastante complicada. Mesmo a redução de incentivos fiscais a empresas é uma questão complexa, porque se um Estado não dá incentivo fiscal, o Estado vizinho dá um incentivo fiscal maior. Então, a guerra fiscal é extremamente prejudicial para as finanças públicas, especialmente num momento como este. Trata-se de uma questão muito maior do que uma questão somente estadual. Sem uma mudança na política federal, será difícil nosso Estado obter um crescimento econômico quando a economia nacional anda na direção contrária.
IHU On-Line - Qual será o impacto com a extinção da FEE? Que serviços a FEE presta hoje para o Estado?
Augusto Pinho de Bem – A FEE é uma Fundação de 43 anos de história, que produz diversos indicadores e pesquisas socioeconômicas, tem mais de 25 indicadores produzidos, tem oito publicações periódicas, temos um corpo extremamente qualificado, com 36 doutores e 96 mestres. Caso venha a ser extinta, o Estado terá que buscar fazer um departamento de estatísticas, visto que a produção de dados é essencial. Dentre os problemas de levar esse tipo de serviço para administração direta está o risco de aparelhamento desse tipo de serviço, como correu com a Argentina, que ficou anos sem ter dados confiáveis, visto que o governo tinha ingerência sobre os dados.
A FEE produz diversas pesquisas socioeconômicas de muita qualidade, em diversas áreas, feitas não somente por profissionais de economia e estatística, mas por profissionais das Ciências Sociais, historiadores e internacionalistas. A Fundação tem um corpo de profissionais multidisciplinar e muito qualificado, e grande parte dessas pesquisas serão descontinuadas. Além disso, a FEE tem convênio com diversas instituições de pesquisa, instituições de ensino, órgãos do governo do Estado, inclusive com empresas estatais como o Banrisul, e presta serviços para diversos outros órgãos.
Quanto à questão orçamentária, a extinção da FEE fará com que o Estado economize menos de 0,08% do seu orçamento, é uma economia muito pequena em comparação com tudo aquilo que a sociedade perde. O governo diz que pode manter a FEE com os 52 funcionários que possuem estabilidade, o que não é verdade, visto que desses 52, 24 estão aposentados e constam na folha da Fundação por uma questão meramente formal jurídico-contábil, ou seja, fazem parte da folha por uma decisão judicial. Além disso, os 28 restantes já estão em condições de se aposentar. Então, a FEE não conseguirá manter seus trabalhos e nem o nível de qualidade se os funcionários celetistas concursados forem mandados embora. A sociedade, não só a sociedade acadêmica, tem que estar bastante preocupada com a possibilidade de extinção da FEE, porque todos perderiam com a extinção de um órgão dessa qualidade.
IHU On-Line - Como a possiblidade de extinção da Fundação repercute entre os funcionários da FEE? O que foi discutido na assembleia realizada na última sexta-feira, 02-12-2016?
Augusto Pinho de Bem – A possibilidade de extinção da FEE mobilizou bastante a categoria. Houve também repercussão na sociedade, diversas figuras importantes, tanto políticos como jornalistas e acadêmicos têm se manifestado em veículos de imprensa e dado declarações de sua discordância quanto à extinção da FEE. Eles argumentam que seria algo contraproducente, neste momento em que o Estado busca alternativas para encontrar o crescimento e o desenvolvimento sustentável, extinguir o órgão que tem a qualificação e os funcionários que podem trazer alternativas, que podem fazer estudos e trazer dados que subsidiem e auxiliem essa tomada de decisões.
Políticos de diversas matrizes estão fazendo uma defesa da manutenção da FEE: a ex-presidente Dilma Rousseff fez uma defesa da FEE, assim como ex-membros de governos do PMDB, como João Carlos Brum Torres, e até mesmo do PSDB, como o Aod Cunha Jr. Então, pessoas de diversas matrizes ideológicas, tanto de esquerda quanto de direita, se unem na defesa de que o sistema de estatísticas e de pesquisa tem uma função essencial para o Estado. Estamos bastante mobilizados, com uma agenda de defesa da Fundação, diversas atividades estão sendo realizadas tanto no âmbito interno da casa como nas ruas, na Praça da Matriz.
IHU On-Line - O que seria uma alternativa ao pacote anunciado pelo governador?
Augusto Pinho de Bem – É preciso fazer uma revisão dos incentivos fiscais. Fora isso, algumas medidas cosméticas como diminuir o número de CCs seriam menos danosas em termos de perdas de serviço público prestado à sociedade. De maneira geral, acredito que haja pouco espaço para cortes e repito que não vejo como resolver a questão fiscal apenas com diminuições de despesas. O Estado só resolverá seus problemas quando voltar a crescer. Como nós temos poucas possibilidades de financiamento, as nossas oportunidades de ações se tornam bastante reduzidas.
Só vejo uma possibilidade mais clara de recuperação quando a política, no cenário nacional, mudar, mas isso é bastante complicado, visto que as políticas de austeridade têm se intensificado. Inclusive há a proposta de uma PEC limitadora de gastos para o estado do Rio Grande do Sul, mas esse não é o caminho. A razão de ser do Estado, que é servir ao público, ficará bastante reduzida em áreas essenciais.
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"A extinção da FEE fará com que o Estado do Rio Grande do Sul economize menos de 0,08% do seu orçamento". Entrevista especial com Augusto Pinho de Bem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU