19 Agosto 2015
“Ainda é muito cedo para determinarmos a eficiência do Banco Nacional de Perfis Genéticos”, diz o perito.
Imagem: irdeb.ba.gov.br |
Ao mesmo tempo em que os bancos de perfis genéticos podem contribuir na resolução de crimes e localização de pessoas, Garrido enfatiza que não concorda com coletas compulsórias. “Acredito que para se acessar qualquer material biológico, sobretudo os dados genéticos, deve se ter o consentimento do doador. Entendo o consentir como um direito fundamental”, frisa.
A Lei no 12.037 foi promulgada no Brasil em 2009 e teve ampla aceitação. De acordo com Garrido, a corroboração social está relacionada com o fato de a sociedade ter sofrido constantemente com a violência. “Isso cria uma ideia de justiça distorcida, algo semelhante a um revanchismo. Assim, qualquer proposta estatal que promete reduzir a violência é apoiada pela população e estimulada pelas mídias. Além disso, a sociedade atual demanda mais do que repressão e punição de criminosos, quer monitorar e controlar comportamento. Assim, no contexto da genética forense, se não considerarmos direitos fundamentais, é possível pensar em punir de forma preditiva”, pontua.
Rodrigo Garrido é biomédico e licenciado em Biologia. Especialista em Análises Clínicas, em Bioética e em Gestão Escolar, é mestre em Ciências Farmacêuticas e doutor em Ciências. É Perito Criminal da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, tendo atuado no Instituto de Criminalística Carlos Éboli, no qual foi Chefe do Serviço de Perícias de Petrópolis-RJ. Atualmente, atua no Instituto de Pesquisa e Perícias em Genética Forense, onde ocupa o cargo de diretor. É Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
Garrido esteve na Unisinos participando do II Congresso Internacional sobre Bancos de Perfis Genéticos para fins de Persecução Criminal, que acontece entre os dias 17 e 19 de agosto, organizado pelo Curso de Ciências Jurídicas da Universidade.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que é a Ciência e a genética Forense e quais são os seus fundamentos?
Foto: Unoeste
Rodrigo Garrido - A Ciência Forense é a aplicação de conhecimentos de diversas ciências (química, física, biologia, informática, fonoaudiologia, ciências contábeis e outras) com métodos e leis próprias para produzir a prova técnica e auxiliar no julgamento de uma demanda nas diversas áreas do Direito. Especificamente na área penal, a Ciência Forense é dividida em Medicina Legal e Criminalística. A primeira analisa as evidências materiais de crimes que estão no corpo humano, enquanto a segunda trabalha com as evidências que estão fora do corpo humano. A Genética Forense, nesse contexto, é a aplicação dos conhecimentos da genética e da biologia molecular para a identificação humana com fins criminais.
IHU On-Line - Como a ciência forense favorece ou tem contribuído tanto para o trabalho de perícia criminal no Brasil quanto para a resolução de questões legais, seja no Direito Penal ou no Direito Civil?
Rodrigo Garrido - A produção de prova técnica é importantíssima para a resolução de demandas legais. Apesar de ser possível produzir prova através de depoimentos, confissões e documentos, e todas terem o mesmo valor no processo, o exame pericial, devido a sua objetividade e fundamentação científica, tem o poder de influenciar significativamente na convicção do julgador. Além disso, nos dias atuais, este poder da ciência, que deve ser analisado com cuidado em razão de suas limitações, auxilia as instituições de persecução penal na resposta à sociedade. No Direito Civil, certamente uma prova técnica facilita a negociação para se alcançar a resolução dos conflitos com maior consciência.
"A produção de prova técnica é importantíssima para a resolução de demandas legais" |
IHU On-Line - Enquanto perito, que posição o senhor sustenta em relação aos bancos de perfis genéticos para uso criminal?
Rodrigo Garrido - Acredito que os bancos de perfis genéticos podem contribuir muito na resolução de crimes e na localização de pessoas. Contudo, não concordo com coletas compulsórias. Acredito que para se acessar qualquer material biológico, sobretudo os dados genéticos, deve se ter o consentimento do doador. Entendo o consentir como um direito fundamental.
IHU On-Line - Quais são as fragilidades técnicas do uso dessas informações genéticas e do banco de perfis genéticos hoje?
Rodrigo Garrido - Tecnicamente, a identificação genética é bastante robusta. Isso ocorre porque os laboratórios atuam em rede e as técnicas são utilizadas com protocolos, reagentes e equipamentos semelhantes no mundo inteiro. Além disso, a comunidade científica da área é bastante evoluída e tem meios de publicação importantes que fazem chegar as novidades a todos. Assim, mais do que outras áreas da perícia, a genética é dotada de um cientificismo importantíssimo. Isso também leva à busca de certificações, exercícios interlaboratoriais e testes de proficiência, garantindo a qualidade dos exames.
Os limites estão no tamanho do banco e na necessidade de se buscar marcadores mais informativos e em maior número para se alcançar resultados com maiores probabilidades.
IHU On-Line - Que balanço faz da Lei no 12.037, que cria banco de DNA de criminosos no país?
Rodrigo Garrido - Penso que a lei foi aprovada com muita pressa, carecendo de maiores discussões. Há uma mistura de identificação com produção de prova, o que confunde a aplicação e abre caminho para se desrespeitar os direitos fundamentais. Além disso, como já coloquei anteriormente, não concordo com a obrigatoriedade da coleta e identificação do perfil genético de condenados, na forma da lei.
Por outro lado, o legislador foi feliz ao restringir a revelação de traços somáticos ou comportamentais das pessoas, na garantia do sigilo e na determinação de uso de técnica adequada e indolor para a coleta. Além disso, trouxe um papel importante para a perícia oficial no gerenciamento dos dados genéticos.
IHU On-Line - De que modo o banco de perfil genético tem sido eficiente para cruzar as informações dos perfis investigados?
Rodrigo Garrido - Ainda é muito cedo para determinarmos a eficiência do Banco Nacional de Perfis Genéticos. Apesar de alguns autores, como o Dr. Filipe Santos, que também estará no II Congresso Internacional sobre Bancos de Perfis Genéticos para fins de Persecução Criminal, na Unisinos, já ter mostrado que em bancos bem estabelecidos não há uma relação linear entre a eficiência e o tamanho do banco, em bancos com poucos perfis esta relação existe e o nosso está nessa fase. Ele já se mostrou capaz de identificar pessoas desaparecidas, como foi o primeiro caso no Rio de Janeiro, e criminosos.
"Não concordo com a obrigatoriedade da coleta e identificação do perfil genético de condenados, na forma da lei" |
IHU On-Line - Na sua avaliação, quais são as razões que explicam a aceitação quase unânime dos bancos de perfis genéticos?
Rodrigo Garrido - A sociedade tem sofrido muito com a violência. Isso cria uma ideia de justiça distorcida, algo semelhante a um revanchismo. Assim, qualquer proposta estatal que promete reduzir a violência é apoiada pela população e estimulada pelas mídias. Além disso, a sociedade atual demanda mais do que repressão e punição de criminosos, quer monitorar e controlar comportamento. Assim, no contexto da genética forense, se não considerarmos direitos fundamentais, é possível pensar em punir de forma preditiva.
Curiosamente, esta hipótese foi levantada pelo Deputado Federal Laerte Bessa (PR-DF) em entrevista dada ao jornal britânico The Guardian, durante as discussões sobre a maioridade penal. O deputado defendeu a interrupção da gravidez quando se determinassem “tendências criminosas”.
IHU On-Line - Enquanto perito, técnico e cientista, como analisa a relação entre Ciência e Direito/Justiça?
Rodrigo Garrido - A ciência é ferramenta essencial para que se alcance justiça na aplicação do Direito.
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Bancos de perfis genéticos: o consentimento é um direito fundamental. Entrevista especial com Rodrigo Garrido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU