22 Julho 2015
“Se compararmos a Convenção de Clima com outras Convenções, como, por exemplo, a de Biodiversidade ou com a Convenção de Viena para a proteção da camada de ozônio, percebemos que a Convenção de Clima não obteve tanto avanço”, afirma a pesquisadora.
Foto: thoth3126.com.br |
Maureen acompanha as Conferências do Clima há muitos anos e afirma que as negociações costumam seguir algumas “modas”, dando relevância para alguns temas em determinados momentos, deixando de lado questões centrais, como, por exemplo, “por que se causou esse problema ambiental”. Na avaliação dela, as COPs devem ir além das negociações sobre a redução de gases de efeito estufa e discutir “o que está envolvido nisso, que é o debate sobre o modelo de desenvolvimento”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Maureen explica que o esqueleto do possível acordo a ser realizado na COP-21 depende das Contribuições Internacionais Nacionalmente Determinadas – INDCs, que são o aporte de cada país para o novo acordo. Entre os países que formam o grupo dos emergentes, somente a China apresentou suas metas nacionais, que incluem “a redução de carbono de 60 a 65% de 2005 até 2030, e o aumento da participação de energia não fóssil em 20%”, enquanto África do Sul, Brasil e Índia devem apresentar suas metas até outubro.
Outro país importante nas negociações, os EUA “assumiram uma meta de 26 a 28% de reduções de emissões, a partir do ano base 2005, e eles teriam de assumir essa meta até 2025. As principais metas estão relacionadas à energia renovável, à eficiência, uma parte grande em relação à indústria”, informa. A meta da União Europeia, por outro lado, é de “40% em relação ao ano base de 1990, até 2030”. Apesar de os países sugerirem as metas que podem cumprir, Maureen lembra que a grande dificuldade será “equacionar” as metas na COP-21, porque “cada país usa um ano base de referência”.
Maureen Santos (foto abaixo) é coordenadora do Programa de Justiça Ambiental da Fundação Heinrich Böll Brasil e professora do quadro complementar da graduação em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Possui mestrado em Ciência Política pelo IFCS/UFRJ e graduação em Relações Internacionais pela Universidade Estácio de Sá.
Na última década, dedicou seu trabalho à Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional - Fase, realizando formação de base, educação popular e construção de redes e articulações sobre comércio internacional, integração regional, meio ambiente e mudanças climáticas. Monitora as negociações da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas - UNFCCC, em especial o tema de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação - REDD e Adaptação. Compôs uma das equipes de pesquisadores do High Level Panel of Food Security da FAO, que produziu relatório sobre mudanças climáticas e segurança alimentar.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - No final das Conferências do Clima, sempre se fica com um sentimento de que houve poucos avanços. Da COP-17, que você participou em Durban, para cá, houve avanços? Em que aspectos?
Foto: boell.org.br
Maureen Santos – Se compararmos a Convenção de Clima com outras Convenções, como, por exemplo, a de Biodiversidade ou a Convenção de Viena para a proteção da camada de ozônio, percebemos que a Convenção de Clima não obteve tanto avanço. Então, do ponto de vista comparativo da discussão de governança ambiental, ela tem pouquíssimo avanço, porque nós temos somente um instrumento vinculante até agora, que é o Protocolo de Kyoto, e, sem entrarmos em detalhes, veremos que ele é cheio de críticas, não só porque tem uma meta muito baixa, mas porque mesmo com uma meta superbaixa ele acabou flexibilizando esta meta. Assim, do ponto de vista de avanços, sempre fica essa sensação; depois de 20 anos do início da Convenção, vemos que a meta de redução da emissão dos gases de efeito estufa, que é o objetivo principal, está muito longe de ser atingida.
Retrocessos
Na verdade, percebemos alguns retrocessos na discussão, do ponto de vista da defesa dos princípios da Convenção. Essa discussão de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, é um ponto extremamente importante, que vem sendo atacada nos últimos anos, em especial também por conta das emissões dos emergentes e da necessidade de eles assumirem compromissos, mas não dá para esquecer a dívida histórica dos países do Norte. Então, às vezes a discussão fica muita enviesada. Houve momentos, por exemplo, que o foco da Conferência de Clima acabou sendo as florestas, considerando que as florestas são responsáveis por apenas 20% das emissões mundiais, enquanto os demais 80% são provenientes da queima de combustíveis fósseis.
Às vezes também a negociação segue “uma moda”, ou seja, alguns temas acabam tendo relevância durante alguns momentos, e com isso nos esquecemos de discutir temas principais, como, por que se causou esse problema ambiental. Além disso, temos realmente de pensar medidas que não sejam só a redução de gases de efeito estufa, mas o que está envolvido nisso, que é o debate sobre o modelo de desenvolvimento, e isso não é discutido.
IHU On-Line - Pode explicar o que é a Plataforma de Durban – ADP? Qual foi a importância da ADP até agora e de que modo ela pode influenciar na elaboração de um novo instrumento jurídico vinculante? Há expectativa de que na COP-21 seja feito um acordo para substituir o Protocolo de Kyoto?
Maureen Santos – A Plataforma de Durban tem esse nome porque foi um texto aprovado na COP em Durban, na África do Sul, em 2010. Ela substitui os “dois trilhos” de negociação, como chamavam à época: um trilho que negociava o segundo período de compromissos do Protocolo de Kyoto e o outro que negociava o que eles chamavam de novo acordo, que acabou não sendo realizado em Copenhague. A Plataforma de Durban inclui ainda as negociações sobre mitigação, adaptação, transferências de tecnologia, etc. Desse modo, ela é a referência, ou seja, o trilho principal da negociação, porque é ela que está estabelecendo toda a negociação para a criação de um novo instrumento jurídico vinculante. Ainda está em questão se isso será um protocolo ou um acordo.
Então, a Plataforma de Durban é a negociação principal, e é por isso que em vários momentos durante o ano os negociadores da plataforma se reuniram. Eles estiveram juntos em fevereiro, em Genebra, em junho na cidade de Bonn e ainda terão mais duas reuniões, em agosto e em outubro, antes da COP-21.
"Não imagino que no curto prazo teremos metas mais ambiciosas" |
IHU On-Line - O que são os Workstreams 1 e 2? O primeiro diz respeito ao conteúdo do novo acordo de clima, que entraria em vigor a partir de 2020; e o segundo é relativo à ambição que o país membro tem para implementar ações no período de 2015-2020, denominado pré-2020. Pode nos explicar qual é a função deles na COP-21?
Maureen Santos – Eles têm a ver com a Plataforma de Durban, ou seja, há dois grupos de negociação. Um dos grupos (workstream 1) negocia o novo acordo que deve ser aprovado agora em Paris, e os países terão cinco anos de prazo para ratificá-lo, começar a implementá-lo e colocá-lo em vigor a partir de 2020. Porém, por conta disso, acaba se tendo um “GAP” de cinco anos entre a aprovação e a implementação. Justamente por conta disso criaram o segundo Workstream, que corresponde ao período de 2015 a 2020 para mostrar se os países poderiam ter alguma ambição no sentido de implementar alguma ação de redução de emissões de gases de efeito estufa. Então, os workstreams 1 e 2 são dois grupos de trabalho dentro da plataforma de Durban, em que um deles cuida do mandato pós-2020 e o outro, pré-2020.
IHU On-Line – Uma das críticas à Conferência do Clima é a de que praticamente não existem metas no curto prazo até o período de 2020. A partir desse segundo grupo, é possível adotar mais metas no curto prazo?
Maureen Santos – Alguns países dizem que já estão implementando algumas metas. Por exemplo, o Brasil ainda não lançou suas INDCs, mas em 2009 o país adotou a Política Nacional de Mudanças Climáticas, na qual já assumiu compromissos voluntários de redução do desmatamento ilegal até 2020, redução de emissões em mais cinco ou seis setores, entre eles o de energia, siderurgia, transporte, agricultura, e com isso o país já tem algumas medidas que podem ser consideradas como metas de ambição. Tenho certeza de que em outubro, quando o Brasil apresentar suas INDCs, apresentará essas como parte das suas ações. Em geral, como os países têm de mexer em questões econômicas, não imagino que no curto prazo teremos metas mais ambiciosas. Isso também tem a ver com a demanda de alguns países, como o Brasil, de argumentar que já estão realizando ações agora e que, por isso, também deveriam receber algum benefício.
IHU On-Line – Entre os pontos centrais da negociação na COP-21, estão as Contribuições Intencionais Nacionalmente Determinadas - INDCs, que são as metas de contribuição de cada país. Você tem acompanhado quais países já informaram suas metas?
Maureen Santos – Sim, essas Contribuições Internacionais Nacionalmente Determinadas – INDCs formam o esqueleto do acordo da COP-21. Essa é a diferença com a COP que aconteceu em Copenhague. Até Copenhague, a discussão era em torno do modelo do Protocolo de Kyoto, ou seja, havia uma meta média global específica para um grupo de países, que são os países do Anexo I — os demais países não teriam obrigações com essa meta —, e esse era mais ou menos o caminho que se estava discutindo. Em Copenhague, como não houve um acordo aprovado pela maioria, iniciou-se esse debate sobre compromissos nacionais e, a partir de então, essa ideia de que os países poderiam assumir contribuições nacionais no sentido de autoidentificar qual o aporte que irá dar. Isso foi o que passou a guiar a tentativa de se chegar a um novo acordo, que será elaborado a partir das informações de cada país no sentido de como cada um pode contribuir.
Não sei exatamente quantos países até esse momento já apresentaram suas metas, porque desde junho alguns países acabaram divulgando suas metas, mas foram poucos. A ideia era de que até março deste ano os países do então Anexo I do Protocolo de Kyoto deveriam entregar as suas metas — por isso a União Europeia e os EUA já entregaram — e até primeiro de outubro os demais países membros da convenção têm prazo para apresentarem suas metas. O Peru e o México já apresentaram, mas, dos países que representam os emergentes, como China, Brasil, África do Sul e Índia, somente a China apresentou suas metas, que inclui a redução de carbono de 60 a 65% de 2005 até 2030 e o aumento da participação de energia não fóssil em 20%.
Os EUA assumiram uma meta de 26 a 28% de redução de emissões, a partir do ano base 2005, e teriam de assumir essa meta até 2025. As principais metas estão relacionadas à energia renovável, à eficiência, uma parte grande em relação à indústria.
IHU On-Line – Essas são metas avançadas?
Maureen Santos – Não, porque o grande ponto de análise é o ano base. Não é uma meta expressiva, mas é algo que eles estão colocando sob mesa, estando de acordo, ou seja, uma meta com a qual eles podem se comprometer. Ninguém estava esperando que fosse algo muito maior.
Mas pode ser que na negociação, durante a COP-21, seja possível melhorar essas metas, porque ainda haverá uma negociação sobre financiamento, transferência de tecnologia, etc., e ainda tem de ver como os países vão atuar em relação a esses outros pontos.
Recentemente, li um documento de uma pessoa que analisou os índices dos INDCs de 12 países, o qual sinaliza que de algum modo essas metas já cobririam 70% das emissões globais. Então, a meta da União Europeia é de 40% em relação ao ano base de 1990, e ela assumiria essa meta até 2030. Depois, o México apresentou uma meta não condicionada de 25% até 2030. O problema é que cada país usa um ano base de referência, então não sei como eles irão equacionar essas diferenças na COP-21. Vai ser difícil fazer a equalização dessas metas.
"O que tem sido feito tem destruído a biodiversidade e gerado impactos na saúde da população" |
IHU On-Line - O Brasil ainda não divulgou suas metas para a COP-21, mas já é possível vislumbrar com quais metas o país deverá se comprometer?
Maureen Santos – É complicado saber, porque os representantes do Brasil estão muito calados a respeito. Foi feita aquela consulta nacional que centrava em mitigação e adaptação, que foi interessante do ponto de vista de ser uma novidade em como o Brasil vinha fazendo o debate. Depois disso foi divulgado um relatório da consulta, e a ideia é que, a partir dessas contribuições e das políticas que já existem, seja possível apresentar a meta brasileira. Mas ainda está difícil saber e avaliar o que o Brasil vai divulgar. Imaginamos que vai incluir alguma meta em relação a energias renováveis, mas resta saber se isso se refere à matriz geral ou à matriz elétrica.
IHU On-Line - Outro ponto que você comenta é que muitos países defendem que o acordo deve ter equilíbrio entre mitigação e adaptação, e não focar só na redução das emissões (mitigação), como vem acontecendo no histórico de decisões das COPs. O que já se propõe em relação à adaptação?
Maureen Santos – Pela primeira vez se aponta que o acordo tem de ser equilibrado em relação à mitigação e à adaptação. No histórico das negociações da Convenção, a mitigação sempre foi o foco central, até porque o objetivo da Convenção é reduzir a emissão dos gases de efeito estufa. A demanda de que a adaptação deveria ter o mesmo tratamento que a mitigação já vinha sendo feita pelos países do G-77.
O problema é que o sistema de adaptação, do modo como é colocado, acaba servindo também para a questão da mitigação. Às vezes, as propostas são apresentadas em oficinas anteriores à negociação ou até durante as negociações, as quais são promovidas por instituições financeiras multilaterais ou por conglomerado de empresas ou governos, no sentido de criar propostas como a do climate smart agriculture, que tem um eixo de adaptação forte, mas que também tem um eixo de mitigação. A ideia é de que com a agricultura climaticamente inteligente se possa aumentar a produtividade, pensando num sistema mais resiliente e adaptável às mudanças climáticas, para com isso também captar mais gases de efeito estufa e assim resolver o problema das emissões.
Só que toda vez que se fala em aumento de produtividade, se pensa em mais estímulo agrícola, mais uso de fertilizantes na agricultura, mais transgênico, mais espécies adaptáveis. Então, essa é uma das nossas preocupações em relação ao debate de adaptação, porque ele deveria estar focado numa discussão de prevenção. Nesse sentido, a questão da cidade é fundamental nessa discussão, que se dá praticamente só em relação ao meio rural, mas a produção de alimentos gera um impacto muito grande também para as cidades. E, quando falamos em resiliência, temos de levar em conta que o que tem sido feito tem destruído a biodiversidade e gerado impactos na saúde da população.
Temos de ter um olhar mais carinhoso para esse debate da adaptação e trazer propostas que já estão sendo trabalhadas nas cidades e que têm impacto. Também é preciso financiamento; este é um gargalo grande na Convenção. Esse é um debate central quando se trata de discutir adaptação.
IHU On-Line – É nessa discussão sobre adaptação que está sendo proposta uma concepção de agricultura climaticamente inteligente? O que seria isso?
Maureen Santos – Exato. Não existe uma proposta formal dentro da negociação, mas toda vez que se fala do tema agricultura, ele entra como tópico de discussão pressionado, para que o mecanismo do climate smart agriculture, proposto pela FAO e pelo Banco Mundial, possa ser incluído como um novo mecanismo na discussão.
IHU On-Line – Então não existe uma proposta concreta do que seria a agricultura climaticamente inteligente?
Maureen Santos – Tem esta proposta conforme expliquei anteriormente, mas ela não entra na negociação como mecanismo ainda. Mas vira e mexe existem países que defendem que um modelo de agricultura deveria ser um modelo climate smart.
IHU On-Line – Toda vez que se entra num processo de crise climática ou agrícola, surge uma proposta revolucionária, como foi a Revolução Verde. A agricultura climaticamente inteligente poderia ser uma atualização da Revolução Verde ou cair nesse mesmo modelo?
Maureen Santos – Certamente. Toda vez que se fala de uma agricultura que aumenta a produtividade, já pode acender um alerta vermelho. Como vamos aumentar a produtividade? Com mais insumo agrícola? Com mais extensão de terra e domínio do território? Com mais desmatamento? Essa discussão do aumento da produtividade, que é o mesmo eixo da Revolução Verde, é bastante preocupante. Quando se fala do aumento da produtividade com resiliência, porque ela vai fazer adaptação, temos de nos perguntar como se dará essa adaptação, porque as propostas feitas por grandes empresas interessadas nessa discussão estão relacionadas ao uso de transgênicos e mais insumos, para criar plantas que sejam resistentes às mudanças climáticas. Então, existe aí uma agenda de tecnologia muito grande.
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"Existe um reducionismo gritante na negociação de clima" |
IHU On-Line – Como aconteceu recentemente com a discussão sobre economia verde, na Rio+20?
Maureen Santos – Exatamente. Inclusive, no ano passado, durante a cúpula com Ban Ki-moon, da ONU, em Nova York, alguns países entraram na Aliança Global para uma Agricultura Climaticamente Inteligente (Global Alliance for Climate Smart Agriculture). O Brasil não assinou e organizações e movimentos sociais brasileiros fizeram bastante pressão para que o Brasil não assinasse esse acordo, porque o consideramos muito complicado do ponto de vista da proposta e porque, ao assiná-lo, jogaria mais um elemento para o mercado de carbono. A proposta não cita o mercado de carbono diretamente, mas cita, por exemplo, a captura e estoque de carbono do solo (CCS). Além disso, sabemos que o CCS está ligado à questão do mercado de carbono em si. Portanto, volta-se para o mesmo debate de economia verde e esses novos mercados que são criados ligados ao carbono.
IHU On-Line - A proposta de Bioenergia e CCS, que sugere o plantio de uma enorme quantidade de grama e monocultivo de árvores para queima de biomassa com fins de geração de eletricidade, capturando o gás carbônico emitido e bombeando para reservatórios geológicos subterrâneos, que é um dos temas a ser discutido na COP-21, entra nessa mesma lógica?
Maureen Santos – A questão é a base, de novo, do monocultivo de árvore. Por um lado, é feito um projeto para captar carbono do ar e, nesse sentido, esse projeto é benéfico para a redução das emissões, porque terá um impacto positivo na questão das mudanças climáticas. No entanto, quando vamos analisar o projeto, trata-se de uma área extensa, gigantesca de eucalipto, como vemos no Vale do Jequitinhonha, para produção do carvão vegetal. Se calcularmos qual seria o gasto, para a siderurgia, de usar carvão mineral e o gasto em relação à emissão de gases usando carvão vegetal, veremos que a proposta de usar carvão vegetal é mais viável, mas também temos de nos perguntar qual é o impacto do eucalipto no solo, nas comunidades que vivem lá e na água. Nada disso é medido. Então, existe um reducionismo gritante na negociação de clima, que, ao focar só na questão de reduzir o carbono ou não, acaba não vendo a cadeia de impactos que uma proposta como essa da discussão de bioenergia pode gerar.
IHU On-Line - Como você interpreta tanto o acordo bilateral entre EUA e China quanto o encontro do G-7, de reduzir o uso de energias fósseis até 2100? Que peso essas ações tendem a ter na COP-21?
Maureen Santos – Os temas do acordo e da declaração do G-7 foram o maior burburinho durante a negociação de Bonn, em junho. Algumas pessoas avaliam que por serem os países mais importantes e por nunca terem feito uma declaração tão contundente, digamos assim, trata-se de uma sinalização importante, porque são países fundamentais para esse novo acordo. Mas, ao mesmo tempo, se pensarmos em 2100, trata-se de um período muito distante. Sempre brinco que em 2100 estaremos todos velhinhos e assim é muito fácil se comprometer com uma medida para 2100. Então, creio que, por um lado, trata-se de uma sinalização política, mas é também uma propaganda, pois 2100 está muito longe. Ainda estamos em 2015, ou seja, faltam 85 anos para atingir as metas.
Por outro lado, o acordo entre os Estados Unidos e a China realmente teve um impacto não só político, mas houve uma sinalização também importante dos dois países. O grande ponto é que não há acordo em Paris se os Estados Unidos e a China não se comprometerem, porque esses são os dois principais emissores e são os dois que estão fora de Kyoto. Por isso, ter essa sinalização política já é importante, para quem acha que é importante ter um acordo em Paris; esse é um elemento.
Outro elemento diz respeito a uma aproximação maior das economias, e isso, para o bem ou para o mal, terá algum impacto na construção de infraestrutura e de uma série de coisas. Do mesmo modo, a Declaração conjunta China-Brasil, com 33 acordos assinados entre os dois países, terá um impacto gigantesco do ponto de vista da economia brasileira, na discussão do desenvolvimento, do impacto socioambiental, na violação de direitos inclusive. Se analisarmos do ponto de vista da negociação de clima em si, trata-se de um acordo positivo, porque é uma sinalização política, mas qual é a implicação disso do ponto de vista concreto nos territórios?
"A Cúpula dos Povos ficou marcada como espaço de resistência da sociedade civil" |
IHU On-Line - Qual é a expectativa em torno da reunião que acontecerá entre 31 de agosto e 04 de setembro, em Bonn, que antecede a COP-21?
Maureen Santos – Essas reuniões fazem parte de um processo de enxugamento do texto de negociação. O texto ainda está muito grande, são mais de 80 páginas, e nas reuniões anteriores conseguiram reduzir mais ou menos dez páginas, mas não tem como fazer um acordo de 85 páginas, porque em duas semanas é impossível negociar tudo. Algumas negociações da plataforma de Durban terão que ser fechadas. Mas creio que a mais importante talvez seja a última reunião, antes de Paris.
IHU On-Line - Qual deve ser a agenda da Cúpula dos Povos na COP-21?
Maureen Santos – Na verdade não haverá Cúpula dos Povos na COP-21, e sim algumas atividades descentralizadas que estão sendo organizadas pela chamada coalizão francesa. Este coletivo que está construindo mobilizações descentralizadas e algumas centralizadas; as centralizadas serão em 30 novembro e a outra em 12 de dezembro. A ideia é que as organizações possam ter a última palavra em relação à COP-21. E durante a segunda semana irão proporcionar alguns espaços em que as organizações poderão fazer debates, mas eles não estão chamando isso de Cúpula dos Povos.
IHU On-Line – Por que há essa mudança, se a Cúpula dos Povos acabou sendo uma marca das COPs no sentido de ser uma contraproposta da sociedade civil?
Maureen Santos – Eles alegam que esse é um modelo que não gostariam de repetir. Mas as organizações demandam espaço e não há como fugir dessa questão de ter algum espaço para o debate. De fato a Cúpula ficou marcada como espaço de resistência da sociedade civil, e, do ponto de vista da América Latina, tínhamos uma expectativa que deveria ter, sim, a Cúpula dos Povos, mas respeitamos também as organizações e quem está organizando o processo.
IHU On-Line – Você está acompanhando a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura? O que lhe parece?
Maureen Santos – Estamos bastante preocupados, porque ali tem de tudo e a grande preocupação são esses tipos de aliança que englobam participantes de todos os lados. O grande eixo polarizador é o mercado, ou seja, quanto o mercado deve realmente ser o promotor e o viabilizador das políticas para tratar das questões climáticas.
Por Patrícia Fachin
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COP-21 e o desafio de equacionar as metas nacionais. Entrevista especial com Maureen Santos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU