19 Abril 2013
“Vamos oferecer atendimento individual e em grupo, oportunizando tanto uma experiência privada como coletiva onde poderão circular situações específicas da vivência dos sujeitos, tais como a clandestinidade ou de filhos com pais desaparecidos ou mortos”, diz a psicanalista.
Confira a entrevista.
“As pessoas que viveram uma situação traumática, como é a de tortura, ficam impedidas de falar sobre suas vivências e reorganizá-las psiquicamente em função da violência sofrida. A escuta psicanalítica promove esta possibilidade para quem sofreu a tortura, de construir/reconstruir sua memória individual”. O comentário é de Bárbara Conte, psicanalista do projeto Clínicas do Testemunho, que atenderá vítimas da ditadura militar e que propõe a “reparação às violações cometidas pelo Estado, entre os anos de 1946 a 1988, de acordo com a lei n. 10.559/2002”.
Segundo ela, a iniciativa “amplia e dá efetividade às políticas públicas de reparação do Estado brasileiro, além de dar conhecimento à sociedade sobre o passado ainda silenciado deste período da história do Brasil”. O atendimento psicológico, ressalta, também tem um efeito positivo de romper com efeitos psíquicos de gerações futuras. “Os familiares muitas vezes mantêm como um segredo as situações ocorridas, sendo que o que não pode ser falado e transmitido continua a produzir efeitos psíquicos nas gerações seguintes”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, a entrevistada explica como o projeto será realizado em quatro estados brasileiros.
Bárbara Conte é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-SP, mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS e doutora em Fundamentos e Desenvolvimentos em Psicanálise pela Universidad Autonoma de Madrid. É membro pleno e presidente da Sigmund Freud Associação Psicanalítica, onde ministra seminários e supervisões clínicas. Também participa do conselho editorial da revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em que consiste o projeto Clínicas do Testemunho, que oferecerá atendimento psicológico às vítimas de violação de direitos humanos e familiares?
Bárbara Conte – O projeto Clínicas do Testemunho está ligado ao Ministério da Justiça/Comissão de Anistia e visa disponibilizar reparação psicológica às pessoas que sofreram violência de Estado, assim como a seus familiares. Esta proposta é endereçada a todos os anistiados, anistiandos e seus familiares do Brasil, uma vez que em quatro estados brasileiros ocorrerá o Clínicas do Testemunho. São eles: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Eles reparação as violações cometidas pelo Estado entre os anos de 1946 a 1988, de acordo com a lei n. 10.559/2002.
IHU On-Line – Qual o significado de oferecer esse atendimento às vítimas 50 anos depois ditadura?
Bárbara Conte – Do ponto de vista da Comissão de Anistia, o projeto amplia e dá efetividade às políticas públicas de reparação do Estado brasileiro, além de dar conhecimento à sociedade sobre o passado ainda silenciado deste período da história do Brasil. A reflexão crítica dos acontecimentos ocorridos nesse período busca o aprofundamento e a consolidação da democracia em nosso país. A Sigmund Freud Associação Psicanalítica se integra a este projeto a partir de seleção por meio de edital público e se alia às propostas fundamentais: o direito à verdade e o direito à justiça.
IHU On-Line – Como a psicanálise poderá ajudar as vítimas que sofreram torturas na ditadura?
Bárbara Conte – A construção da verdade em psicanálise é a possibilidade que o sujeito tem de narrar sua história e temporalizar suas vivências. Dito de outra maneira, as pessoas que viveram uma situação traumática, como é a de tortura, ficam impedidas de falar sobre suas vivências e reorganizá-las psiquicamente em função da violência sofrida. A escuta psicanalítica promove esta possibilidade para quem sofreu a tortura, de construir/reconstruir sua memória individual. Da mesma forma, os familiares muitas vezes mantêm como um segredo as situações ocorridas, sendo que o que não pode ser falado e transmitido continua a produzir efeitos psíquicos nas gerações seguintes. Quebrar o silêncio é historizar, traduzir marcas que ficam sem inscrição simbólica (e daí produzem sintomas psíquicos), colocando o sofrimento individual na dimensão social que ela implica.
Nessa perspectiva é que iremos oferecer atendimento individual e em grupo, oportunizando tanto uma experiência privada como coletiva onde poderão circular situações específicas da vivência dos sujeitos, tais como a clandestinidade ou de filhos com pais desaparecidos ou mortos.
IHU On-Line – Como será realizado esse atendimento?
Bárbara Conte – O projeto busca, além do atendimento, a capacitação de profissionais e agentes de saúde que trabalhem com situações de violência. Vamos promover seminários e fóruns abertos aos interessados para debater temas e intervenções que digam respeito a traumas, memória, história e testemunho.
As metas do projeto buscam criar testemunho e conhecimento a respeito de fatos ligados ao período da ditadura assim como dos efeitos individuais e coletivos dele decorrentes. Quebrar o silenciamento e não deixar cair no esquecimento são direitos.
Iremos trabalhar por dois anos buscando formar uma rede junto de organizações civis e políticas, instituições de ensino, grupos vinculados aos direitos humanos e comitês de verdade e justiça. As pessoas interessadas em receber atendimento psíquico devem preencher uma ficha que está disponível em nosso site www.sig.org.br (ou no link abaixo) e enviar por e-mail à Comissão de Anistia, que encaminhará para as instituições que farão os atendimentos – no caso do Rio Grande do Sul, na Sigmund Freud Associação Psicanalítica. Quanto às capacitações, elas serão divulgadas e realizadas em nossa instituição, podendo ser acompanhadas pelo nosso site e pelo blog: projetosig.blogspot. Os interessados devem participar do programa Conversas Públicas, onde haverá a apresentação e lançamento do projeto.
Um link para baixar a ficha encontra-se aqui: http:/blog.justiça.gov.br/inicio/clínicas-do-testemunho-promoverao-atenção-psíquica-às-vítimas-da-ditadura-no brasil/
IHU On-Line – Qual a expectativa em torno do atendimento às vítimas da ditadura?
Bárbara Conte – Temos a expectativa de que a oportunidade que se abre com este projeto e o dispositivo de escuta que a psicanálise oferece venham a dar fala às pessoas que viveram este período de exceção de nosso país, estendendo-se a seus familiares. Tudo isso na tentativa de minimizar o sofrimento. Trata-se de um direito à justiça para as pessoas que lutaram em um período negro de nossa história – o da violência, da falta de liberdade e da tortura.
No dia 25 de abril de 2013 teremos o lançamento e a apresentação do projeto Clínicas do Testemunho/Sigmund Freud Associação Psicanalítica, com a atividade Conversas Públicas na Faculdade de Educação da UFRGS, no prédio 12201, Auditório Térreo, sala 101, às 19h30. Teremos a presença de Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia e secretário nacional de Justiça, Sissi Vigil Castiel, presidente da Sigmund Freud Associação Psicanalítica e Bárbara de Souza Conte, coordenadora do Projeto/SIG. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 3062.7400 ou pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
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Clínicas do testemunho: o direito à verdade e à justiça. Entrevista especial com Bárbara Conte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU