29 Outubro 2011
Regular não significa controlar ou censurar, diz Paulo Faustino à IHU On-Line, ao comentar o debate acerca da regulação da mídia brasileira. Para ele, a condução da discussão sobre o tema é confusa porque as empresas de comunicação argumentam que o Estado quer controlar a mídia. A autodefesa e o receio em criar um marco regulatório para mídia brasileira acontecem porque "se tem um temor de implantar modelos que existem em outros países latino-americanos, os quais podem induzir a um modelo mais estatizante. Os meios de comunicação têm medo de que, com a regulação, o Estado crie mecanismos para controlar a mídia. Mas isso não é regulação, é outra coisa".
No que se refere à criação de mecanismos para controlar os conteúdos da internet, Faustino menciona que é difícil criar regras para a rede, porque "a internet é, por natureza, um espaço que nasce completamente livre".
Em visita ao Brasil para lançar o livro Gestão estratégica e modelos de negócio: o caso da indústria de mídia (MediaXXI/Formalpress), Faustino conversou com a IHU On-Line pessoalmente e se diz otimista em relação às redes sociais, porque elas têm sido um instrumento importante para o cidadão exercer a cidadania. Através das articulações online, aponta, "as mensagens fluem rapidamente e criam correntes de opiniões internacionais, estimulando as pessoas a lutarem pelos seus direitos. Este é o mundo novo e muito interessante do ponto de vista de uma sociedade democrática".
Paulo Faustino é especialista em economia, gestão e políticas públicas dos media. Atualmente é docente na Universidade Católica Portuguesa e na Universidade do Porto.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor vê as propostas de regular a mídia? Que eixos deveriam fazer parte de um marco regulatório?
Paulo Faustino – Tenho uma visão geral da questão da regulação da mídia. Penso que, por um lado, o debate brasileiro está desfocado e não é esclarecedor, porque a visão das empresas de comunicação já está impregnada na população. Elas argumentam que a regulação vai controlar a mídia. Mas a regulação não serve para controlar, e, sim, criar regras de funcionamento de forma a beneficiar, em última análise, o cidadão, o consumidor da informação.
Compreendo, de certa maneira, porque há esse receio de regular a mídia no Brasil. Em parte, ele acontece porque se tem um temor de implantar modelos que existem em outros países latino-americanos, os quais podem induzir a um modelo mais estatizante. Os meios de comunicação têm medo de que, com a regulação, o Estado crie mecanismos para controlar a mídia. Mas isso não é regulação, é outra coisa.
Corregulação e autorregulação
Quando se fala em regulação, deve se falar também em corregulação e autorregulação. Quer dizer, a autorregulação é um mecanismo de iniciativa da sociedade civil para regular um conjunto de regras que sejam conhecidas por todos que atuam no setor. Um exemplo disso é o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – Conar. A corregulação é a correlação entre as entidades reguladoras e os regulados, no sentido de criarem regras para ambos.
A regulação pode ser benéfica para o país, para o cidadão e para as instituições. Em Portugal e na Europa as empresas de mídia recorrem às agências de regulação para protestar sobre algo que consideram não ter sido uma boa prática de um veículo concorrente. A regulação tem que ser pedagógica, ao mesmo tempo em que é punitiva. Nesse sentido, deve, por um lado, compreender a dimensão econômica das instituições, mas também considerar que as empresas de comunicação lidam com fatos e, portanto, o produto que resulta de uma empresa de comunicação social tem um impacto maior do que o produto de uma empresa de serrotes, por exemplo. Por isso a mídia deve ser regulada e vigiada pelos estados e cidadãos. O Estado, por outro lado, deve evitar uma intervenção muito ativa, ou seja, não deve querer regular tudo ao mesmo tempo. O que importa é criar um quadro geral da regulação que dê folga para as empresas atuarem, mas que permita ao Estado a possibilidade de censurar aquilo que acredita ser uma má prática.
IHU On-Line – Como fica a regulação de sites independentes, por exemplo?
Paulo Faustino – A questão dos sites independentes na internet deve ser tratada em outro nível de abordagem e é um desafio para todas as sociedades, porque a regulação eletrônica é muito complexa, já que, além dos conteúdos, devem ser considerados aspectos técnicos. Por outro lado, é difícil criar mecanismos porque a internet é, por natureza, um espaço que nasce completamente livre.
IHU On-Line – No caso da China, a população não tem acesso a vários conteúdos. Esse caso se configura como censura?
Paulo Faustino – Sim. O problema é este: toda vez que se tomam medidas de regulação, há o risco de se configurar uma censura. É preciso cada vez mais que, nas escolas, as pessoas sejam educadas para lidar com as mídias. Do ponto de vista técnico e jurídico, é muito difícil criar mecanismos de regulação, porque a internet é uma rede global. Há muitas investigações sobre isso, mas a conclusão é sempre a mesma: regular a internet é uma complexidade tremenda.
A regulação da internet só pode ser feita através do desenvolvimento da tecnologia. Empresas como o Google e outras, que possuem software, poderiam tentar criar algumas regras ou um sistema de crepitação automática de conteúdos. Elas, no entanto, não têm interesse em fazer isso.
IHU On-Line – Percebe alguma tendência política de criminalizar sites independentes e, de certa forma, a internet?
Paulo Faustino – Nos países da Europa e nos Estados Unidos, apesar de haver uma preocupação com a internet, não tem havido a iniciativa de criar regras, justamente por se pensar que tal poderia se configurar como censura. Por outro lado, a preocupação com o uso da internet é evidente em determinados países árabes e na China. Eles argumentam que é preciso regular a internet, mas praticam a censura e cortam a liberdade de expressão das pessoas com o argumento de regular os conteúdos que são prejudiciais para a sociedade.
IHU On-Line – Como avalia a articulação das pessoas através das redes sociais, especialmente no mundo árabe e na Espanha? Vê nas redes um potencial para se buscar um novo modelo democrático?
Paulo Faustino – Sim. Do ponto de vista da tentativa de conquistar um mundo melhor, as redes sociais são um instrumento para o cidadão exercer a cidadania. Elas permitem a mobilização das pessoas, o que é um aspecto importante. Além disso, as mensagens fluem rapidamente e criam correntes de opiniões internacionais, estimulando os cidadãos a lutarem pelos seus direitos. Este é o mundo novo e muito interessante do ponto de vista de uma sociedade democrática. Hoje em dia vai ser cada vez mais difícil os governos cortarem o contado de um país com o exterior. Claramente as redes sociais e a internet deram ao mundo um novo fôlego em termos de cidadania.
Evidentemente, temos de refletir se é legítimo, mesmo tendo esta liberdade de publicação, publicar documentos que supostamente são segredos de Estado. Isso nos leva à questão de definir o que deve ser ou não segredo de Estado. Essa é uma discussão muito complicada. Por princípio, alguns dizem que o Estado não pode ter segredos, que os governos precisam ser transparentes; mas admito que alguns assuntos devem ser reservados. Nesse sentido, o WikiLeaks lança um debate do que deve ou não ser conhecido pelo público.
IHU On-Line – Como vê o debate sobre o direito autoral no Brasil? Na era digital, do software livre, como esse tema deve ser abordado?
Paulo Faustino – O direito autoral, por princípio, deve estar presente em qualquer tipo de criação intelectual, mas vejo esse debate de duas formas. A internet é mais livre do que a mídia tradicional. Entretanto, os empregadores aproveitam determinada criação de um autor e a adaptam em outros suportes. Isso não é negativo, mas o debate é: em que medida as pessoas que criaram essas peças deveriam receber um valor adicional pela sua criação e pela publicação em vários meios de comunicação? As empresas veem essa questão de outra forma e, portanto, criam contratos com os jornalistas, com os criadores de conteúdo, para que produzam materiais que serão publicados em diferentes plataformas.
Os jornalistas que produzem conteúdo acham essa situação injusta porque supostamente, na lógica clássica antiga, as pessoas trabalhavam para um único meio. Entretanto, as empresas argumentam que os jornalistas são contratados para produzir conteúdo, até porque elas estão cada vez mais multimídias.
Do ponto de vista da internet, é complicado regular as pessoas que fazem copy paste e que têm uma criação intelectual baseada em outros autores. Em Portugal foi descoberto o caso de uma jornalista que traduzia alguns artigos e fazia pequenas alterações no texto, publicando-os na revista New Yorker como sendo de sua autoria.
Sou editor de livros e, em 2006, fui para a China participar de uma conferência. Para minha surpresa, ao visitar uma livraria, vi o livro de um amigo traduzido para o chinês, e ele não fazia a mínima ideia disso. A questão dos direitos autorais na China é um assunto muito novo e pouco discutido. Na Europa e nos Estados Unidos esse tema é discutido com frequência e começa a ganhar uma base jurídica; está começando a existir uma interiorização ética da necessidade de produzir direitos de autor.
Direito autoral
O papel das agências de clippings não é muito discutido no Brasil, mas na Europa, está sendo constituída uma associação para gerenciar os conteúdos reproduzidos pelas agências. Desse modo, elas terão de pagar o direito autoral da reprodução dos conteúdos dos jornais, porque os veículos argumentam que, ao digitalizarem os conteúdos, as pessoas deixaram de comprar jornais, e, por outro lado, alegam que o direito autoral precisa ser reivindicado.
A sofisticação da questão do direito autoral vai ser mais efetiva quando as empresas reivindicarem esse direito. Estão tentando instalar isso nos Estados Unidos, mas ainda é um movimento informal. Seguramente, tal questão vai evoluir para uma legislação concreta e as empresas de clipping terão que pagar uma comissão de utilização dos conteúdos.
IHU On-Line – Qual a contribuição da internet para a democratização da comunicação e da informação?
Paulo Faustino – Há duas grandes correntes sobre o papel dos conteúdos na internet do ponto de vista do impacto social. Uma acredita que a internet aumentou o pluralismo da mídia e, com isso, a sociedade teve acesso a uma diversidade de conteúdos e de emissores de conteúdos. Por outro lado, há quem acredite que os conteúdos mais influentes ainda são adquiridos pelas grandes empresas de mídia. Quando a News Corporation entrou no negócio das redes sociais, muitos defenderam que haveria ainda mais concentração da informação no mundo.
Em todo o caso, acredito que pensamos somente nas influências dos conteúdos em função de sua audiência. Às vezes, um jornal online ou uma rádio comunitária têm um poder de informação muito superior à sua audiência. Ou seja, o poder não é diretamente proporcional à audiência. A partir dessa perspectiva, penso que o mundo ganhou mais e se tornou mais plural. Os movimentos do mundo árabe são exemplo disso.
IHU On-Line – Que políticas públicas seriam fundamentais para as mídias, considerando a proliferação da internet e o surgimento de novos blogs e sites independentes?
Paulo Faustino – As soluções não são fáceis de encontrar. É importante educar as pessoas, sensibilizá-las a serem honestas intelectualmente. As crianças deveriam aprender que o direito autoral é algo que deve ser preservado, que é bom uma pessoa ser intelectualmente correta. Também é fundamental educar as pessoas para o consumo, para aprenderem a consumir com consciência.
As políticas públicas devem ser desenhadas em função das características de cada país, mas devem obedecer às boas práticas internacionais. Caso o Brasil avance no debate sobre o marco regulatório, deverá seguir como base os casos da Europa e dos Estados Unidos e não os da América Latina, que possui modelos mais estatizantes de regulação. Independentemente da política pública implementada, o importante é garantir a transparência.
IHU On-Line – Em seu livro, o senhor menciona que as empresas de comunicação devem investir em novas estratégias a partir da internet. A que se refere especificamente?
Paulo Faustino – Abordo algumas transformações dos modelos de negócios das empresas de mídia e o esforço que elas estão fazendo para criar outros sites com o objetivo de compensar a perda de publicidade. No Brasil, este cenário ainda não é tão notório.
Também menciono os desafios enfrentados pela mídia para abordar, de uma forma indireta, a questão da responsabilidade social, que está em correspondência com aspectos da regulação, aspectos da boa convivência com a sociedade. Obviamente que a atividade-fim das empresas é gerar lucro, mas elas precisam estar atentas à responsabilidade social.
O livro faz uma análise dos modelos de negócio dos vários segmentos: televisão, imprensa e rádio, mas de fato, percebe-se que as empresas são cada vez mais multimídias. Nesse sentido, a internet está desafiando as mídias tradicionais para encontrarem alternativas não somente do ponto de vista de financiamento, mas também do ponto de vista de utilizar a internet para criar alternativas de acordo com o perfil das empresas.
IHU On-Line – Que perspectiva vislumbra para a comunicação a partir da internet? Como vê o futuro da profissão de jornalista diante das redes sociais?
Paulo Faustino – Na Europa e nos Estados Unidos, as últimas gerações já assimilaram a nova forma de trabalho determinada pela internet. Os jovens saem da faculdade e não criticam isso. As implicações que a internet gerou no mundo do trabalho são percebidas essencialmente pelas pessoas que foram educadas a fazer produção jornalística de outra forma.
Penso que a internet em si não precariza o trabalho. Ele é precarizado pela conjuntura adversa e pelas mudanças que ocorreram na sociedade. As empresas de mídia viveram muitos anos de prosperidade ao lançarem um produto no mercado. Hoje em dia existem outras formas complementares e mais baratas de promover um produto.
Por outro lado, as empresas estão investindo cada vez mais na comunicação fora das mídias, como marketing, mala direta, relações públicas e realização de eventos. Toda essa dinâmica está fazendo com que haja uma migração do investimento publicitário de mídia tradicional para a mídia alternativa. Essa atitude gera um problema de financiamento para as empresas da mídia tradicional, que não possuem tantos recursos como tinham no passado para pagarem melhores salários e empregarem mais pessoas. As empresas, portanto, investem mais em publicidade e contratam menos jornalistas. É uma situação preocupante. Por outro lado também, é importante ter em conta que o jornalismo online está criando novos perfis de empregos. Há empregos que se destroem, mas outros são criados.
O problema é que vivemos em uma sociedade muito racional, muito orientada por prazos e resultados, e as empresas também são pressionadas para obterem resultados rápidos e terem lucratividade. A racionalidade nas empresas conduzirá à precariedade e à diminuição dos empregos.
Se fizéssemos um balanço sobre a empregabilidade, veríamos que é necessário mudar o conceito e, em vez de falarmos em jornalistas, deveríamos pensar em profissionais da comunicação. Evidentemente, existem diferenças, mas do ponto de vista da criação e do emprego, foram criadas novas atividades ligadas à comunicação. Hoje em dia, há cada vez mais pessoas formadas em Comunicação trabalhando em empresas.
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""As redes sociais e a internet deram ao mundo um novo fôlego em termos de cidadania’’. Entrevista especial com Paulo Faustino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU