03 Agosto 2011
Os acampamentos que tomaram as praças de diversos países da Europa a partir do dia 15 de maio conseguiram acabar com a apatia política e permitiram que "muitas pessoas recuperassem a confiança na ação coletiva e na capacidade de mudar as coisas". Essas conquistas são "a maior vitória do movimento 15M", comemora Josep Maria Antentas, em entrevista à IHU On-Line.
Crítico da "profissionalização da política" e da redução da democracia a um "simples mercado eleitoral entre opções políticas parecidas e subalternas aos poderes econômicos", o 15M expressa, segundo o sociólogo, "uma vontade firme de recuperar o controle sobre os assuntos públicos, sobre a tomada de decisões, e de criar espaços democráticos de participação popular, como as assembleias de bairro".
A poucos dias de completar três meses, o 15M já conseguiu articular algumas reivindicações em defesa da população, que sofre com as desigualdades sociais e a precarização do mercado de trabalho provocadas pelo neoliberalismo. "Em muitos bairros de cidades de todo o Estado espanhol, a mobilização social conseguiu paralisar vários despejos de famílias que não podiam pagar sua moradia. Na Catalunha, onde o governo catalão anunciou fortes cortes na saúde, as ocupações de ambulatórios conseguiram, em alguns casos, evitar fechamentos e cortes dos serviços de urgência e outros", conta o sociólogo.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Antentas avalia as manifestações do movimento, fala sobre a crise econômica e política internacional e assegura que "estamos no começo de uma nova onda de lutas, da qual o 15M e as ocupações de praça foram a primeira sacudida".
Josep Maria Antentas é professor de Sociologia da Universitat Autònoma de Barcelona – UAB.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A partir das mobilizações do 15M, você acha que pode haver mudança no conceito de democracia representativa tal como a conhecemos hoje?
Josep Maria Antentas – O 15M impugna o atual modelo político. Embora de forma imprecisa e sem contradições e limites, o movimento critica a profissionalização da política, a redução da democracia a um simples mercado eleitoral entre opções políticas parecidas e subalternas aos poderes econômicos e a perda de controle sobre os representantes políticos. O movimento expressa uma vontade firme de recuperar o controle sobre os assuntos públicos, sobre a tomada de decisões, e de criar espaços democráticos de participação popular, como as assembleias de bairro, por exemplo. Dentro dele, existem, em todo o caso, sensibilidades e visões diversas sobre modelos alternativos de democracia e sobre que relação é preciso manter com a política partidária. Não haverá mudanças substanciais, no entanto, no atual modelo de democracia representativa se não houver mobilização social suficiente para impô-las.
IHU On-Line – A partir dessas manifestações sociais da multidão, a sociedade se encaminha para um novo momento político?
Josep Maria Antentas – O movimento nascido no dia 15M [15 de maio] marca um ponto de inflexão na história social do Estado espanhol. As mobilizações desses dois meses foram autênticas lutas fundacionais que marcam o nascimento de uma nova etapa. A fase dominada pelo medo e pela resignação terminou. Na gestão da crise, as classes dominantes finalmente se depararam com a irrupção das massas e com formas particularmente audazes, combativas e chamativas. A partir de agora, elas vão ter um interlocutor incômodo que não previam.
O que aconteceu desde o dia 15 de maio favoreceu a politização da sociedade, a abertura de novos espaços de auto-organização e de participação popular, e foi uma revolta contra a apatia e a despolitização.
IHU On-Line – Em que consistiria hoje uma mudança na política e na democracia?
Josep Maria Antentas – A política e a democracia atuais se converteram em uma política a serviço de uma minoria privilegiada, sob o domínio da elite financeira, e executada por uma casta profissionalizada e com estreitos vínculos com o mundo dos negócios. Qualquer mudança significativa passa pelo rompimento com o neoliberalismo e a subordinação da política aos interesses empresariais e pelo favorecimento da possibilidade das pessoas de controlar suas próprias vidas e seu próprio destino, fomentando a auto-organização popular e a participação nos assuntos coletivos. É necessário antepor outra lógica baseada na defesa dos bens comuns, na solidariedade comum e na igualdade à lógica dominante sustentada na privatização, na concorrência e no egoísmo.
IHU On-Line – Quais são os impactos da crise financeira global na sociedade europeia?
Josep Maria Antentas – A crise aprofundou os efeitos sociais das políticas neoliberais que sofremos há décadas. Ela aumenta a polarização da riqueza, a deterioração do mercado de trabalho e o aumento do desemprego. Com a desculpa da crise e do déficit, pôs-se em marcha uma verdadeira "guerra social europeia", que busca destruir as regulações sociais que ainda restam na Europa e restaurar os mecanismos de dominação de classe.
A submissão mostrada por parte dos partidos políticos ao mundo financeiro tornou-se mais patente do que nunca, fazendo aumentar o desinteresse com respeito à política institucional e o ceticismo em relação aos representantes políticos, cujo descrédito é crescente. A crise mostrou cruamente as falácias ideológicas do neoliberalismo e expôs a verdadeira natureza do sistema, cujo álibi desvaneceu. Acredito que as pessoas têm a sensação de viver em uma democracia sequestrada pelo poder financeiro, pelos mercados, pelas agências de rating.
IHU On-Line – É possível fazer um balanço das consequências do sistema neoliberal na Europa durante a última década?
Josep Maria Antentas – O neoliberalismo provocou o aumento das desigualdades sociais, a polarização da riqueza, a precarização do mercado de trabalho, a erosão dos direitos trabalhistas e dos mecanismos de proteção social, a depredação ambiental e a privatização do espaço público. Também significou a generalização de uma cultura consumista e individualista, e a propagação dos valores da competitividade, da concorrência e do egoísmo, e contribuiu para a fragmentação social, rompendo as solidariedades de classe e a privatização da vida social das pessoas.
IHU On-Line – Alguns sociólogos dizem que a Europa voltou a descobrir os seus pobres. Desde quando o estado de bem-estar social está prejudicado? Qual é a situação atual do bem-estar social na Europa?
Josep Maria Antentas – A situação é muito díspar em cada país, pois os modelos ou regimes do Estado de bem-estar foram diferentes na Europa mediterrânea, na anglo-saxônica, na central ou na escandinava e, sem dúvida, no Leste Europeu. Mas a tendência geral das últimas décadas tem sido a erosão de conquistas e das regulações sociais.
As classes dominantes europeias consideram que os direitos sociais existentes no velho continente são um obstáculo para a competitividade internacional das empresas europeias na sua luta para não perder posições na economia global. Por isso, desmantelar tanto quanto possível o chamado "modelo social europeu" é seu objetivo estratégico há décadas e tem se intensificado ainda mais agora.
IHU On-Line – O que se pode esperar dos partidos de esquerda europeus? É possível uma alternativa política?
Josep Maria Antentas – A social-democracia está totalmente integrada à lógica do sistema atual e não tem uma agenda própria de saída para a crise diferenciada da agenda da direita e se limita a administrar os interesses do poder financeiro. Não se pode esperar nada dela. À sua esquerda, os Verdes europeus experimentaram há muito tempo um rápido processo de integração às instituições, chegando a fazer parte de muitos governos com a social-democracia e aplicando, sem se duvidar, políticas social-liberais envolvidas em uma maquiagem verde. Em muitos países, eles crescem eleitoralmente com o voto desencantando da social-democracia, que busca votar alguma coisa um pouco melhor e mais nova, mas não têm nenhum projeto alternativo.
Por sua vez, a maioria dos partidos comunistas, ou das coalizões dominadas por eles (com as exceções de Portugal e da Grécia, onde há partidos comunistas de tipo stalinista), tendeu a se mover para a direita, institucionalizando sua prática política e governando sempre que puderam ao lado da social-democracia e se subalternizando a ela. Em alguns lugares, eles crescem eleitoralmente, à custa da social-democracia, mas carecem de vínculos sólidos com os movimentos sociais e com as novas gerações militantes. Existem alternativas anticapitalistas relevantes em alguns países, como o Bloco, em Portugal, ou o NPA, na França, que são tentativas de articular novos projetos anticapitalistas orientados para as lutas, embora também estejam em dificuldade. E em vários países europeus a esquerda anticapitalista, sem ser relevante no plano político-eleitoral, tem um papel significativo nas lutas sociais. O desafio de fundo continua sendo construir uma alternativa política que traga um projeto de ruptura, orientada para as lutas e com uma concepção não institucional da política, e que adquira influência social em uma sociedade fragmentada e crescentemente desestruturada.
IHU On-Line – Como os políticos e as instituições financeiras se manifestaram frente às manifestações do 15M?
Josep Maria Antentas – Primeiro, reagiram com incredulidade e com a esperança de que o movimento fosse algo passageiro. Assumindo-se que ele não o é, as reações se dividem entre a hostilidade manifesta, incluindo as tentativas de criminalizá-lo, e as mostras demagógicas de falsa simpatia por ele.
O movimento propõe uma série de mudanças que questionam desde a raiz a atual política econômica e a lógica da política profissional. Apesar de que algumas demandas isoladas do movimento possam ser satisfeitas e que alguns setores moderados em seu interior poderiam ser cooptados ou instrumentalizados, a classe política e o poder financeiro consideram muito difícil poder desativar um movimento como esse e não podem reabsorver suas demandas sem tocar o núcleo duro das suas atuais políticas.
IHU On-Line – Qual é o impacto do movimento na política e na economia espanhola? O 15M conseguiu alguma ação concreta?
Josep Maria Antentas – O movimento irrompeu de forma inesperada e abrupta na vida política e social do Estado espanhol. Depois de dois anos e meio em que as resistências à crise haviam sido limitadas (embora reais), a eclosão do 15M mudou todo o panorama político, social e cultural do país. Ele impugna o atual modelo econômico, as políticas em curso e o regime político nascido na Espanha pós-franquista. Emergiu um novo ator político e social, cuja existência é extremamente molesta para os poderes políticos e para todas aquelas pessoas que detêm o monopólio da vida pública e da tomada de decisões, que se veem agora abruptamente interpelados por um movimento que eles não esperavam e cuja vitalidade lhes desconcertou.
A maior vitória do movimento é que ele permitiu a muitas pessoas recuperar a confiança na ação coletiva, na capacidade coletiva de mudar as coisas. Ele demonstrou que "sim, é possível", que é possível vencer depois de muitos anos de retrocessos e de derrotas. Desde o 15M até agora, conseguiram-se várias vitórias que geraram uma sensação de força e de otimismo: primeiro, o desafio à Junta Eleitoral Central e à sua proibição dos acampamentos e as ocupações de praça na véspera das eleições do 22M [22 de maio]; segundo, a vitória frente à tentativa de desalojamento da Praça Catalunya no 27M [27 de maio] pela polícia; terceiro, a vitória contra a tentativa de criminalização midiática do movimento depois da jornada de bloqueio do Parlamento da Catalunha no 20J [20 de junho], por ocasião do debate sobre orçamentos do governo catalão.
Também foram conseguidas algumas vitórias concretas, embora muito defensivas. Em muitos bairros de cidades de todo o Estado espanhol, a mobilização social conseguiu paralisar vários despejos de famílias que não podiam pagar sua moradia. Na Catalunha, onde o governo catalão anunciou fortes cortes na saúde, as ocupações de ambulatórios conseguiram, em alguns casos, evitar fechamentos e cortes dos serviços de urgência e outros. Em muitas cidades, durante esses dois meses, também se impediu, de fato, a aplicação das repressivas "ordenanças do civismo" (que regulam o uso do espaço público), mesmo que, se não se conseguir a sua revogação, sua aplicação voltará a ser implacável quando o movimento baixar.
No entanto, é preciso reconhecer que o movimento ainda não obteve força suficiente para reverter o sentido geral das políticas antissociais em curso, nem as grandes reformas neoliberais, nem a aprovação dos cortes sociais no caso da Catalunha.
IHU On-Line – Quais são os efeitos sociais e políticos do movimento 15M na Europa?
Josep Maria Antentas – A arrancada do movimento no Estado espanhol gerou muitas demonstrações de solidariedade e de simpatia. Sob o impulso muitas vezes de estudantes provenientes do Estado espanhol em muitos países europeus, houve acampamentos e ocupações simbólicos de praça em solidariedade com o movimento do 15M e tentativas de dar início a um movimento similar. Na Grécia, o país europeu com uma situação social mais explosiva desde que a crise estourou, o movimento popular acrescentou o método "ocupação de praça + acampamento" ao seu protesto, convertendo a Praça Syntagma de Atenas no centro da mobilização social contra os novos planos de ajuste. A emergência do 15M no Estado espanhol, os protestos na Grécia são sintomas de que começa a haver uma mudança de tendência no conjunto da União Europeia e de que está tendo início um ciclo de mobilizações contra os efeitos das crises. As revoltas do mundo árabe e os protestos no sul da Europa colocaram o Mediterrâneo no epicentro dessa nova onda de lutas.
IHU On-Line – Qual a sua expectativa com relação ao 15M, dois meses depois do surgimento do movimento?
Josep Maria Antentas – Estamos no começo de uma nova onda de lutas, da qual o 15M e as ocupações de praça foram a primeira sacudida. A emergência das assembleias de bairro são a conquista organizativa mais forte do movimento, e sua dinâmica, por enquanto, é positiva. As últimas mobilizações, como a marcha em Madri nos dias 23 e 24 de julho passado, a manifestação contra os orçamentos do governo catalão em Barcelona no dia 20 de julho e, sobretudo, as inumeráveis mobilizações em pequenas cidades contra os cortes na saúde e os despejos mostram a vitalidade do movimento. Em setembro e outubro, haverá novas lutas, e a jornada de manifestações do dia 15 de outubro provavelmente será forte. Um dos desafios e matérias pendentes é penetrar nos centros de trabalho, levar a indignação às empresas e agitar o panorama sindical, questionando a política de concertação dos sindicatos majoritários.
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15M. A caminho de um novo momento político. Entrevista especial com Josep Maria Antentas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU