19 Dezembro 2025
A carta acusa o presidente americano de usar tarifas para influenciar o tribunal que condenou Bolsonaro por tentativa de golpe.
A informação é de Iker Seisdedos, publicada por El País, 19-12-2025.
Mais de 40 membros democratas do Congresso enviaram uma carta nesta quinta-feira ao presidente Donald Trump condenando suas “múltiplas e sem precedentes tentativas de minar a democracia no Brasil”, bem como “seus esforços fracassados para proteger o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro de ser responsabilizado pela tentativa de golpe” de janeiro de 2023.
O texto, obtido pelo EL PAÍS, centra-se na utilização, por Trump, da ameaça de impor tarifas de 50% ao seu parceiro comercial, o que os deputados que assinaram a carta consideram "um uso indevido e ilegal da Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (IEEPA)", uma vez que o presidente justificou a medida argumentando que Washington estava a tentar resolver um "déficit comercial insustentável" com essas tarifas. Os congressistas salientam que os Estados Unidos "têm registado um excedente comercial com o Brasil todos os anos desde 2008".
O recurso à IEEPA está no cerne do caso que está sendo analisado pelos nove juízes da Suprema Corte de Washington, que devem decidir sobre a constitucionalidade das tarifas. A decisão, que pode comprometer toda a política comercial de Trump, é iminente.
O presidente americano, que incluiu o país latino-americano e seu presidente, Lula da Silva, na lista de 25 países que ameaçou com novas tarifas por carta enviada no início do verão passado, nunca escondeu suas verdadeiras intenções: pressionar os juízes no caso que então corria contra o ex-presidente Bolsonaro por seu envolvimento na tentativa fracassada de golpe de janeiro de 2023. Por essas ações, o Supremo Tribunal Federal de Brasília condenou Bolsonaro, em setembro passado, a 27 anos de prisão. Nesta quarta-feira, o Senado do país latino-americano aprovou um projeto de lei para reduzir as penas de prisão do ex-presidente e dos demais indivíduos condenados pela tentativa de golpe.
A carta enviada a Trump é uma iniciativa dos representantes Adriano Espaillat (Nova York) e Linda Sánchez (Califórnia). Entre os signatários estão alguns dos membros mais proeminentes da ala progressista do Partido Democrata, incluindo Alexandria Ocasio-Cortez e Nydia Velázquez (ambas representantes de Nova York), Sarah McBride (Delaware), Ilhan Omar (Minnesota) e Greg Casar (Texas).
O texto compara a tentativa de Trump de proteger Bolsonaro de problemas legais com os esforços do republicano "para se esquivar da responsabilidade pela revolta de 6 de janeiro nos Estados Unidos", o dia da invasão do Capitólio. "Além disso, o senhor alegou falsamente que as tarifas eram necessárias para supostamente defender a 'liberdade de expressão' no Brasil", acrescenta a carta, referindo-se à legislação com a qual o país recentemente restringiu o discurso de ódio e a desinformação nas redes sociais. "Uma decisão do Supremo Tribunal Federal", lembram os congressistas, "declarou essas medidas compatíveis com a Constituição brasileira. Iniciar uma guerra comercial para resolver questões não comerciais é injustificado e contraproducente."
O imposto mais alto
Como resultado dessa pressão, Trump acabou impondo ao Brasil a tarifa mais alta entre dezenas de parceiros comerciais dos EUA, após meses de negociações. Membros do Congresso acusam o presidente de ter "excluído certos produtos brasileiros" dessa alta tarifa para "beneficiar empresas com fortes laços com seu governo, incluindo a gigante brasileira de carnes JBS, que fez a maior doação individual (cinco milhões de dólares)".
A carta também critica o republicano por invocar a Lei Magnitsky para revogar vistos e sancionar ministros do Supremo Tribunal Federal e seus familiares. “Condenamos esta tentativa explícita de exercer pressão indevida sobre o judiciário independente de outra nação democrática e soberana”, alerta o texto, argumentando que as decisões de Trump “prejudicaram a liderança dos EUA na região”. Assim como outros países, afirmam os signatários, o Brasil “intensificou seus esforços para se distanciar de Washington”, promovendo acordos comerciais com países como México e Vietnã.
“A China aproveitou rapidamente a oportunidade para fortalecer seus laços com o Brasil, apresentando-se como ‘defensora’ do Sul Global contra os Estados Unidos, expandindo a cooperação do BRICS e recorrendo ao Brasil para obter commodities essenciais”, continua a carta, observando que as importações chinesas de soja do Brasil aumentaram em quase 30%, deslocando os agricultores americanos.
Lula e Trump se encontraram pessoalmente pela primeira vez em outubro, depois de Lula ter passado meses tentando estabelecer um diálogo com o presidente republicano para suspender as tarifas. Eles conversaram novamente no início de dezembro, em meio a um destacamento militar sem precedentes dos EUA para pressionar o presidente venezuelano Nicolás Maduro e dias depois de Lula ter se oferecido publicamente para interceder junto a Trump a fim de reduzir as tensões no Caribe.
Na última sexta-feira, os Estados Unidos retiraram o juiz Alexandre de Moraes da lista de sanções da Lei Magnitsky. Foi a segunda grande concessão unilateral de Washington em menos de um mês, após a flexibilização das tarifas sobre carne bovina, café e grande parte das importações brasileiras. Isso foi interpretado como um golpe para Bolsonaro e um triunfo para a estratégia de Lula — uma mistura de firmeza, diplomacia e carisma —, um ingrediente que, como demonstrado desde seu retorno à Casa Branca, continua a funcionar com Trump.
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