14 Novembro 2025
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém (PA), tem sido marcada por discursos otimistas e uma participação popular recorde. Mas, para a diretora executiva do Instituto Arayara, Nicole Oliveira, e o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), João Pedro Stédile, as contradições entre o discurso oficial e a prática dos governos e empresas ainda dominam o evento. Em entrevista ao Três Por Quatro, podcast da Rádio Brasil de Fato, ambos afirmaram que a conferência continua “cooptada pelo capitalismo verde” e pouco comprometida com mudanças reais no modelo de desenvolvimento.
A informação é de Adele Robichez e Rodrigo Gomes, publicada por Brasil de Fato, 13-11-2025.
Oliveira avaliou que o clima de entusiasmo na abertura do encontro não se traduz em compromissos concretos. “O otimismo com certeza existiu, mas nós temos um pouco de dúvidas a respeito dos avanços”, disse. Segundo ela, o governo brasileiro tem adotado uma retórica de “transição energética justa”, mas sem um plano efetivo para abandonar os combustíveis fósseis. “O que nós vemos na realidade brasileira é que não existe um plano de transição energética”, avaliou.
A ativista ainda classificou como “incoerente” o discurso do governo brasileiro sobre a transição ecológica. “O Brasil é líder na expansão fóssil na América Latina. Fazer a transição do petróleo para o petróleo não é transição.” Ela citou a licença para a exploração da Foz do Amazonas e os subsídios a combustíveis fósseis como exemplos de contradição entre o que o país diz nas conferências e o que pratica internamente.
Stédile reforçou a crítica, afirmando que as conferências climáticas repetem uma lógica de mercado. “Na prática, se reúnem lá os governantes do Norte [Global], que são os maiores poluidores, e grandes empresários. O que eles buscam são apenas alternativas de negócios com uma pantomima de capitalismo verde”, analisou. Para o dirigente, mesmo os acordos firmados em edições anteriores, como o de Paris e de Copenhague, não são respeitados. “Não há nenhum organismo internacional que consiga fiscalizar e impor as deliberações que eles tomam nas COPs”, criticou.
Lobby empresarial
Os dois também chamaram atenção para o papel crescente das corporações dentro do evento. A diretora do Arayara apontou, por exemplo, a influência do lobby de petroleiras e do agronegócio no conteúdo das negociações. “É muito difícil incidir no debate se você não for do setor privado, um lobista ou de uma petroleira. Existem lobistas com credencial dada pelos governos, que entram nas salas de negociação, algo que nem a imprensa pode fazer”, citou. Para ela, isso explica por que termos como “combustíveis fósseis” aparecem tão raramente nos textos oficiais da COP. “Em 30 anos, essa palavra apareceu apenas uma vez”, observou.
O dirigente do MST, por sua vez, lembrou que o agronegócio é diretamente responsável por boa parte das emissões brasileiras. “Dos gases de efeito estufa, 50% no Brasil vêm do gás metano da pecuária bovina”, pontuou. Ele ironizou anúncios recentes do setor e defendeu medidas concretas. “Por que eles não aceitam aprovar um projeto de lei de desmatamento zero? De hoje em diante, não se derruba mais nenhuma árvore; em vez de colocar dinheiro em especulação do crédito carbono, vamos colocar em planos nacionais de reflorestamento”, sugeriu.
A cobertura da mídia tradicional também foi alvo de críticas. Oliveira acredita que veículos “criam cortinas de fumaça” ao destacar assuntos superficiais, como os preços de alimentos dentro da COP, e omitir discussões estruturais sobre financiamento e justiça climática. Ela destacou que empresas poluidoras e bancos financiam parte dos grandes meios de comunicação, o que distorce o debate público. “É lógico que isso interfere na qualidade da cobertura”, afirmou.
Mobilização popular
Ao final, Stédile defendeu uma agenda popular para o enfrentamento da crise climática, que inclua o desmatamento zero, o reflorestamento de áreas degradadas, o transporte público gratuito e elétrico e a transição para a agroecologia. “Nós temos que aplicar o desmatamento zero. Não é mais possível aceitar cortarmos uma única árvore. Temos que reflorestar o país e mudar o padrão de produção”, declarou.
Para ele, apenas a mobilização social pode forçar mudanças. “Sem a mobilização popular, pode votar Jesus Cristo de presidente da República que não haverá mudanças”, ironizou. Oliveira encerrou com um apelo pela proteção de defensores ambientais, “que hoje estão muito ameaçados”. “Essa é uma das lições de casa que o Brasil precisa trazer de forma ambiciosa para esta COP”, opinou.
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