22 Outubro 2025
Decisão do Ibama pode criar precedente e facilitar futuros licenciamentos para explorar combustíveis fósseis na região, diz Suely Araújo.
A informação é publicada por ClimaInfo, 22-10-2025.
A autorização dada pelo Ibama à Petrobras para um poço exploratório no bloco FZA-M-59, na Foz do Amazonas, não se limita ao documento em si. Com dezenas de blocos de exploração de petróleo e gás na região, o aval abre uma “porteira petrolífera” no litoral da Amazônia. Péssimo para o clima, para o meio ambiente e para um país que quer liderar a agenda climática na COP30.
“É uma porteira que se abre. O Ibama vai ter dificuldade em negar futuras licenças nas mesmas condições em uma área ambientalmente sensível”, explica ao Capital Reset Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. “A importância deste licenciamento específico não reside apenas na possibilidade de [a Petrobras] encontrar petróleo, mas sim em superar a etapa do licenciamento da perfuração.”
O diagnóstico é reforçado pela Folha. A licença do bloco 59 deve destravar uma corrida de petroleiras na região. Com 28 concessões exploratórias ativas, a expectativa é que as próximas licenças sejam mais rápidas do que a primeira.
Ainda mais com a medida provisória da Licença Ambiental Especial (LAE), que limita em um ano o prazo para licenciar projetos considerados “estratégicos” pelo governo. A LAE foi inserida no PL da Devastação pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil). Um dos maiores entusiastas da exploração de combustíveis fósseis no litoral de seu estado, o Amapá, mostra a Carta Capital. E dono da caneta no Congresso, onde o governo não tem maioria.
Na Agência Pública, Giovana Girardi reforça o risco. “A licença abre caminho para que vários outros poços sejam explorados na mesma região, liberando uma quantidade de combustível fóssil que, se queimado, vai jogar uma bomba de gás carbônico na atmosfera, ajudando a aquecer ainda mais o planeta”.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que a Foz contenha mais de 10 bilhões de barris de petróleo e gás fóssil. Se esse volume for confirmado – e produzido -, a queima desses combustíveis fósseis emitiria 4,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, mostra um estudo de Shigueo Watanabe Jr., físico especializado em mudanças climáticas e pesquisador do ClimaInfo.
Além do estrago climático, a exploração gera uma tragédia social. A licença do Ibama foi concedida sem ouvir Povos Indígenas e Quilombolas da região do Oiapoque, que serão diretamente impactados pelas atividades da Petrobras na área.
Segundo Luene Karipuna, da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), sete bairros já surgiram em Oiapoque, ocupados por pessoas em busca de empregos que não virão, já que a indústria do petróleo é especializada.
“Nossos territórios estão cansados de serem explorados. Se cria no Oiapoque uma estrutura para socorrer a vida marinha em caso de vazamento de petróleo, mas as vidas indígenas são deixadas de lado. Nem sequer considerados no processo nós fomos”, disse ela.
Em nota, a Coiab reforça a ausência de escuta aos indígenas. “O avanço deste projeto representa uma grave violência contra os Povos Indígenas. A Coiab reivindica que o governo federal e a sociedade brasileira assumam o compromisso de defender os direitos dos Povos Indígenas do Amapá e de toda a Amazônia. Não é mais admissível permanecer em silêncio diante dos riscos que este projeto predatório impõe aos Territórios Indígenas, às comunidades locais e à integridade ambiental da região amazônica.”
Já a Associação Quilombola Kulumbú do Patuazinho denuncia invasões e ameaças desde as primeiras informações sobre a possível exploração de petróleo na Foz, informa O Globo. E a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) pede que as atividades da Petrobras não comecem até que sejam feitas as consultas livres, prévias e informadas (CLPI), um direito de Povos Indígenas e comunidades tradicionais, garantido pela Convenção nº 169 da OIT.
A licença para Petrobras na Foz e a reação de organizações ambientais e climáticas foram repercutidas por Agência Brasil, IstoÉ Dinheiro, Estadão, Carta Capital, Folha, Valor, Folha, O Globo, Folha e Estadão.
Em tempo
Organizações lideradas pelo Observatório do Clima já anunciaram que irão à Justiça contra a licença dada pelo Ibama à Petrobras. Para César Felício, do Valor, a ação pode ser uma saída que preserva o presidente Lula. “A hipótese de uma intervenção judicial no tema, objetivo que será buscado pelas entidades ambientalistas, abriria uma válvula de escape para o governo. Lula evitaria contrariar o posicionamento histórico de uma ala da esquerda com a qual ele se reconciliou em 2022 sem ter o ônus de dizer não a sua principal viga de sustentação no Congresso.”
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