16 Outubro 2025
Ariel Cunio e Avinatan Or não viram ninguém por dois anos: não sabiam a extensão do que havia acontecido em 7 de outubro, nem tinham ideia se e como suas companheiras, Arbel Yehud e Noa Argamani, tivessem sobrevivido após vê-los serem levados diante de seus olhos. Or perdeu entre 30 e 40% do seu peso corporal: Cunio não se sabe, mas os médicos estão preocupados. Elkana Bohbot ficou acorrentado por dois anos, sempre no subsolo, nos túneis: sofre de problemas estomacais, tendo sido forçado a comer demais na última semana antes de sua libertação para tentar reduzir os efeitos da desnutrição dos últimos dois anos. Como soldado — ele foi levado enquanto estava em serviço em seu tanque — Matan Angrest foi espancado repetidamente até desmaiar, Gali e Ziv Berman — gêmeos — não ficaram sabendo nada um do outro durante todo o tempo de cativeiro, e David Cunio (irmão de Ariel) ficou trancado em uma gaiola por um longo tempo.
A reportagem é de Francesca Caferri, publicada por la Repubblica, 15-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Israel acordou esta manhã com os primeiros detalhes dos relatos dos vinte reféns libertados na segunda-feira, e suas histórias, juntamente com o atraso na entrega dos corpos daqueles que morreram em cativeiro ou foram mortos em 7 de outubro de 2023, desencadearam uma onda de raiva em um país que até dois dias atrás estava em êxtase. Mas também uma onda de indignação, que Benjamin Netanyahu tentou prevenir visitando alguns dos libertados, mas que mesmo assim o arrastou. “O acordo que trouxe meu filho de volta foi assinado apesar de alguns elementos da liderança, não graças a eles. É duro saber que eles estavam prontos a deixá-lo para trás", disse Anat Angrest, mãe de Matan, falando aos jornalistas em uma coletiva de imprensa no hospital onde o rapaz está se recuperando. "Nas últimas semanas, os combates em Gaza se realizaram literalmente sobre a cabeça de Omri. Somente graças a Deus conseguimos chegar a um acordo antes que ocorresse um fim trágico", ecoou Lishay Miran-Lavi, esposa de Omri Miran. "Esse é o início da nossa jornada de recuperação como povo. Uma jornada que não poderá terminar até que o último refém seja devolvido e até que uma comissão estatal de inquérito seja criada", disse ele. O pedido de uma comissão de inquérito sobre os fracassos de 7 de outubro até agora não recebeu resposta do governo, que sempre citou a situação dos reféns como o motivo do adiamento. Mas agora parece destinado a crescer, a julgar pelas declarações das famílias.
Médicos e autoridades responsáveis pela gestão das libertações já vinham dizendo há dias que a situação dos que retornavam não seria boa: no sul, os preparativos foram feitos para que, se necessário, pudessem ser transferidos para hospitais imediatamente, sem nem sequer passar pela base de Re'im, onde as famílias aguardavam. Havia cadeiras de rodas, macas e muletas: não foram necessárias. Os vinte homens saíram caminhando sozinhos e, envolvido na celebração e nos vídeos de lágrimas e abraços, o país não os olhou nos olhos. Ontem, o fez, e ficou furioso.
Segundo estimativas dos médicos, levará semanas até que alguns dos ex-reféns consigam deixar os hospitais. É impossível estimar sua recuperação psicológica: no segundo aniversário do massacre de 7 de outubro, um dos sobreviventes, Roei Shalev, cometeu suicídio. Ele não conseguiu superar o sentimento de culpa de ter sobrevivido à namorada. No dia seguinte, a mãe de um dos garotos mortos naquele dia fez o mesmo. Naquela oportunidade, o governo foi duramente criticado pela forma como lidou com o transtorno de estresse pós-traumático dos sobreviventes.
Muitos esperam que as coisas mudem agora, visto que as feridas, não apenas físicas, daqueles que retornaram de Gaza foram relatadas ao vivo pela televisão para todo o país. Um alerta a esse respeito veio ontem à noite daqueles que, em 7 de outubro de 2023, perderam muito — muito mesmo — e ainda lutam para recomeçar. "Eu entendo a euforia e a alegria, mas depois de dois anos, as pessoas estão voltando para nós devastadas, e nem sabemos se elas algum dia se recuperarão desses dois anos", disse Dana Silberman-Sitton, irmã de Shiri Bibas e mãe dos pequenos Kfir e Ariel, mortos nas primeiras semanas do ataque israelense a Gaza.
"Devemos olhar para além deste dia feliz, para além de amanhã, e perceber que nada acabou e que ainda há muito a temer.
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