18 Outubro 2025
Para o historiador britânico não há rupturas entre épocas, assim como não é correto classificar eventos com valores ocidentais.
Donald Sassoon, de 78 anos, é um renomado historiador britânico com profundo conhecimento da Itália e uma simpatia de longa data por questões de esquerda. É um intelectual ideal para comentar os escritos de Alessandro Baricco sobre o século XX, um século que se recusa a nos deixar, com suas guerras, privações, fronteiras e muros. Até a cesura capital que ocorreu com Gaza.
A entrevista é de Antonello Guerrera, publicada por La Repubblica, 15-10-2025.
Eis a entrevista.
Por que este século XX não quer nos deixar?
A invasão da Ucrânia foi um acontecimento marcante, pois nos fez recuar ao século passado, visto que um ataque semelhante a um país europeu não ocorria desde o conflito da Bósnia. Mas a guerra é uma constante ao longo dos séculos, e às vezes nos esquecemos das brutais guerras napoleônicas do século XIX, ou, por exemplo, da Guerra Civil Americana ou da Rebelião dos Boxers na China, até as sangrentas guerras na África que perduram até hoje. Além disso, vivemos apenas um quarto do século XXI e não podemos tirar conclusões. Por exemplo, no século XX, após o massacre da Primeira Guerra Mundial, as pessoas pensavam ter alcançado uma paz duradoura na Europa. Em vez disso, nada disso aconteceu. Mas há algo mais que me impressionou na reflexão de Baricco.
Qual?
O papel da Europa. No século XX, mas também no XIX, o Velho Continente estava no centro do mundo. Não mais. Mas concordo com o escritor em um ponto: a guerra na Ucrânia e a invasão de Gaza são um claro legado do século XX, porque decorrem da desintegração da União Soviética e da criação do Estado de Israel no Oriente Médio.
No entanto, em teoria, vivemos em um século de grandes oportunidades e progresso, transcendendo fronteiras, convenções e barreiras. Em vez disso, como caranguejos, estamos regredindo.
As vantagens da internet são bem conhecidas. Mas não deveríamos nos iludir achando que, graças às novas tecnologias, abandonaríamos o século XX. A invenção da imprensa também incutiu a mesma esperança de comunidade, conexões, educação, com a possibilidade de acabar com mal-entendidos e conflitos. Mas não foi o que aconteceu.
Baricco parece sugerir uma abordagem de “fim da história”, para usar o termo de Francis Fukuyama, com uma revolução cultural global desencadeando mudanças irreversíveis e a entrada em uma nova era.
Considerando que Fukuyama tem sido citado demasiadas vezes de forma inadequada, penso que as guerras sempre existiram e sempre existirão. Dito isto, prever a história faz parte da condição humana, mas nunca acertamos. Ninguém previu um conflito que resultaria em milhões de mortes em 1914, poucos previram o colapso repentino da URSS, ou a crise financeira de 2008, ou a pandemia de Covid. A história não pode ser prevista e, por esta razão, também não concordo com a visão cíclica de Vico. A história é fluida; não pode ser categorizada, assim como seus séculos. Caso contrário, consideramos apenas os aspectos que nos são convenientes, como fazem os políticos. Pela mesma razão, também sou cético em relação a classificações como "valores ocidentais".
Mas o massacre de Gaza já mudou este século. Por quê?
Gaza foi um evento crucial porque, antes de tudo, mudou a opinião pública sobre Israel. A grande maioria do público, após o Holocausto, sempre viu o Estado judeu de forma favorável, garantindo certa indulgência em relação a ele ao longo das décadas, mesmo durante outras guerras ou o constante avanço dos colonos. A invasão de Gaza, no entanto, mexeu com muitas consciências, porque Israel arrasou uma terra de dois milhões de habitantes, que não têm meios militares ou defesas. Embora sejam conflitos muito diferentes, Gaza é para o século XXI o que o Vietnã foi para o século XX, o que igualmente minou a admiração global pelos Estados Unidos. No entanto, o impacto midiático de Gaza tem sido ainda maior devido às mídias sociais e às novas tecnologias.
E Trump? Que tipo de político ele é? Para Baricco, ele personifica excepcionalmente os dois séculos.
É certamente um sintoma de que a velha política do século XX está morrendo. O pioneiro em quebrar o molde foi Berlusconi na Itália. Trump é a consequência natural, e não é por acaso que vemos partidos históricos na Europa em risco de extinção, como os socialistas franceses ou os conservadores britânicos. Mesmo a extrema-direita atual, em rápida ascensão, é muito diferente daquela do século XX, pois frequentemente se opõe à instauração de regimes autoritários.
De qualquer forma, todos os moldes foram quebrados: não é por acaso que o país que mais garantiu progresso econômico e bem-estar aos seus cidadãos nos últimos anos foi a China, certamente não uma democracia.
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