27 Setembro 2025
Mais de três dezenas de líderes religiosos do Reino Unido assinaram uma carta aberta publicada em vários jornais britânicos em que repudiam publicamente o uso de símbolos cristãos na marcha da extrema-direita que no domingo 14 de setembro juntou em Londres maias de 110 mil pessoas. Alguns dos manifestantes estavam vestidos como cruzados, carregavam grandes cruzes de madeira e traziam bandeiras com imagens e ditos de Jesus.
A reportagem é de Jorge Wemans, publicada por 7 Margens, 25-09-2025.
Na carta aberta publicada em jornais como The Sunday Times e Daily Mirror bispos anglicanos e bispos católicos, líderes metodistas, batistas, evangélicos, e do Exército da Salvação afirmam estar “profundamente preocupados com a apropriação de símbolos cristãos, particularmente a cruz” que é “o sinal máximo de sacrifício pelo outro”. E prosseguem: “Jesus chama-nos a amar tanto o próximo quanto os inimigos e a acolher o estrangeiro”, por isso “qualquer citação da fé cristã para excluir outros é inaceitável”.
O texto divulgado nos dias 21 e 22 de setembro surge após várias tomadas de posição por parte de responsáveis anglicanos que também condenavam os objetivos da manifestação e desaconselhavam os fiéis a integrarem-na. O bispo de Edmonton (anglicano), na Diocese de Londres, Anderson Jeremiah, escreveu no dia anterior à manifestação: “Embora apresentada como uma celebração da liberdade de expressão, [a marcha] está inextricavelmente ligada a vozes e movimentos que anteriormente contribuíram para a divisão e a intolerância racial, o que está em contradição com tudo o que nós e milhões de londrinos defendemos, especialmente a Diocese de Londres.”
No mesmo dia, um comunicado dos bispos da Diocese de Southwark dizia o mesmo por outras palavras: “Estamos profundamente preocupados com o facto de que a manifestação possa causar medo entre grupos minoritários. Desejamos rejeitar a intolerância e solidarizamo-nos com todo o povo do Sul de Londres e do Leste de Surrey, celebrando a rica diversidade de nossas comunidades enquanto continuamos a trabalhar por uma nação verdadeiramente unida de todas as religiões e raças.”
Frustrações e mau uso do cristianismo
Os signatários da carta aberta reconhecem “as diversas motivações dos envolvidos no evento” e afirmam respeitar “o direito à liberdade de expressão, à liberdade de opinião sobre questões como imigração, a importância do debate saudável entre comunidades religiosas e a necessidade de discordar quando o consenso é difícil”. E admitem mesmo que muitos dos envolvidos na manifestação tinham “um profundo sentimento de frustração por se sentirem ignorados e esquecidos no processo democrático”, o que “não pode ser sarado, a menos que a Igreja e a sociedade como um todo se ergam para fazer mais para abordar as questões da pobreza, da desigualdade e da exclusão”.
Contudo, e porque “esta manifestação incluiu elementos racistas, antimuçulmanos e de extrema-direita”, os líderes que subscrevem a carta dizem que “como cristãos de diferentes origens teológicas e políticas” estão unidos “contra o mau uso do cristianismo”.
Já na terça-feira, 23 de setembro, os presidentes das Igrejas Unidas na Inglaterra, tinham divulgado uma declaração em que escreviam: “Alguns têm usado os símbolos e afirmações da fé cristã para apoiar visões e atitudes radicalmente opostas à sua mensagem. Em contraste, desejamos declarar claramente algumas das mensagens-chave da nossa fé compartilhada, que são uma contribuição crucial para o bem-estar de todas as pessoas em nossas terras”. E concluíam, de acordo com o Church Times: “A cruz e o Evangelho de Cristo nunca devem ser citados para apoiar mensagens que geram hostilidade em relação aos outros. Sua mensagem nunca legitima rejeição, ódio ou superioridade em relação a pessoas de outras culturas.”
Estas tomadas de posição não deixaram de ser alvo de críticas por vozes discordantes dentro da comunidade evangélica. Entre elas, a de David Robertson, pastor da Igreja Presbiteriana Scots Kirk em Newcastle, Nova Gales do Sul, que escreveu no site de notícias Christian Today um artigo dirigido “àqueles que se dizem evangélicos e querem falar em nome de seus companheiros evangélicos”.
Na sua argumentação, o pastor evangelista pergunta: “Será que me escapou alguma carta vossa aconselhando os cristãos a não participarem em marchas pró-palestinas porque há nelas pessoas clamando pela eliminação de Israel e dos judeus?” e “não sabem que o islamismo é tanto uma ideologia política quanto uma religião?” E termina: “A ironia é que, ao adotar em nome de Cristo a visão excludente da inclusão — tão amada pelos progressistas antiliberais — acabam por citar a fé cristã para excluir aqueles que não concordam convosco”.
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