"Ódio, o Ocidente não raciocina mais. A Europa traiu fé e Iluminismo". Entrevista com Roberto Repole

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26 Setembro 2025

"Não podemos nos dar ao luxo da resignação. A deriva da guerra só pode ser combatida pela capacidade de raciocinar", afirma o Cardeal Roberto Repole, Arcebispo de Turim e Susa, membro do antigo Santo Ofício no Vaticano e da Comissão para a Educação Católica na Conferência Episcopal Italiana (CEI), e presidente dos teólogos italianos por quase uma década. De 9 a 12 de outubro, Turim sediará o Festival da Missão, terceira edição do festival que acende os refletores sobre o empenho internacional da Igreja, sobre a proclamação do Evangelho e a construção da paz. Quem sedia o evento e enquadra seu significado em um mundo à beira de uma escalada bélica é o cardeal de Turim, que também participa da organização do Sínodo dos Bispos.

A entrevista é de Giacomo Galeazzi, publicada por La Stampa, 24-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis a entrevista.

Na Palestina e na Ucrânia, a voz dos canhões. Os apelos?

Antes dos apelos, há a vida concreta e os gestos como o da paróquia de Gaza, que se recusou a abandonar a cidade e com coragem está esperando a chegada dos tanques. Os apelos do Papa e da Igreja dão voz a essa coragem e ao terrível sofrimento das vítimas, mas também se propõem objetivos muito concretos, eu diria operacionais: contestar o clima de resignação internacional e sacudir o mundo para recuperar a sua capacidade de raciocinar.

O mundo não raciocina?

Parece-me que o faz cada vez menos. Hoje, o mundo improvisa. É o maior problema que temos neste momento: a superficialidade. Com a cumplicidade das mídias sociais, que ocuparam o centro do cenário, ouvimos rios de gritos, mas poucas ideias. Não é de estranhar que até os governantes improvisem. A fragilidade do pensamento coletivo é evidente em relação às guerras (pensa-se apenas no rearmamento), mas também diante da emergência ambiental, da crise demográfica ou de questões éticas como o fim da vida, o escândalo da pobreza e a emergência educacional. Não existe mais vontade de pensar profundamente sobre nada. Poucos olham para o futuro, a massa se contenta em chegar ao fim do dia.

Isso está acontecendo em todos os lugares?

Certamente é um problema para o Ocidente. A crise cultural é mais do que evidente na Europa e nos Estados Unidos, muito menos em outras regiões do mundo que dão a sensação de saber para onde querem ir. Nós não o sabemos mais. Quisemos acreditar que a única regra da convivência fosse o dinheiro e que não eram necessárias outras referências de valores. Era uma mentira desumanizadora. E o coração do ser humano precisa de mais. Então agora nos vemos balbuciando, não sabemos como entrar no futuro, não nos capacitamos que estouram as guerras.

Mattarella evoca 1914.

Infelizmente, não está exagerando. Hoje a situação poderia ser ainda mais grave: o desenvolvimento tecnológico produziu armas terrificantes. Assistimos a um crescimento tecnológico que não foi acompanhado por um desenvolvimento de reflexão antropológica nem de pensamento moral. Teorizamos que tecnologia e progresso eram a mesma coisa, e aqui também mentimos. Depende de onde a tecnologia é direcionada: o verdadeiro progresso envolve o bem-estar geral do ser humano e afeta muitas outras dimensões da vida, tanto relacionais quanto espirituais. Ter esquecido isso, ter abdicado de uma reflexão sobre o ser humano e seu propósito, ter deixado de nos perguntar quais instrumentos são bons e quais são ruins, é o verdadeiro fracasso do Ocidente.

Como chegamos a esse ponto?

Talvez tenha acontecido porque tomamos como garantidas as conquistas do século XX: paz, bem-estar social, saúde. Transmitimos a memória das guerras, mas não sentimos mais a necessidade de refletir sobre as raízes da paz que nascia da consciência ética das gerações que nos precederam. Corremos o risco de perder o que temos porque não fizemos a manutenção, não consideramos que a paz e o bem-estar não são definitivos. São um processo dinâmico.

Como se desenvolvem?

Encontram sua fonte em nosso trabalho interior, na luta contra o egoísmo, o ódio, o desejo de vingança, a indiferença, o desprezo pela vida. Diziam isso logo após a tragédia da Segunda Guerra Mundial os padres do Concílio Vaticano II, na ‘Gaudium et Spes’, e pensadores como Mounier e Maritain. E isso era de alguma forma evidente até mesmo para os maiores pensadores da modernidade. É verdade, a Europa hoje vive uma certa secularização espiritual, mas traiu também o Iluminismo em sua intuição fundamental: que a liberdade comporta a assunção de uma responsabilidade ética.

Vê apenas nuvens no horizonte?

Não, mas tento chamar os problemas pelo nome, porque é isso que pode nos permitir enfrentá-los. Enquanto fizermos isso, sabemos que é possível retomar uma tarefa que abandonamos: a de educar as consciências, orientando-as para algo pelo qual valha a pena viver. Enquanto fizermos isso, continuaremos a ter confiança de que existe no homem um desejo de paz, de fraternidade, de respeito por toda vida humana e de reflexão, que resiste à superficialidade que se instalou e à ideia de que liberdade significa dar vazão a todas as paixões da alma.

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