15 Setembro 2025
“Um misto de alívio e tristeza”: foi assim que a família do pianista Francisco Cerqueira Tenório Júnior, conhecido como Tenorinho, clasificou a confirmação de sua morte. A notícia de sua identificação foi informada pela Embaixada do Brasil na Argentina neste sábado (13), quase 50 anos após ele desaparecer em Buenos Aires.
A reportagem é publicada por Brasil de Fato, 14-09-2025.
“É um alívio porque, finalmente, podemos saber com mais segurança o que aconteceu com ele naquele triste março de 1976. De alguma maneira, estaremos mais próximos. Tristeza pela confirmação de que Tenório foi vítima da violência e enterrado como um desconhecido, longe da família, dos amigos, dos parceiros de música”, afirma o comunicado assinado pelos filhos Elisa, Andrea, Francisco e Margarida.
“Ainda queremos e precisamos de respostas. Quem matou Tenório? Por quê? Por que matar um homem sem nenhum envolvimento político, que só vivia para a música?”, publicaram.
Tenorinho era considerado um grande talento da bossa nova e do jazz e foi visto pela última vez em 18 de março de 1976, após um show no centro de Buenos Aires. Ele saiu do Hotel Normandie, onde estava hospedado, para ir a uma farmácia comprar cigarro e nunca mais foi visto. Dias depois, foi deflagrado o golpe militar de 24 de março na Argentina.

Foto: Embaixada do Brasil na Argentina
A identificação de Tenório Jr. foi realizada pela Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), uma organização científica independente, através da comparação de impressões digitais. O corpo de um homem encontrado em Don Torcuato, na região metropolitana de Buenos Aires, dois dias após o desaparecimento do pianista, em 20 de março de 1976, foi finalmente confirmado como sendo o de Tenorinho.
Tenorinho estava em turnê pelo Uruguai e Argentina com Vinicius de Moraes, Toquinho, Mutinho e Azeitona quando desapareceu. Apesar de não ter atividades políticas, seu caso sempre foi intrigante. Vinicius chegou a percorrer hospitais e delegacias de polícia da capital argentina atrás do paradeiro.
Uma das versões é que ele pode ter sido confundido com um “subversivo” por ser “barbudo”. Na época, tanto Brasil, como Argentina viviam um período de perseguições, sequestros, torturas e mortes de opositores.
Quem era Tenorinho
Tenório Jr. nasceu no Rio de Janeiro e iniciou sua carreira artística aos 15 anos, quando estudava acordeão e violão. Em seguida, dedicou-se ao piano, instrumento com o qual ficou conhecido no universo musical.
Ao lado de consagrados nomes da música brasileira, Tenorinho compôs, lançou discos e participou de várias turnês e festivais no Brasil e no exterior. Na década de 1970, era um dos mais requintados músicos brasileiros, considerado mestre na fusão de bossa nova e jazz.
A confirmação da morte de Tenorinho após quase 50 anos trouxe um “mínimo de conforto para a família”, segundo Toquinho.
Toquinho disse ainda que o pianista “era de grande talento, considerado um dos músicos mais importantes da bossa nova”.
O desaparecimento do amigo faz parte dos versos de sua música “Lembranças”, que fez com Miltinho: “Tenório saiu sozinho na noite / Sumiu / Ninguém soube explicar”, diz a letra de Toquinho.
Outros amigos e colegas músicos, como a cantora e compositora Joyce Moreno, também se emocionaram com a notícia.
“O que ele estaria fazendo hoje? Como estaria compondo? Até onde sua música o teria levado? E principalmente – até onde ele teria levado a música instrumental brasileira? Porque não foi só o desaparecimento de um homem, o que já é terrível. Mas foi também a perda de uma linguagem musical única, que ele começara a desenvolver”, escreveu a cantora no Instagram.
Já Fafá de Belém ressaltou: “Um dos maiores músicos que o Brasil nos entregou”, terminando com a frase “Ditadura nunca mais”.
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