09 Setembro 2025
Cerca de 50 famílias estão no prédio onde funcionava a Sociedade Espírita Allan Kardec, na rua Andrade Neves.
A reportagem é de Bettina Gehm, publicada por Sul21, 08-09-2025.
Neste domingo (7), o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) ocupou um prédio abandonado na rua Andrade Neves, no centro de Porto Alegre. O imóvel, onde até 2016 funcionava a Sociedade Espírita Allan Kardec, agora é chamado pelo movimento de Ocupação Palestina Livre – Marcela Vive.
Coordenador da ocupação, Mauricio Guterres afirma que cerca de 50 famílias estão no edifício, incluindo crianças, idosos e pessoas com deficiência. “O prédio estava abandonado há 10 anos, servindo de casa para inseto, para pó, menos para as pessoas”, pontua.
O morador Samuel Moro explica que não houve violência policial durante a ocupação, mas que foi impedida a entrada de alimentos no prédio: “Trancaram comida, trancaram água, tudo. [Teve] gente que saiu para ir trabalhar e não voltou, criança que foi para a escola também não pode entrar na ocupação”.
Na tarde desta segunda-feira (8), o batalhão de choque da Brigada Militar esteve em frente ao imóvel. Segundo os participantes do movimento, a polícia ameaçou despejar a ocupação. A mediação entre o MLB e a força policial teve apoio de parlamentares que foram até o local.
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A ocupação se organiza para garantir que a moradia no imóvel abandonado seja digna. Mauricio detalha que, após a entrada, uma equipe de trabalhadores participantes do movimento – eletricistas, encanadores – fazem a ligação de água e luz. Já o “time da cozinha” prepara o alimento das famílias; outro grupo é responsável pela limpeza, e assim por diante.
“Só que a gente ainda precisa de alimento, de cestas básicas, precisa de leite. Precisa de alimento para as crianças, dos produtos essenciais que toda a casa precisa. Principalmente de água, porque a gente não sabe qual é a condição da potabilidade da água aqui no prédio. A água é algo essencial para a gente conseguir se manter resistindo”, afirma o coordenador da ocupação.
O movimento diz estar aberto a negociações com o Estado para regularização do imóvel. Em outubro do ano passado, uma dessas negociações teve resultado positivo através do programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, que garantiu o primeiro retrofit do MLB no país em um prédio na Av. Farrapos. Em agosto deste ano, mais dois imóveis localizados em Porto Alegre foram disponibilizados pelo programa.
“Essa negociação precisa ser feita sob a única condição de que nós consigamos garantir moradia para as famílias que estão ocupando, para as mães e seus filhos, para os trabalhadores”, destaca Mauricio. “Que a gente não saia do prédio sem a garantia de que vai haver moradia para essas famílias. Nada menos que isso”.
Jornada nacional no 7 de setembro
A ocupação em Porto Alegre integra uma jornada nacional do MLB, que ocupou 18 imóveis em 15 estados ao mesmo tempo neste feriado de Independência do Brasil.
“A pergunta que a gente faz todos os anos é para quem que essa independência foi proclamada, porque não foi para nós. Todos os dias temos a comprovação de que não teve independência de fato. O que teve foi a continuidade do massacre dos povos indígenas, da escravização do povo negro, a exploração dos trabalhadores em geral, a fome, os aluguéis cada vez mais caros”, explica o coordenador da ocupação em Porto Alegre.
Para o MLB, tal independência só vai existir de verdade quando os trabalhadores deixarem de ser explorados. “Não existe independência sem as condições necessárias para que o trabalhador sobreviva. Ter um teto sobre a sua cabeça é uma condição básica para a independência, para a vida da nossa classe. A gente está construindo a nossa independência com essas ocupações rumo ao socialismo”, afirma Mauricio.
Confira a lista das ocupações iniciadas pelo MLB neste domingo:
- Natal (RN) – Palestina livre;
- Teresina (PI) – Clóvis Moura;
- Recife (PE) – Gregório Bezerra por Palestina Livre!;
- Belém (PA) – Welfesom Alves;
- Maceió (AL) – Manoel Lisboa;
- Goiânia (GO) – Pedro Nascimento;
- Salvador (BA) – Palestina livre;
- Diadema (SP) – Palestina Livre;
- Campinas (SP) – Palestina livre: Elesbão vive!;
- Porto Alegre (RS) – Palestina Livre! Marcela Vive!;
- Contagem (MG) – Braz Teixeira da Cruz: Palestina Livre;
- Aracaju (SE) – Palestina livre;
- Distrito Federal – Expedito Xavier Gomes;
- Rio de Janeiro (RJ) – Palestina livre! Luíza Mahin;
- São Paulo (SP) – Palestina livre;
- Santos (SP) – Palestina Livre! Menino Ryan Vive!;
- Itajaí (SC) – Estivador Firmino Rosa;
- Fortaleza (CE) – Palestina livre
Apoio à Palestina
A campanha nacional do MLB tem o objetivo de pressionar o governo federal a romper relações diplomáticas e comerciais com Israel. O coordenador da ocupação em Porto Alegre diz que as famílias que constroem as ocupações e o MLB são constituídas de pessoas que enfrentam, nas periferias do Brasil, “a mesma política assassina que o povo palestino enfrenta na faixa de Gaza, na Cisjordânia, na mão dos sionistas”. A diferença, segundo Mauricio, é que aqui quem empunha as armas israelenses é a polícia militar, que “vai na periferia e chacina o povo pobre, o povo preto, periférico”.
“Isso inclusive é um dos motivos que leva as pessoas a sempre estarem saindo dos lugares que moram, procurando um novo lugar de moradia, porque nenhum lugar é seguro para estar quando a única forma que o Estado chega na periferia é pela violência, pela polícia”, explica Mauricio. “Quando os trabalhadores compreenderem que a luta organizada é o que pode levar a gente a superar esse sistema, não vai ter guerra, não vai ter genocídio. A nossa ocupação é a denúncia, mas é também a perspectiva do que a gente pode fazer organizado”.
Na capital gaúcha, o nome da ocupação homenageia também a travesti militante Marcela Almerindo, estudante da UFRGS, que faleceu em agosto.
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