10 Setembro 2025
Encontro reuniu cerca de 200 pessoas na retomada do tekoha Kurusu Amba. A erva-mate foi plantada no território simbolizando a vida Guarani e Kaiowá.
A informação é do Cimi Regional Mato Grosso do Sul – Equipe Dourados, publicada por Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 05-09-2025.
O Encontro de Rezadores e Rezadoras Guarani e Kaiowá ocorreu entre os dias 6 e 9 de agosto no tekoha – lugar onde se é – Kurusu Amba, no município de Coronel Sapucaia, no cone sul do Mato Grosso do Sul. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apoiou o encontro e esteve presente com a Equipe Dourados do Regional. Neste momento em que Casas de Reza vêm sendo incendiadas nos territórios e a religiosidade Guarani e Kaiowá é atacada por igrejas neopentecostais, o Encontro de Rezadores e Rezadoras tem a importância reforçada.
O território sagrado de Kurusu Amba é o tekoha do Nhanderu Leonel Guarani e Kaiowá e da Nhandesy Margarida Guarani e Kaiowá, rezadores de grande importância ao povo. Ambos acolheram com alegria toda a gente que chegava trazendo em suas bagagens o nembo’e (a reza), o canto e a dança, a memória da luta e resistência, representadas pelos maracás e takuapus.
Com o maracá na mão e takuapu no chão, iniciaram um longo caminho ao redor da planta sagrada, a erva-mate. Iniciava-se o encontro de rezadores Guarani e Kaiowá que reuniu 200 participantes, dentre eles um número significativo de lideranças espirituais – nhanderus, nhandesys e ivyra’ijas (iniciantes).
Um longo caminho de preparação foi acalentado pelo sonho das lideranças daquele território e do Cimi de rememorar a luta e resistência do povo que está enraizada em sua espiritualidade, em seu teko (modo de ser Guarani e Kaiowá. Encontrar-se para reencontrar-se com as raízes profundas da memória ancestral, beber dessa fonte de saberes ao som dos cantos e rezas sagrados, é alimentar a espiritualidade, firmar os passos no mesmo compasso da dança do guachire, do guahu, que colocam todos em um movimento sincronizado de corpo e alma.
Neste movimento guiado pelos seres espirituais daquele território ancestral, a planta sagrada da erva-mate foi o ponto de comunhão: ao redor dela, os Guarani e Kaiowá rememoram as histórias de luta pelo território; contam as façanhas de como venceram os inimigos com as rezas. O anfitrião Nhanderu Leonel falava com autoridade e contagiava a todos com sua sabedoria, fez o batismo da erva-mate, ensinou como plantar e os cuidados especiais para que ela cresça vigorosa. O Nhanderu Emiliano recordou os rituais e plantas que curam.
As nhandesys Cleuza e Clara partilhavam as marcas que trazem em seus corpos violentados pela força ultrajante dos fazendeiros, e de como se defenderam das balas com o maracá na mão e muita reza.
A noite era iluminada e o frio amenizado pelas pequenas fogueiras que se acendiam. Ao redor do fogo, lembravam de muitas histórias enquanto saboreavam a doçura das batatas. Ouvia-se gostosas gargalhadas, o ruído da criançada, que não se cansava de correr e brincar; o canto, a dança e as rezas atravessaram a noite, acordaram as mentes e sementes, aparentemente adormecidas, mas que brotaram com vigor e reacenderam uma nova luz na noite escura.
Saber que esse momento proporcionou a alegria entre os territórios, entre as gerações, é acreditar que é possível viver o Teko Joja. Para os anciãos e anciãs, jovens e crianças presentes, nestes últimos anos, foi um momento único. Uma junção de ensinadores e aprendizes, ambos na mesma sinergia na busca do Bem Viver para viver bem.
À noite também aconteceu o batismo de uma criança (mitã karai): ao redor da nova vida entrelaçam-se várias gerações de ñamoi (avós, bisavós). As rezas chamavam o pássaro para que repousasse sobre a criança para então lhe dar o nome. Encantador o pessoal em volta da criança, a bisavó parecia que estava ganhando um batizado também, encantada, quietinha, mas bem acordada, olhar forte mostrando vida.
“Nós somos as que sopram o amanhecer” Eheeee ehe ehe ehe. Este é o canto-reza das mulheres Guarani e Kaiowá. Um longo caminho de canto-reza gesta um novo amanhecer, a palavra gera consenso, diálogo: comunhão que transforma-se em ação, em incidência política, em cuidado com a Mãe Terra: “A terra está pedindo socorro e com ela nós, indígenas, como guardiões, tentamos sobreviver. Dar mais atenção para nós, estamos morrendo um a um. É a preocupação dos ñamoi”.
Neste contexto, corpos-territórios lutam e resistem pela demarcação de seus territórios. O Povo do Caminho: Guarani e Kaiowá garante a autodemarcação, quando ouve o chamado da terra e faz as retomadas, colocam-se em marcha conduzidos pelo canto-reza, ao som dos maracás e takuapus. A cada retomada, recupera-se a terra degradada pela monocultura, restaura-se a biodiversidade, as plantas nativas brotam vigorosas e as nascentes jorram das entranhas da terra; os animais voltam a ocupar seu espaço, a roça tradicional volta a produzir alimento sagrado, livre de agrotóxico.
Para os Guarani e Kaiowá, espiritualidade e política caminham juntas, e assim não abrem mão de seus direitos originários garantidos pela Constituição Federal nos artigos 231 e 232. Fortalecer a espiritualidade para continuar na luta e resistência pela demarcação do território sagrado; garantir a permanência em seus tekohas ao plantar suas roças e produzir o alimento sagrado, saudável. Autonomia e gestão territorial.
Para isso conta com as instituições, órgãos, federais e estaduais, entidades parceiras, movimentos sociais, que durante encontro marcaram presença: Defensoria Pública do Estado (DPE), representada pelo Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas (Nupir), Funai, Sesai, DSEI-MS, Aty Guasu; Cimi; CPT; MST; MPA; Instituto Federal do MS; Instituto Terra sem Males; professores e alunos da Escola da Aldeia Takuapery.
Um longo caminho percorrido pelos passos firmes de homens, mulheres, jovens e crianças, que há séculos mantêm em suas mãos o sonho da Terra Sem Males, simbolizado pela planta da erva-mate, que no passado distante garantia o verde no Ka’aguyrusu (mata densa), onde habitavam homens e mulheres da mata, os Guarani, os Kaiowá, os Nhandeva. A erva-mate plantada pelas crianças no território sagrado de Kurusu Amba significa devolver a Mãe Terra aos seus filhos e filhas que um dia foram arrancados de seus braços pela colonização. Haveremos de ver seus filhos e filhas voltarem para o aconchego do colo da Mãe ao som dos maracás e takuapus, e para sempre cantar e dançar em seu território sagrado.

Inscreva-se para o evento aqui.
Leia mais
- Após casas de reza incendiadas, Guarani-Kaiowá resistem a avanço evangélico e pedem ajuda
- Mais uma casa de reza Guarani e Kaiowá é alvo de ataques em Mato Grosso do Sul
- Funcionários de fazenda destroem barracos e casa de reza de comunidade Guarani Kaiowá no MS
- Casa de reza de líder Kaiowá é incendiada no Mato Grosso do Sul
- Indígenas Guarani e Kaiowá denunciam novo ataque à retomada Yvy Ajere, na TI Panambi – Lagoa Rica
- Retomadas Guarani: “Essa terra pertence a nós”
- “Sem demarcação, Kaiowá e Guarani vão continuar morrendo”. Ato Guarani e Kaiowá em Brasília
- Massacre Guarani Kaiowá e o direito de (r)existir. Violência e omissão do Estado. Artigo de Gabriel Vilardi
- Revisitando a “Carta Guarani Kaiowá”: repercussões, retomadas
- Guarani-Kaiowás narram violência em disputa por território
- Solução para crise Guarani e Kaiowá é demarcação de terras, como manda a Constituição, afirma o CIMI respondendo ao presidente Lula
- Querida Amazônia e o resistente etnocentrismo: onde está o teu irmão indígena? Artigo de Gabriel Vilardi