28 Agosto 2025
"Valorizo o trabalho que realizei para a Reuters nos últimos oito anos, mas, neste momento, não consigo conceber carregar essa credencial de imprensa sem sentir uma profunda vergonha e dor. Não sei como se pode honrar a coragem e o sacrifício dos jornalistas em Gaza, os mais corajosos e melhores que já existiram, mas tentarei em meus futuros trabalhos e contribuições."
O artigo é de Valerie Zink, publicada por CTXT, 27-08-2025.
A fotoperiodista canadense Valerie Zink denuncia o papel dos grandes meios de comunicação ocidentais e acusa a Reuters de justificar o assassinato de jornalistas em Gaza.
Eis o artigo.
Nos últimos oito anos, trabalhei como freelancer para a agência de notícias Reuters. Minhas fotos das províncias das pradarias [no Canadá] foram publicadas pelo New York Times, Al Jazeera e outros meios de comunicação na América do Norte, Ásia e Europa, entre outros lugares. Mas, neste momento, é impossível para mim continuar a colaborar com a Reuters devido ao seu papel em justificar e permitir o assassinato sistemático de 245 jornalistas em Gaza. Devo aos meus colegas palestinos pelo menos isso e muito mais.
Quando Israel assassinou Anas Al-Sharif, junto com toda a equipe da Al-Jazeera na cidade de Gaza em 10 de agosto, a Reuters decidiu publicar a afirmação totalmente infundada lançada por Israel de que Al-Sharif era um agente do Hamas, uma das inúmeras mentiras que meios de comunicação como a Reuters têm repetido e legitimado de forma obediente. A disposição da Reuters em perpetuar a propaganda de Israel não salvou seus próprios repórteres do genocídio israelense. Outros cinco jornalistas, incluindo o cinegrafista da Reuters Hossam Al-Masri, estavam entre as 20 pessoas assassinadas nesta manhã [25 de agosto] em outro ataque ao hospital Nasser. O ataque consistiu no que é conhecido como “um ataque de dois golpes”, em que Israel bombardeia um alvo civil, como uma escola ou um hospital, espera que médicos, equipes de resgate e jornalistas cheguem, e então ataca novamente.
Os meios de comunicação ocidentais são diretamente culpados por criar as condições para que isso aconteça. Como disse Jeremy Scahill, da Drop Site News: “Todos os grandes meios de comunicação, do New York Times ao Washington Post, da AP à Reuters, serviram como uma correia transportadora para a propaganda israelense, branqueando crimes de guerra e desumanizando vítimas, abandonando seus colegas e seu suposto compromisso com a informação verdadeira e ética”.
Ao repetir as mentiras genocidas de Israel sem determinar se elas têm alguma credibilidade — abandonando deliberadamente a responsabilidade mais básica do jornalismo — os meios de comunicação ocidentais tornaram possível que, em dois anos, mais jornalistas tenham sido mortos em uma pequena faixa de terra do que na Primeira Guerra Mundial, na Segunda Guerra Mundial e nas guerras da Coreia, Vietnã, Afeganistão, Iugoslávia e Ucrânia juntas, sem falar em matar de fome toda uma população, despedaçar suas crianças e queimar pessoas vivas.
O fato de o trabalho de Anas Al-Sharif ter ganhado um Prêmio Pulitzer para a Reuters não os obrigou a sair em sua defesa quando as forças de ocupação israelenses o incluíram em uma “lista negra” de jornalistas acusados de serem militantes do Hamas e da Jihad Islâmica. Não os fez sair em sua defesa quando ele pediu proteção aos meios de comunicação internacionais depois que um porta-voz militar israelense publicou um vídeo em que deixava clara sua intenção de assassiná-lo após uma reportagem que ele fez sobre a crescente fome. Isso não os impulsionou a relatar honestamente sua morte quando ele foi perseguido e assassinado semanas depois.
Valorizo o trabalho que realizei para a Reuters nos últimos oito anos, mas, neste momento, não consigo conceber carregar essa credencial de imprensa sem sentir uma profunda vergonha e dor. Não sei como se pode honrar a coragem e o sacrifício dos jornalistas em Gaza, os mais corajosos e melhores que já existiram, mas tentarei em meus futuros trabalhos e contribuições.
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