24 Junho 2025
Análise da Ambiental Media mostra perda de vazão dos rios do Cerrado desde a década de 1970; rio São Francisco é o mais afetado, com volume de água 50% menor; redução de chuvas, aumento da evaporação e avanço do agronegócio são apontados como principais causas
A reportagem é de Daniel Camargos, publicada por Repórter Brasil, 23-06-2025.
Os rios do Cerrado transportam um volume de água 27% menor hoje do que na década de 1970. Essa perda equivale a 30 piscinas olímpicas por minuto, o suficiente para abastecer o Brasil inteiro por três dias e meio.
As conclusões são da análise “Cerrado – O Elo Sagrado das Águas do Brasil”, divulgada nesta segunda-feira (23) pela Ambiental Media, organização de jornalismo científico e de dados. O estudo foi coordenado pelo geógrafo Yuri Salmona, doutor em Ciências Florestais pela UnB (Universidade de Brasília) e diretor-executivo do Instituto Cerrados.
Com base em informações da ANA (Agência Nacional de Águas), o levantamento comparou dados de chuvas, evapotranspiração (umidade evaporada do solo e da vegetação) e vazão de seis bacias hidrográficas do Cerrado (Araguaia, Paraná, Parnaíba, São Francisco, Taquari e Tocantins), entre as décadas de 1970 (1970–1979) e 2010 (2012–2021).
O relatório aponta para queda de 21% das chuvas desde a década de 1970 (de 680 para 539 mm/ano), além de alta de 8% da evaporação nas seis regiões hidrográficas, culminando com a perda de 27% na vazão de segurança dos rios. “O Cerrado está deixando de pulsar 1.300 m³ de água por segundo”, diz o relatório.
O documento destaca que o bioma ocupa um quarto do território nacional e é responsável pelo abastecimento de 8 das 12 bacias hidrográficas brasileiras. “O relevo do Cerrado permite à sua rede de rios e lençóis freáticos abastecer bacias em todas as regiões do país, inclusive gigantes da Amazônia, como os rios Tapajós e Xingu. Mais de 90% das águas que correm pelo São Francisco vêm do Cerrado, assim como praticamente toda a água do Pantanal. O bioma abastece quase 50% da bacia do Paraná, estratégica para a geração de energia elétrica”, diz o texto.
A perda de vegetação nativa é um dos motivos por trás dos impactos no Cerrado, segundo Salmona, o que está diretamente vinculada à expansão da soja no bioma. Dados do MapBiomas mostram que a região perdeu 22% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2022, passando de 107 milhões para 83 milhões de hectares. No mesmo período, a área destinada à produção de soja cresceu quase 20 vezes, passando de 620 mil para mais de 12 milhões de hectares.
“É comum encontrar pessoas indignadas com a falta de água nas torneiras ou preocupadas com a queda de safra devido à irregularidade climática, sem perceberem que esses problemas estão diretamente ligados ao desmatamento do Cerrado”, diz Salmona. “Quando o Cerrado é devastado, estamos colocando em risco os recursos hídricos do Brasil, afetando a todos nós”, alerta.
“A irrigação intensiva e o desmatamento perturbam o ciclo hidrológico, reduzindo a capacidade do solo de armazenar e liberar água nos períodos secos. Esse fenômeno retroalimenta a crise climática, encurtando os períodos de chuva, aumentando a temperatura e intensificando a instabilidade climática”, destaca o documento.
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