09 Abril 2025
A alta da taxa básica de juros da economia nacional deve fazer com que o governo gaste um valor histórico só para arcar com os juros da dívida pública. Considerando o atual patamar da Selic e a perspectiva de que ela suba ainda mais nos próximos meses, o dispêndio do setor público em 12 meses com a rolagem de seu débito deve atingir R$ 1 trilhão ainda neste ano – valor nunca visto na história.
A reportagem é de Vinicius Konchinski, publicada por Brasil de Fato, 08-04-2025.
Segundo dados do Banco Central (BC) divulgados nesta terça-feira (8), nos 12 meses encerrados em fevereiro, o governo gastou R$ 924 bilhões em juros. Isso é 23,5% a mais do que os R$ 746,9 bilhões gastos nos 12 meses anteriores.
O próprio BC atribuiu esse crescimento à alta da Selic nos últimos seis meses.
Em setembro, ela era de 10,5% ao ano. Chegou a 12,25% ao final de 2024. Desde 20 de março, está em 14,25% ao ano.
A taxa Selic é um dos principais indexadores da dívida pública nacional. Isso significa que, quanto mais ela sobe, mais o gasto com o pagamento dos juros sobe também.
O próprio BC estima que cada 1 ponto percentual de aumento da Selic aumenta a dívida em mais de R$ 50 bilhões. Nos últimos meses, foram quase 4 pontos percentuais de aumento. Isso significa mais R$ 200 bilhões na dívida pública, que passa de R$ 7,3 trilhões. Também mais juros a pagar sobre ela.
“A Selic alta faz com que a dívida esteja sempre em tendência de crescimento”, explicou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Por mais que o déficit público seja controlado, a dívida sempre cresce.”
A Selic é definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. O órgão já alertou que deve aumentar a taxa ainda mais em sua próxima reunião sobre o assunto, marcada para 6 e 7 de maio.
Levando mais esse aumento em consideração, Weiss ressaltou que tudo caminha para que o Brasil consuma um valor recorde com juros em 2025.
“Há um sério risco de atingirmos esse recorde se a taxa não for reduzida no curto prazo, algo que hoje nem se vislumbra”, afirmou ele.
Weslley Cantelmo, presidente do Instituto Economias e Planejamento, também vê o gasto com juros ultrapassando R$ 1 trilhão.
O orçamento de 2025 prevê gastos totais de R$ 5,8 trilhões. O orçamento do Ministério da Previdência, que inclui os pagamentos de todas as aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é de pouco mais de R$ 1 trilhão.
Juros x PIB
Ainda segundo o BC, o gasto acumulado nos últimos 12 meses com juros equivale a 7,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro – valor de tudo produzido no país. Esse percentual também vem crescendo. Há um ano, ele era 6,7%.
Ao final de 2024, ele chegou a ultrapassar os 8%. Algo como isso só aconteceu em dois momentos da história recente do país: em 2002 e 2003, durante a crise do final do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e início do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e em 2015 e 2016, durante a crise econômica que antecedeu o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT).
Desde janeiro de 2002, a média da relação do gasto com juros e o PIB nacional é de 6% – quase 2 pontos percentuais abaixo da situação atual.
Consequências
Weiss disse que a Selic em alta atrapalha o crescimento de toda a economia nacional pois também encarece os juros para empréstimos e financiamentos, adiando decisões de compra e investimentos.
Além disso, eleva a pressão política por corte de gastos públicos como uma solução imediatista para redução da dívida pública. “Cortando os gastos, se enfraquece os programas sociais e se reduz o investimento em infraestrutura”, alertou ele.
O economista e professor lembrou também que a Selic em alta é um entrave à redistribuição de renda no Brasil. Isso porque os mais ricos são os maiores detentores de títulos da dívida pública. Quanto mais o governo gasta com juros dessas dívidas, mais transfere recursos quase que diretamente para o bolso de quem menos precisa.
Cantelmo, por sua vez, ressaltou que o endividamento e o gasto com juros, em si, não devem ser vistos como um problema. A questão é que ele vê o Brasil gastando com sua dívida sem estar investindo em projetos que realmente mudariam a situação do país.
Leia mais
- A cultura dos juros altos. Artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira
- Juros da dívida: a verdadeira gastança. Artigo de Paulo Kliass
- Selic matará o crescimento econômico em 2025 e 2026, abrindo espaço para o candidato de Campos Neto nas eleições presidenciais. Artigo de Luís Nassif
- Taxa de juros, autonomia do Banco Central e novo arcabouço fiscal: as relações ocultas entre mídia e instituições financeiras no cenário político nacional. Entrevista especial com Carlos Tautz
- Por que os juros brasileiros não podem baixar. Artigo de Ladislau Dowbor
- Banco Central, juros e independência: em defesa de Lula. Artigo de Leda Paulani
- Gastança com juros cresce R$ 117 bilhões em 12 meses e passa de R$ 776 bilhões
- Governo pagou quase o dobro de juros, mas dívida pública cresceu mais de R$ 708 bilhões
- Após 20 anos de plebiscito histórico, anulação da dívida pública volta ao debate
- Leis econômicas que não funcionam mais: a dívida pública é um obstáculo ao crescimento
- 'Dívida Pública'. O veículo para o roubo de recursos públicos. Entrevista especial com Maria Lucia Fattorelli
- Tributação dos super-ricos – Justiça fiscal urgente para combater a fome. Artigo de Maria Regina Paiva Duarte
- O PIB e a austeridade. Artigo de Paulo Kliass
- “Os rentistas estão promovendo a morte da economia no mundo inteiro, em especial no caso brasileiro”. Entrevista especial com Luiz Gonzaga Belluzzo
- Novo Arcabouço Fiscal deixa o orçamento público refém dos parasitas do mercado financeiro. Entrevista especial com Evilásio Silva Salvador
- O social sob ataque em nome do déficit zero. Artigo de Rosa Maria Marques
- Benefício de Prestação Continuada: Caçada aos direitos dos vulneráveis
- Lula, Haddad e o “ajuste fiscal”. Artigo de Paulo Kliass
- Saúde e educação são ameaçadas por novo arcabouço fiscal. Entrevista especial com David Deccache