17 Março 2025
"Se o Brasil deseja acompanhar a revolução digital e estar alinhado com o futuro da governança da internet, precisamos de uma LDA que reflita essa nova realidade."
O artigo é de Chico Venâncio, vice-presidente da Wikimedia Brasil, publicado por Brasil de Fato, 16-03-2025.
Nossa legislação sobre o tema reflete uma era pré-digital, criando barreiras desnecessárias ao acesso à informação
O conhecimento é um direito fundamental. Em uma sociedade cada vez mais conectada, a circulação livre da informação não deve ser vista como uma ameaça, mas como um motor para o desenvolvimento social, científico e cultural. No entanto, no Brasil, nossa legislação de direitos autorais ainda reflete uma era pré-digital, criando barreiras desnecessárias ao acesso ao conhecimento.
A Lei de Direitos Autorais (LDA), criada em 1998, não acompanhou as transformações impostas pela internet e pela digitalização dos bens culturais. Hoje, o Brasil está entre os países mais restritivos do mundo no que diz respeito ao acesso ao conhecimento e à cultura. Enquanto muitas nações já avançam para modelos mais equilibrados, nossa legislação continua a privilegiar o bloqueio da informação em detrimento da democratização do saber.
O Brasil precisa de uma reforma da LDA para que possamos garantir a proteção dos direitos dos criadores sem comprometer o direito da sociedade de acessar conhecimento e cultura. Esse equilíbrio é essencial para que possamos nos alinhar às diretrizes internacionais, como as do Pacto Digital Global da Organização das Nações Unidas (ONU), que defende uma internet mais aberta, acessível e inclusiva. Foi por isso que nós, na Wikimedia Brasil, nos juntamos a outras organizações da Coalizão Direitos na Rede (CDR), para lançar a campanha “Conhecimento é Direito”, cujo manifesto está sendo assinado por organizações do setor.
Hoje, a LDA brasileira não só limita a circulação do conhecimento, mas também impede que bens financiados com recursos públicos sejam amplamente compartilhados. Projetos culturais custeados por leis de incentivo, pesquisas acadêmicas produzidas em universidades públicas e conteúdos educacionais financiados pelo Estado ainda não possuem mecanismos claros que garantam seu acesso irrestrito à sociedade.
Isso significa que um estudante pode ter dificuldades para acessar materiais essenciais para sua formação, que pesquisadores encontram barreiras para compartilhar seus achados e que obras artísticas e científicas muitas vezes permanecem restritas a círculos fechados.
A solução passa por modernizar a LDA, garantindo exceções e limitações para fins educacionais, científicos e informativos. Além disso, é fundamental ampliar o uso de licenças livres e do domínio público para que produções custeadas com dinheiro público sejam acessíveis a todos.
A falta de acesso ao conhecimento não é um problema isolado – ela impacta diretamente o desenvolvimento do Brasil. Países que promovem a livre circulação da informação colhem os frutos dessa política em termos de inovação, educação e crescimento econômico.
Se o Brasil deseja acompanhar a revolução digital e estar alinhado com o futuro da governança da internet, precisamos de uma LDA que reflita essa nova realidade. A reforma da lei não significa abrir mão dos direitos dos criadores – pelo contrário, trata-se de garantir que suas obras possam ser mais amplamente difundidas e aproveitadas, gerando impacto positivo para toda a sociedade.
O debate está posto. O conhecimento é um direito e deve ser tratado como tal. O Brasil não pode mais adiar essa discussão.