13 Dezembro 2024
Estado foi pioneiro ao adotar lei que proíbe aplicação aérea de veneno; governador é a favor da flexibilização.
A reportagem é de Geovanni Carvalho, publicada por Brasil de Fato, 12-12-2024.
Movimentos populares e parlamentares da base do governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), criticaram o avanço do projeto de lei (PL) que quer liberar o uso de drones para pulverização aérea de agrotóxicos nas plantações do estado. Na última sexta-feira (6), durante a programação do Cresce Ceará, evento promovido pelo jornal Diário do Nordeste em parceria com o Banco do Nordeste (BNB) e a concessionária Enel, Freitas anunciou que o uso de drones deve ser aprovado na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) até o final deste ano.
Missias do MST lembra que o Ceará é referência no combate ao uso de agrotóxicos, com a Lei Zé Maria do Tomé. O deputado ressalta que a aprovação do PL representa um retrocesso para os povos do campo. “De forma escalonada, esse veneno deve atingir a vida das pessoas em diversos âmbitos, desde a saúde, o solo, a água, a biodiversidade e, sobretudo, a alimentação produzida nesses territórios. Temos que levar em conta os estudos realizados hoje no Brasil, eles mostram que os agrotóxicos são sim responsáveis por mortes em todo o país. Há drones com capacidade de carregar litros e litros de veneno, não existe isso de que a escala é menor”, declarou.
O anúncio no evento agradou empresários, industriais e agropecuaristas, que estavam reunidos para debater os avanços econômicos do estado nas últimas três décadas. Freitas foi ovacionado. De acordo com o governador, a principal motivação para seu apoio ao projeto é a garantia da saúde do trabalhador, que hoje, realiza a pulverização com uso de uma mochila nas costas. Quando deputado, ele foi coautor da Lei Zé Maria do Tomé (nº 16.820/19), que fez do Ceará o primeiro e único estado do país a proibir a aplicação de agrotóxico por aviões.
O parlamentar do MST destaca ainda que é contrário à pulverização aérea de todo e qualquer tipo de veneno. "Em pleno século 21, outras alternativas de desenvolvimento da agricultura devem ser exploradas para diminuir o uso de toneladas de venenos, buscando uma transição agroecológica na agricultura, garantindo para as próximas gerações uma vida saudável e digna."
Com a declaração de Freitas, a votação da pauta na assembleia pode ocorrer mais cedo do que se imagina. Na terça-feira (10), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alece aprovou, em reunião ordinária, 26 matérias de autoria de parlamentares, sendo 17 projetos de lei (PLs) e nove projetos de indicação (PIs). Dentre os projetos votados, estava um PL que dispõe sobre a utilização de aeronaves remotamente pilotadas - ARPs ou drones - para pulverização aérea de herbicidas, de autoria do deputado Felipe Mota (União), do bloco de oposição ao governador.
Outros dois projetos de autoria de Osmar Baquit (PDT) e Queiroz Filho (PDT), sendo um deles em co-autoria com do deputado Marcos Sobreira (PDT) também foram votados e aprovados em conjunto, por tratarem da mesma pauta. Os projetos serão apensados para tramitarem juntos.
A aprovação na CCJ se deu por três votos favoráveis e somente um contrário, o do deputado Missias do MST (PT). Antes de seguir para votação no Plenário, o texto deve tramitar em quatro comissões temáticas: Ciência, Tecnologia e Educação Superior; Agropecuária; Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semiárido; e do Orçamento, Finanças e Tributação.
O Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) lançou nota em repúdio à fala do governador do Ceará, alertando que a medida representa um grave retrocesso nas políticas de proteção ao meio ambiente e à saúde pública. “A pulverização aérea, por sua natureza, aumenta os riscos de contaminação do solo, das águas e da biodiversidade, além de comprometer a saúde das pessoas, expondo trabalhadores(as) e comunidades ao uso indiscriminado de agrotóxicos”, destaca a nota.
O movimento ressalta ainda que além dos impactos a saúde e a integridade física de moradores das comunidades mais afetadas, o uso de agrotóxicos causa também conflitos nos territórios, incluindo o assassinato de trabalhadores. Por fim, a nota do MST exige a reconsideração do governador e a priorização de políticas para garantir a soberania alimentar, por meio da produção de alimentos saudáveis nos territórios camponeses.
Cleide Rodrigues, agricultora e moradora na comunidade de Baixo do Juazeiro, localizada no município de Tabuleiro do Norte, na região da Chapada do Apodi, afirma que desde a pandemia, com a chegada da empresa Nova Agro, a comunidade sofre com as chuvas de veneno. Segundo a moradora, a possibilidade do retorno do uso de drones para pulverização aérea despertou novamente a preocupação dos moradores da comunidade.
“Eles usam veneno em quantidades absurdas, prejudicando a saúde das pessoas, prejudicando os quintais produtivos que nós usamos para produção sem veneno. Com o uso dos drones, eles conseguem atingir maiores distâncias de aplicação desses produtos, e fica um cheiro forte de veneno, você passa na estrada e toma banho de veneno, os telhados das casas são envenenados”, pontua.
Cleide destaca também que a luta por água potável na região é uma luta antiga. De acordo com ela, somente nos primeiros meses do ano os moradores conseguem armazenar grandes volumes de água oriundos das chuvas, por causa das cisternas que garantem às famílias o consumo de água com mais qualidade. Com isso, outra preocupação apontada pela agricultora é a possibilidade de os moradores não poderem mais usufruir mais dessa água para consumo próprio, uma vez que os telhados das residências ficarão contaminados por agrotóxicos, em caso de aprovação dos drones na Assembleia.
“Peço encarecidamente aos deputados que pensem dez vezes antes de votar e ser aprovada essa lei, se isso acontecer, é o fim dos moradores da Chapada do Apodi. Porque não tem condição de continuar morando aqui com a volta da pulverização aérea. Hoje, os nossos apicultores já estão sendo prejudicados com o uso de agrotóxicos em pulverizadores costais, imagina com drones”, clama a moradora da região. Ela destaca que alguns animais já estão morrendo, alguns agricultores estão sofrendo fortes prejuízos decorrentes do uso abusivo de agrotóxicos pela empresa que atua na região. "A maior preocupação entre os moradores daqui é de não poder sobreviver e ter de abandonar suas casas e quintais produtivos pela ausência de políticas que garantam uma vida tranquila e saudável no campo, declara Cleide.
Deputado estadual e autor da Lei Zé Maria do Tomé, Renato Roseno (Psol) também se posicionou, salientando que a liberação do uso de drones para derramar veneno nos territórios camponeses representa uma ameaça para a saúde do povo cearense e para o meio ambiente. “Há um avanço cruel de projetos que querem introduzir a utilização de drone agrícola para pulverizar veneno em nosso estado, inclusive com manifestação favorável do governador Elmano de Freitas, atendendo aos desejos do agronegócio predador.”
Renato Roseno reafirma ainda que o retorno à lógica que prioriza o lucro do agronegócio em detrimento da saúde e da vida da população não deve ser tolerado. “É inadmissível que o governador, coautor da lei e militante forjado nas lutas do campo, se alinhe a interesses que ameaçam a vida dos cearenses”, reitera. Por fim, o deputado faz um convite às entidades, movimentos sociais e lideranças a fortalecerem a resistência a esse retrocesso, reforçando a luta pela proteção ao meio ambiente e aos direitos humanos.
Atualmente, o Ceará se mantém como único estado do país a proibir a prática da pulverização aérea, o que demonstra a força da luta e resistência dos movimentos sociais e populares, que se mantém firmes em defesa dos territórios e da produção agroecológica.
Vale destacar que, recentemente, o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontou um crescimento alarmante de contaminações por agrotóxicos. De acordo com o documento, em 2023, foram notificados 19 casos de contaminação por agrotóxicos. Já em 2024, esse número foi para 182 e representa um crescimento de 950% de contaminações. Outro dado alarmante do relatório da CPT é que nos últimos dois anos, os drones também foram utilizados em conflitos fundiários, como armas químicas, afetando populações vulneráveis.
Em suas redes sociais, a deputada Larissa Gaspar (PT) também repudiou o uso de agrotóxicos por meio de drones. A parlamentar destacou que considera inoportuna qualquer iniciativa que flexibilize a proibição da pulverização aérea. “O país precisa avançar no combate ao uso indiscriminado e nocivo de agrotóxicos que contaminam solos, águas e alimentos, matando pessoas e animais. É possível produzir alimentos com sustentabilidade ambiental e econômica”, pontua.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, rede de organizações da sociedade que tem como objetivo denunciar os efeitos dos agrotóxicos e do agronegócio, também denunciou a decisão em nota, e aponta que a aprovação rompe a proibição imposta pela Lei Zé Maria do Tomé. A Campanha exige que os parlamentares cearenses mantenham intocada a Lei Zé Maria do Tomé, por representar patrimônio do estado do Ceará e uma merecida homenagem ao agricultor que deu a vida na luta pelo direito de viver sem o consumo de veneno.
Outras organizações políticas também se posicionaram de forma contrária ao governo do estado, como o Fórum Cearense Pela Vida no Semiárido (FCVSA), a Articulação Cearense de Agroecologia (ARCA) e a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores(as) Familiares do Estado do Ceará (Fetraece).
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Movimentos, parlamentares e Igreja criticam PL sobre pulverização de agrotóxicos com drones no Ceará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU