06 Dezembro 2024
"Uma cidade aberta aos estrangeiros, uma cidade mestiça e misturada, uma cidade que vive seu mar como uma ponte, não como um muro. Uma cidade onde os estrangeiros que chegam de barco são acolhidos: de São Nicolau aos vinte mil albaneses em 8 de agosto de 1991", escreve o historiador da arte Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles, em artigo publicado por Il Venerdì, 29-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Pode acontecer a muitos, indivíduos ou povos, acreditarem, mais ou menos inconscientemente, que 'todo estrangeiro é inimigo'. Na maioria das vezes, essa crença se aninha no fundo da alma como uma infecção latente; ela se manifesta apenas em atos ocasionais e incoordenados, e não está na origem de um sistema de pensamento. Mas quando isso acontece, quando o dogma não expresso se torna a premissa principal de um silogismo, então, no final da cadeia, está o Campo de detenção. A história dos campos de destruição deveria ser entendida por todos como um sinal de perigo sinistro”. A profecia de Primo Levi se tornou realidade: hoje somos governados por uma classe política que chegou ao poder pelo medo do estrangeiro, do migrante, do negro.
Um medo cultivado com hábil cinismo. Hoje, com nossos impostos, se tortura na Líbia e se constroem campos de detenção na Itália e na Albânia.
Icone de São Nicolau na Basílica de Nicolau em Bari (Foto: Wikimedia Commons)
Mas a nossa história e a nossa arte estão repletas de antídotos, remédios e contravenenos. Vejamos Bari, por exemplo: cidade fronteiriça por excelência. Uma cidade aberta aos estrangeiros, uma cidade mestiça e misturada, uma cidade que vive seu mar como uma ponte, não como um muro. Uma cidade onde os estrangeiros que chegam de barco são acolhidos: de São Nicolau aos vinte mil albaneses em 8 de agosto de 1991. Justamente no túmulo do santo, no epicentro sagrado da Basílica de Nicolau, se encontra esse grande ícone, coberto por sua camada de proteção de prata. Ele foi doado à basílica pelo czar sérvio Uroš III (1322-1331), que aparece retratado aos pés do santo com sua esposa e outro casal real (talvez Estêvão Dušan e sua esposa), fazendo a mediação entre eles e Nicolau.
Uma obra vinda de fora, de outro mundo: no entanto, essa é a imagem de culto mais difundida por séculos do santo de Bari. Um santo “de Bari” que chegou a Bari apenas setecentos anos após sua morte. Um santo que viveu na época de Constantino e que foi bispo de Mira, uma cidade na costa sul da atual Turquia, entre Rodes e Chipre. Um santo que foi acolhido como filho e irmão pelo povo de Bari, que em um determinado momento o imaginou (também pode ser visto nesse ícone) como um homem negro: para enfatizar sua origem distante, reforçando ainda mais a importância do vínculo de amor, não de sangue.
E hoje, os fiéis de todo o mundo que se ajoelham diante do túmulo de Nicolau - esse santo global, que está na raiz da figura do Papai Noel - dirigem suas orações a uma imagem profundamente arraigada em uma cultura muito distante de quase todos eles, aquela da Sérvia do século XIV, em um triunfo da diversidade reconciliada. E o maior milagre é este: que todo estrangeiro parece um amigo, aliás, um irmão.
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O verdadeiro milagre de São Nicolau. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU