29 Novembro 2024
A decisão do G2O de se comprometer em financiar os programas da Aliança contra a Fome e a Pobreza e os mandados de prisão do Tribunal Penal Internacional para Gaza.
O artigo é de Riccardo Petrella, publicado por Chiesa di Tutti Chiesa dei Poveri, 25-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Riccardo Petrella é cientista político italiano com doutorado em ciências políticas e sociais pela Universidade de Florença (Itália) e autor, entre outros, do livro O Manifesto da Água (Editora Vozes, 2002).
Dois grandes eventos de importância mundial aconteceram de forma coincidente nos últimos dias. Em 19 de novembro, os Estados membros do G20, reunidos no Rio de Janeiro sob a presidência do Brasil, ratificaram o plano de lançamento de uma “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza” e expressaram seu compromisso comum de cooperar para que o financiamento do programa da Aliança seja efetivamente garantido por um imposto internacional sobre os super-ricos. Isso não é novidade, mas parece que o empenho é bastante sério. Em 21 de novembro, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de prisão para o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant, e para os líderes do Hamas, por crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Uma sentença histórica.
Vamos começar, então, pela decisão do TPI. Ela é de importância histórica por vários motivos. Em primeiro lugar, é uma clara ruptura com as tendências dos últimos anos de desmantelamento e de negação do Direito, não apenas em nível nacional, mas também em nível de Direito internacional. A lei do mais forte e dos interesses hegemônicos e exclusivos das oligarquias dos Estados dominantes se impôs com violência. O Tribunal Penal Internacional, cuja legitimidade e funções foram aprovadas por uma maioria esmagadora dos Estados membros das Nações Unidas (Conferência de Roma, 1996), com exceção, não surpreendentemente, dos Estados Unidos, Israel, Rússia e China, reafirma a supremacia do Direito e o princípio de que ninguém no mundo está acima do Direito. De fato, a condenação do TPI é juridicamente vinculante para todos, até mesmo para os Estados Unidos, que há 30 anos continuam a rejeitar a autoridade do TPI com uma lei interna de seu país.
Em segundo lugar, ao condenar os principais líderes políticos do Estado de Israel por crimes contra a humanidade e crimes de guerra, como já havia feito com o mandado de prisão contra Putin pela guerra na Ucrânia, o TPI condena indiretamente como criminosos também os líderes políticos dos Estados que apoiaram abertamente, com intervenções maciças de armas e dinheiro, os crimes cometidos por Israel. Ninguém se esqueceu dos abraços calorosos entre Netanyahu e o presidente da Comissão da UE após o anúncio da decisão do governo israelense de prosseguir militarmente para a erradicação dos palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia.
Também é muito importante observar que o TPI rejeitou juridicamente o argumento da “legítima defesa” invocado por Israel e seus protetores/cúmplices como desculpa para justificar o genocídio ainda em curso. O TPI afirma enfaticamente que não há impunidade possível. Mesmo os mais fortes, os dominantes, não são impunes. Essa é uma mensagem e uma certeza de grande atualidade quando se pensa no caso presidencial dos EUA.
Por fim, com sua decisão, o TPI está conscientizando e educando para a paz e a justiça, destacando para a opinião pública mundial os limites e as ambiguidades dos próprios conceitos de “guerra justa” e “guerra de defesa”. A guerra, lembra, é um crime.
É também sob esse aspecto que, parece-me, se pode e se deve dar um grande valor ao lançamento da “Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”, em favor da qual o Presidente Lula, na origem da iniciativa, se engajou por meses com tenacidade e convicção. Lembro que uma das primeiras decisões tomadas por Lula em sua primeira presidência foi promover uma campanha nacional contra a fome e, nesse contexto, a campanha por um milhão de cisternas (o direito à água).
A decisão da G2O de se comprometer para financiar os programas da Aliança por meio de uma tributação mundial dos super-ricos mostra uma direção encorajadora. É claro que não se pode descartar a possibilidade de que muitos países do G20 tenham assinado o acordo, estimando que o objetivo da Aliança também permanecerá letra morta, como aconteceu com as muitas e repetidas promessas feitas pelo G20 em seus vinte anos de existência. Essa hipótese é plausível, considerando os ventos contrários que impedem até mesmo um fraco acordo financeiro na COP 29 sobre o clima. Além disso, não é evidente que a solução de um imposto global de 1% sobre os super-ricos, assim como a de alocar 1% dos gastos militares anuais para o combate à fome e à pobreza, sejam soluções eficazes para erradicar os fatores estruturais que geram a fome e a pobreza. No entanto, o fato de essas soluções serem formalmente aprovadas e efetivamente aplicadas seria um grande passo político e social e abriria caminho para soluções mais robustas e eficazes. A história começaria a mudar.
De qualquer forma, há um novo aspecto que não deve ser subestimado. Não sei o quanto a forte posição assumida pelo Papa Francisco pesou nessa questão. Em sua mensagem ao G20, ele denuncia como um crime (literalmente) o fato de que os poderosos do mundo gastam trilhões de dólares para se armar e fazer guerra, enquanto aceitam deixar centenas de milhões de seres humanos empobrecidos morrerem de fome e sede. Em sua mensagem, entende-se que o Papa Francisco por esse motivo também considera os grupos governantes dos países no Norte como criminosos. Resta também o fato que, nos últimos anos, as populações dos países de baixa e média renda do chamado “Sul Global” não aceitam mais as enormes desigualdades onde os 5 maiores bilionários do mundo agora possuem riqueza igual à de mais de 4 bilhões de pessoas, ou seja, a metade das pessoas mais pobres da Terra. Eles não aceitam mais que 4 bilhões de pessoas, em seus próprios países, não tenham nenhuma proteção básica de saúde.
Tudo isso explica as razões que impelem os países do Sul global a cooperar entre si para pôr um fim ao escândalo representado pelo fato de que os 20% da população rica do mundo sejam culpados por 80% dos desastres ambientais e das catástrofes climáticas, enquanto os 80% restantes sofrem as maiores consequências. Apesar disso, as oligarquias predatórias do Norte continuam obstinadamente a se recusar a assumir, por uma questão de justiça (além da equidade), o maior ônus financeiro para a rápida reconstrução de um mundo sustentável e justo.
Nos dois eventos, a presença significativa de denúncia e da condenação da criminalidade dos poderosos vale muito. É um bom sinal.
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Raios de esperança? Contra os massacres, contra a fome. Artigo de Riccardo Petrella - Instituto Humanitas Unisinos - IHU